“Belém não é feita pra morar onde Belém está. Belém é um enxerto lusitano plantado num lugar quente pra dedéu, absolutamente de costas pras áreas de escoamento de vento. Historicamente os portugueses não queriam ter contato com o rio, não se sabe o porquê, por uma saudade imensa de onde eles vieram, por um sentimento, talvez, de extrema dor de estar num território longe de onde eles realmente queriam estar. E até hoje a gente não entendeu o que é estar morando aqui. O que seria isso, qual seria essa linha, qual seriam esses caminhos (...) A gente não entendeu como é que a Amazônia funciona. Como é que nós estamos funcionando na Amazônia? Nós estamos rodando no sistema errado, é essa a impressão que eu tenho todos os dias, eu fico atônito em como as pessoas não percebem isso, elas estão dando de cara o tempo todo nisso e, como você diz, estamos aqui um teatro, o palco está lançado, estamos atuando e nós ainda não descobrimos que o roteiro todo tá errado” (sic). As reflexões – desabafos? – do jornalista e músico Lázaro Magalhães que iniciam este texto podem causar espanto e incômodo em muitas pessoas. Para muitas outras, no entanto, a possibilidade de compreendê-las como pontos de partida para discussões e compreensões mais amplas é o que talvez incite a tentar ver outra região, ou outras Belém do Pará.
Tais problemas evidenciados – e evidentes – na capital paraense e as relações com seus moradores são um dos pontos centrais no documentário Fisionomia Belém, que será lançado no primeiro dia do Festival de Audiovisual de Belém, o FAB 2015. A direção do filme é assinada por Relivaldo Pinho e Yasmin Pires. O filme busca mostrar uma "outra Belém": contemporânea, talvez pós-moderna, bem mais "real" e (re)conhecida por sua população, e não somente apresentada através do ufanismo e imediatismo turístico e midiático que, por vezes, a simbolizam.
O documentário começou a ser produzido em 2014, durante as atividades do grupo de pesquisa “Comunicação, Antropologia e Filosofia”, coordenado por Pinho, que é professor e doutor em Antropologia, e contou com a participação de membros das várias áreas do conhecimento. Nas pesquisas, que resultaram ainda em um grande acervo de imagens disponibilizado no site do projeto, teve destaque a observação de ruas, avenidas, espaços, propagandas e linguagens artísticas que singularizam e comunicam tais processos, mas que, por vezes, parecem estar despercebidos ou (ainda?) ignorados por certa preferência em incensar a repetição de determinadas fórmulas e imagens.
Veja o trailer do filme:
“As imagens do projeto, e o próprio filme, procuram representar uma contemporaneidade ignorada por um cotidiano que impossibilita uma reorientação do olhar, incapaz de perceber a cidade sob as várias existências imagéticas e temporais, sobre um espaço que se modifica, que abandona certas vivências e incorpora outras, na qual ruínas e novos edifícios coexistem, uma metrópole veloz, mas, que ainda caminha, repleta de imagens que cintilam e de rostos anônimos”, explica Relivaldo Pinho.
No documentário, além de imagens da cidade, tem relevo as entrevistas com pessoas que comunicam de algum modo, percebem e interpretam as modificações pelas quais passa a cidade. Nesse sentido, sua produção integra cinco entrevistas: com Edyr Augusto, jornalista, radialista, redator publicitário, autor de peças de teatro e livros como Os Éguas (1998), Moscow (2001), Casa de caba (2004), Um sol para cada um (2008), Selva Concreta (2012) e Pssica (2015); Ernani Chaves, pós-doutor em Filosofia e professor na Universidade Federal do Pará; Fernando Segotwick, roteirista e diretor, produtor de filmes como Dias (2000) e Matinta (2012); Eder Oliveira, graduado em Educação Artística – Artes Plásticas pela Universidade Federal do Pará e “pintor por ofício” desde 2004; e Lázaro Magalhães, jornalista e músico, um dos fundadores da banda paraense Cravo Carbono.
Yasmin Pires afirma que “O documentário é importante para que haja uma quebra nessa construção amplamente difundida pela mídia sobre o que é Belém ou a Amazônia. Belém deve ser entendida como um espaço urbano cuja construção é permeada por experiências contemporâneas que transcendem o achatamento de uma realidade representada pelo dançar carimbó, ir ao Ver-o-Peso, tomar açaí etc.”, finaliza.
Os diretores
Relivaldo Pinho é Doutor em Ciências Sociais (Antropologia) pela Universidade Federal do Pará (UFPA). É autor dos livros Antropologia e filosofia: experiência e estética na literatura e no cinema da Amazônia (ed.ufpa, 2015); Mito e modernidade na Trilogia amazônica, de João de Jesus Paes Loureiro (NAEA/UFPA, 2003); Amazônia, cidade e cinema em Um dia qualquer e Ver-o-Peso: ensaio (IAP, 2012), e organizador do livro Cinema na Amazônia: textos sobre exibição, produção e filmes (CNPq, 2004). É autor do capítulo Clifford Geertz (1926-2006), do livro Os antropólogos: clássicos das ciências sociais (Vozes; PUC-RIO, 2015).
Yasmin Pires é formada em Comunicação Social pela Universidade da Amazônia (UNAMA) e graduanda em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Participou das produções dos videoclipes Eu Quero Cerveja, de Félix Robatto, Oswald Canibal, de Henry Burnett, e Redenção, da banda Álibi de Orfeu. A captação de imagens e edição do documentário ficou sob responsabilidade da Fóton Filmes.
O Festival de Audiovisual de Belém 2015
De 29 de outubro a 1º de novembro, o Cinema Olympia sediará a terceira edição do Festival de Audiovisual de Belém, o FAB 2015. Todas as atividades do festival terão entrada gratuita. Nas mostras de vídeos, a censura é 18 anos. Antes do início do festival, nos dias 27 e 28 será realizado o Seminário de Audiovisual de Belém (SAB), na sala Piaget do campus 1 Faculdade Pan Amazônica (Fapan), localizado na rua dos Mundurucus, entre travessa Castelo Branco e José Bonifácio. Confira a programação completa clicando aqui.
Serviço
Lançamento do filme Fisionomia Belém (2015), de Relivaldo Pinho e Yasmin Pires
Quando? 29 de outubro, 19h, durante a abertura do Festival de Audiovisual de Belém 2015
Onde? Cinema Olympia – Avenida Presidente Vargas, 918, Campina, Belém
Entrada Franca
(Enderson Oliveira/DOL)
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