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Rotina de shows pautada pela glicemia

Quem vê Paula Toller assim, linda, loira e roqueira, pensa que sua vida é de uma popstar cheia de regalias, noitadas e outras referências que se tem quando o assunto é o maistream musical. Mas, ao contrário, ela é megarregrada. Tem uma vida metódica, o

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Quem vê Paula Toller assim, linda, loira e roqueira, pensa que sua vida é de uma popstar cheia de regalias, noitadas e outras referências que se tem quando o assunto é o maistream musical. Mas, ao contrário, ela é megarregrada. Tem uma vida metódica, onde a família e a carreira são prioridades. Mas o que dita seu ritmo mesmo é uma doença silenciosa e que, se não cuidada na medida, pode trazer consequências nefastas: a diabetes.

“Nunca falei sobre isso publicamente. Algumas pessoas ficaram sabendo quando eu fiquei doente, mas têm pouca informação sobre isso. Às vezes vou a um restaurante e alguém me oferece um doce, uma fruta... As pessoas não sabem que eu tenho diabetes”, desabafa a cantora.

O diagnóstico é relativamente recente e remonta ao verão de 2009. “Eu estava muito magra, me sentindo linda, usava muitas roupas brancas (risos), estava me sentindo bem. Só que eu tinha muita sede, sentia muito calor, muito cansaço, mas achava ‘tô malhando, tô correndo, é normal’. Fui numa consulta de rotina ao dermatologista, ele me olhou e disse: ‘você está muito magra, vamos fazer um exame de sangue’. Eu estava sempre fazendo exame de fígado, porque tomava remédio para a pele, então achei que não tinha nada. Fiz exame e me ligaram do laboratório informando que minha glicemia tinha dado 340 em jejum. Fiquei no telefone pensando: ‘tô diabética’”, conta, com riqueza de detalhes.

A genética influenciou o caso da cantora, cujo pai era diabético tipo 1, o mais perigoso. “Meu pai ficou diabético adolescente. Eu tinha 47 anos e nunca imaginei que pudesse acontecer comigo. Tinha umas vagas lembranças do meu pai se aplicando insulina com seringa de vidro, uma vez por dia. Ela não usava a canetinha de aplicação, não comia doce, não bebia. Comecei um processo de negação, achando que era temporário, que tinha volta, que era provocado por um pico de estresse. Fiquei me apegando à ideia de que ia passar”, admite.

“O clínico me indicou o endócrino e fui no mesmo dia. Estava em pânico. Demorou, mas configurou logo o tipo 1 e seis meses depois tive crise de tireoide. Meus hormônios todos enlouqueceram, fiquei com hipotireoidismo”, diz. “Também tive muita irritação, um dos sintomas chatos da doença. Quando sua taxa fica alta, você fica irritada com o universo. Quando começo a implicar com quase nada, já penso ‘opa, deixa eu medir minha glicose’”, conta.

Desde então, sua vida mudou. E essa mudança, que não é fácil na rotina de ninguém, é ainda mais complicada na agenda de uma artista acostumada a longas viagens, estadias em hotéis e shows madrugadas adentro. “Comecei um tratamento, a usar a insulina e a me acostumar com a rotina nova. Rotina que, para mim, era complicada, principalmente nas viagens. Passei a ter horários certos para refeições, que era algo incomum no tipo de trabalho que faço. Antes, quando eu entrava em estúdio, por exemplo, tomava café e ia comer nove da noite. Hoje, tenho que parar tudo para comer, tenho essa pauta diária comigo. Isso me restringe um pouco, mas por outro lado sou mais saudável”, detalha a cantora.

E é essa rotina controlada que permite à Paula Toller comer de tudo, inclusive alimentos com açúcar. “Tenho uma alimentação melhor, não deixo de comer nada. Como doce, mas o bolo, que antes era em três fatias, hoje como só um pedaço. Faço contagem de carboidratos e só de olhar sei quanto tem no prato das pessoas (risos). Também não deixei de beber, mas se é uma bebida forte, tomo só uma dose, tipo uísque ou caipirinha. Vinho tinto, sei que baixa minha glicose, depois sobe; branco só baixa. Não posso beber sem comer e, quando erro, minha glicemia baixa de madrugada, acordo com taquicardia. Se como macarrão em casa, peso para não ultrapassar a medida, mas se vocês me convidarem para jantar, óbvio que não vou levar a balança”, brinca. “Posso, por exemplo, tomar 100ml de água de coco, que são cinco goles, que dão 5.5ml de carboidrato. Parece paranoia, mas isso só me ajuda”.

A adaptação, lógico, não foi das mais fáceis. A rotina de exercícios, por exemplo, não é cancelada por nada. “Todos os dias, seja Natal, Ano Novo, aniversário, eu corro. É praticamente uma insulina. Se por algum motivo não posso correr, vou a pé aonde iria de carro. Ainda faço pilates e musculação”, diz.

A agenda de compromissos é pautada nas aplicações diárias de insulina. “Desde que aprendi a me controlar, nunca mais chorei. Onze horas da manhã soa meu alarme, tenho que tomar minha insulina. Monitoro a glicemia bastante: quando acordo, antes do almoço, antes do exercício, antes de jantar, antes de dormir, antes do show. Nunca tive hipoglicemia em show, porque me previno. Começo com a glicose alta, porque vai ser 1h30 de show e sei que baixa. Tenho sempre refrigerante de prontidão no palco, mas nunca passei mal”, ensina.

