Fotografias se debruçam sobre identidades construídas e reinterpretadas nas imagens postadas pelas pessoas na internet (Foto:  Flavya Mutram/Divulgação)

O corpo distópico através da rede social, pelo olhar do outro. Quem será? A fotógrafa paraense Flavya Mutran propõe-se a refletir sobre o questionamento e produz obras em que o corpo humano tem centralidade, e tece uma posição crítica sobre o status da imagem na sociedade. 

É possível perceber nas séries “Egoshot”, “Bioshot” e “Mapas de Rorschach”, expostas na mostra “Distopias”, na Kamara Kó Galeria, em Belém, esse tom de preocupação.

A exposição é fruto da pesquisa de mestrado “Pretérito Imperfeito de Territórios Móveis” (Fragmentos de autorretratos em redes), defendida por Flavya na linha de pesquisa “Novas Tecnologias e Processos Tradicionais de Fotografia e Imagem”, desenvolvida entre 2009 e 2010, no Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A pesquisa não parou por aí e a mostra apresenta obras feitas até 2016.

“A pesquisa se deu a partir da observação da visualidade dos álbuns de redes sociais e a noção de território que se estabelece a partir de autorrepresentações fotográficas que circulam na web. O interesse pelo olhar de terceiros vem de longa data, embora só neste trabalho eu tenha me dedicado a investigar que tipos de influências, contaminações e desdobramentos esse ‘olhar alheio’ vem causando no meu próprio olhar ao longo da minha trajetória”, explica a fotógrafa.

Para “Egoshot” e “Bioshot”, Flavya Mutran selecionou imagens de ambientes virtuais de forma aleatória, mas que remetiam à maneira que ela mesma gosta de fotografar. A artista utilizou imagens de internautas postadas em álbuns digitais e dispositivos de alteração de fotos, com molduras de rostos. O que mais a instiga hoje são as possibilidades de olhar através desses olhos alheios, de poder fotografar na invisibilidade do seu espaço íntimo, diante de seu próprio computador.

Na série “Egoshot”, ela aborda o fenômeno dos “daily videos” em retratos em P&B de grande formato de rostos hiperexpostos que circulam na web. Já na série “Bioshot”, é com o dispositivo que cria retratos do site yearsbookyourself.com que ela expõe o poder de ficcionar a história que a fotografia tem. A série é composta de 52 autorretratos da fotógrafa em espelhos que misturam sexos, raças e códigos visuais de 1950 aos anos 2000.

“Nas redes sociais, tempos e espaços são misturados e expostos sem reservas. Tudo se mistura ali, passado, presente e futuro em contínua atualização. Fotos de períodos diferentes, a linha do tempo marcada nas fisionomias, as paródias digitais construídas por programas de simulação de imagem, ou os falso-históricos que dão aspectos antigos a fotos atuais. Tudo é uma grande ficção, que na verdade só demonstra que ficção é uma parte indissociável da vida real”, analisa.

Também na exposição, com imagens elaboradas a partir de borrões em paredes, muros, pisos e tetos de Porto Alegre que remetem a lembranças da fotógrafa de pessoas e lugares de Belém, a série “Mapas de Rorschach” reúne livres interpretações visuais inspiradas nas pranchas criadas pelo suíço Hermann Rorschach.

(Dominik Giusti/Diário do Pará)

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