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Enfermeira com problemas psicóticos é morta pela PM no Acre

A enfermeira Géssica Melo, de 32 anos, foi morta ao furar bloqueio e barreira policial na barreira do Acre com a Bolívia. Ela já vinha sofrendo problemas de saúde mental e já havia tido vários episódios de surtos psicóticos

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Imagem ilustrativa da notícia Enfermeira com problemas psicóticos é morta pela PM no Acre camera Enfermeira Géssica Melo, de 32 anos, foi morta em abordagem policial | Reprodução

Um caso está chamando a atenção de autoridades de saúde que tem trabalhado no controle e no tratamento de problemas de saúde mental no Brasil. Uma enfermeira de apenas 32 anos, mãe de família, natural do estado do Acre, foi morta quando furou uma barreira policial e não parou quando foi perseguida pela PM local. A enfermeira Géssica Melo, de 32 anos, sofreu dupla negligência ao ser morta em uma abordagem policial na manhã do sábado (2), em Senador Guiomard, interior do Acre.

Tratada com descaso pela área da saúde, quando não encontrou tratamento adequado durante surtos psicóticos, e negligenciada pelas forças de segurança, ela foi morta com pelo menos um tiro de grosso calibre no tórax, depois de furar um bloqueio policial na rodovia BR-317.

“A conduta da polícia foi no mínimo excessiva”, adiantou ao Metrópoles o promotor do Ministério Público do Acre Vanderlei Batista. Dois PMs estão presos preventivamente.

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Caçula de cinco irmãos, Géssica nasceu na capital Rio Branco (AC), onde vivia, e sonhava em passar no concurso da Polícia Federal. Ela deixou três filhos com idades entre 3 e 11 anos.

Ansiedade e surtos

Géssica veio de uma família com poucos recursos, mas logo se destacou por ser muito estudiosa. Irmã da enfermeira, Vladirene Melo relata que a vítima era uma pessoa ansiosa, mas a situação saiu do controle há cerca de dois anos, quando ela foi reprovada em um concurso e se divorciou.

A jovem entrou em profunda depressão e passou a falar coisas desconexas. Ela começou a fazer um tratamento com remédios psiquiátricos e chegou a ficar internada por cinco dias, mas, após algum tempo, se sentiu melhor e desistiu de seguir com o acompanhamento médico.

Tudo parecia ter se resolvido, mas os surtos voltaram no segundo semestre deste ano. Em uma das ocasiões, parentes amarram as mãos da enfermeira e a levaram para uma igreja evangélica.

“O pastor orou e disse que era um espírito maligno. A Géssica ficou mais transtornada por ter sido levada à igreja, porque ela não queria ir”, conta a irmã Vladirene.

Atendimento negado

Os familiares de Géssica também sofriam muito com a dificuldade de conseguir tratamento de emergência para a jovem. Nos momentos de surto, ela se trancava em casa, quebrava móveis e gritava: “Me deixa em paz!”.

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Em uma dessas ocasiões, Vladirene relata que a irmã teve o atendimento negado por uma equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que chegou a ir ao local e orientou a família a ligar para a polícia. Ao ser acionada, a equipe da PM teria dito que só poderia atuar em casos de agressão.

“Todos viraram as costas. A saúde virou as costas. A polícia, além de virar as costas, ainda matou ela”, lamenta a irmã Vladirene, que agora luta por justiça para provar a inocência da irmã e o erro da abordagem policial.

No dia 11 de novembro, Géssica teve uma piora e agrediu o filho mais velho com uma vassoura e o do meio com tapas, um comportamento incomum mesmo para os momentos de crise. Ela e as crianças foram levadas para a delegacia. A Polícia Civil pediu uma medida protetiva e o afastamento das crianças da mãe.

Surto no país?

Médico psiquiatra e com doutorado em transtornos mentais graves, Leonardo Sodré disse ao portal Metrópoles que o país vive um cenário muito ruim no atendimento psiquiátrico para pacientes crônicos, que fazem o chamado “tratamento de manutenção”. A situação é ainda pior para os que precisam de atendimento de emergência.