Nesses casos, o apoio de familiares e amigos é fundamental. “Tenho amigos que me ajudaram muito, fora meu marido que ficou apavorado muito mais que eu. Tenho um amigo, o Dado (Villa-Lobos, do ex-Legião Urbana) que tem diabetes há muitos anos e tem muita experiência, inclusive com truques para tratar da hipoglicemia. Ele diz logo: ‘guarda aquele chocolate suíço para o momento de hipoglicemia’ (risos). Não sei se vou pegar a cura, mas se eu puder ajudar a levar informação, pretendo levantar esta bandeira. É uma doença que se você cuidar pode viver quase como uma pessoa normal”, alerta.

Flexibilidade e rotina mais normal começa a virar realidade

A diabetes é uma doença que surge quando o organismo não produz insulina suficiente ou quando não consegue utilizar eficazmente a insulina que produz. Sem insulina, o organismo não é capaz de ir buscar a energia de que necessita nos alimentos. A doença é mais comum e silenciosa do que se pensa. O comerciante de 57 anos, Anselmo Luiz Lopes dos Santos, por exemplo, convive com a diabetes há 10 anos.

A descoberta veio com sintomas simples - muita sede, muito mal-estar – e um teste de glicemia que apontou 400, quando o normal é o índice de 90. “Nessa fase o paciente passa a excretar glicose pela urina, às vezes tem irritação no pênis e prurido vaginal. Ocupado com o trabalho, Anselmo relaxou e só procurava o médico quando se sentia mal. Ficou oito anos assim até que sentiu necessidade de realmente fazer um tratamento”, explica o médico endocrinologista Antônio Roberto Chacra.

Raimundo Guilherme, aposentado, 68 anos, 16 dos quais com diabetes é outro exemplo. Seu tratamento começou tarde, porque teve um primeiro diagnóstico de câncer de próstata. Só depois se descobriu que sua glicemia estava 250, bem acima do ideal. Há oito anos se trata com insulina, mas já perdeu parte da visão.

O tratamento contra a diabetes é antigo. No dia 14 de novembro, se celebra o aniversário de Frederick Banting, que, juntamente com Charles Best, concebeu a primeira ideia que levou à descoberta da insulina em 1922, data que é lembrada como o Dia Mundial do Diabetes. Em 1941, a insulina foi isolada por pesquisadores da Universidade de Toronto e aplicada em um paciente de apenas 17 anos, portador do tipo 1, que sobreviveu após o tratamento.

“A insulina é a substância que mais vidas salvou na humanidade. As pesquisas começaram em 1922, quando iniciou a produção de insulina a partir da extração do pâncreas de porcos e bois nos Estados Unidos. Mas as pesquisas não pararam mais. Um pesquisador da Escandinávia levou insulina para a Europa, e em 1946 viu que a ação da insulina extraída era muito curta. Ele trabalhava com uma proteína que neutralizava o efeito de um anticoagulante, fazendo a molécula ficar maior e durar mais tempo. Assim, nasceu a primeira insulina de ação mais longa, porém a busca por uma insulina que durasse mis tempo permaneceu. A ciência foi evoluindo e foi se desvendando o mistério de como a molécula consegue guardar a insulina”, ensina o médico e pesquisador Freddy Eliaschewitz.

Em 1950 o zinco foi adicionado à substância, prevendo esse aumento de duração; em 1977 surgiu a insulina de origem humana com ação rápida; e, 2000, veio a de ação lenta. Mas ainda assim as aplicações são desconfortáveis. “Dois terços dos pacientes têm um nível de controle da glicemia que não está satisfatório. Existe certa resistência a usar a insulina”, lamenta o pesquisador.

Em 2010 os pesquisadores chegaram à Tresiba, uma insulina degludeca basal (que controla a produção de açúcar no corpo) de ação lenta, superior a 42 horas, o que pode permitir uma maior flexibilização da aplicação. E esta tecnologia acaba de chegar ao Brasil . “Existe uma luta permanente da medicina em busca de uma insulina que tenha maior duração e menor variabilidade. O mais importante do efeito longo é a estabilidade. Isso prevê que vai ter menos variabilidade da glicemia ao longo do dia”, garante o médico.

E Eliaschewitz prova com números. Pesquisas apontam que 90% dos pacientes com diabetes tipo 1 fazem o controle inadequado, sendo que 67% perdem a hora de uma ou mais doses, ou porque estão muito ocupados, viajando, com problemas emocionais, até com vergonha de injetar em público. Apenas 28% planeja seus horários do dia por conta do horário de aplicação, como Paula Toller. “O efeito mais prolongado dispensa a necessidade manter horário fixo de aplicação. Quanto mais lenta a absorção, mais isso permite que o paciente escolha a hora do dia em que quer tomar, desde que tome todo dia. Assim é mais fácil para cliente e médico ajustarem as doses e isso deve diminuir a resistência ao tratamento”, comemora.

(Diário do Pará)

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