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“Em uma realidade em que os próprios pacientes em tratamento de manutenção não encontram remédios, instituições e profissionais para o atendimento deles, quiçá vão conseguir atendimento de emergência, em que, além da necessidade do especialista que sabe identificar e medicar corretamente, é necessário um treinamento”, avalia Sodré.

Segundo o psiquiatra, em casos de pacientes com surtos, seria necessário atendimento especializado e com auxílio de forças de segurança, que também não são treinadas para esse tipo de situação.

“Acaba que fica um empurrando para o outro, não é incomum esse tipo de relato, de que há uma omissão dos órgãos necessários para o tratamento desses pacientes”, pontuou.

Morte na fronteira

Na manhã do dia 2 de dezembro, Géssica foi a uma academia de ginástica e saiu de casa como se tudo estivesse normal. No entanto, ela deixou Rio Branco (AC) de carro e seguiu dirigindo no sentido da fronteira com a Bolívia. Quando passava por um posto policial em Senador Guiomard (AC), acabou abordada por um PM que a conhecia. Ele logo percebeu que a enfermeira não estava bem psicologicamente, mas quando foi questioná-la, ela partiu em direção à fronteira.

As características da motorista e do carro foram compartilhadas com a polícia da próxima cidade, Capixaba (AC), para tentar pará-la, conforme boletim de atendimento ao qual a reportagem teve acesso.

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No entanto, uma equipe do Grupo Especial de Fronteira (Gefron) ficou sabendo da situação e começou a fazer o acompanhamento do veículo, um Peugeot cinza.

Géssia começou a apresentar problemas após o divórcio e ser reprovada em um concurso público
📷 Géssia começou a apresentar problemas após o divórcio e ser reprovada em um concurso público |Reprodução

Géssica foi até Capixaba, ignorando sirenes e giroflex da viatura policial, e fez o retorno para voltar até Senador Guiomard. Antes de chegar ao posto policial, o carro foi alvejado com vários tiros. Ela acabou baleada e saiu da pista. Os policiais falam de cinco disparos. A família diz que contou pelo menos 10 marcas na lataria.

Mudança do local da morte

A enfermeira foi retirada do carro pela equipe policial com a justificativa de tentar salvá-la. Uma equipe do Samu começou o atendimento no meio do caminho, quando cruzou com a viatura que levava a vítima.

Os policiais chamaram os socorristas dizendo que se tratava de um acidente de trânsito, mas logo a equipe médica percebeu que a jovem tinha pelo menos uma marca de tiro no tórax. Ela já chegou morta ao hospital.

A equipe do Gefron diz que Géssica estava armada com uma pistola 9 mm e que teria feito manobras perigosas. Já o promotor do Ministério Público que investiga o caso questiona essa versão.

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“Há uma suspeita de fraude processual, que é quando alguém tenta modificar o rumo das investigações. Há suspeita de que essa arma foi ‘plantada’ pelos policiais que efetuaram os disparos, na tentativa de justificar os disparos efetuados. São suspeitas iniciais que as investigações vão confirmar ou afastar”, frisou o promotor Vanderlei Batista.

Além disso, ele adiantou que imagens de câmeras de monitoramento analisadas até agora não mostram a enfermeira realizando manobras perigosas, como relatado pelos policiais.

“Minha irmã não gostava de armas, ela era contra armas. Plantaram essa arma. Por que não atiraram no pneu do carro dela? Tinha que tirar a vida dela? A gente só quer justiça. Ela não era bandido e foi tratada como se fosse um”, lamentou a irmã de Géssica.

A reportagem tenta contato com os dois policiais militares presos por matar Géssica. Eles foram detidos em flagrante pela própria corregedoria da PM, e a prisão foi convertida em preventiva pelo Judiciário. O espaço segue aberto. (Thalys Alcântara, do Metrópoles)

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