No sábado (04), eu fui confrontado sobre entretenimento de maneiras muito distintas. Enquanto um amigo, de forma até envergonhada, me falava sobre ter tirado grana de umas economias para comprar um game e enfrentar esses dias de isolamento, fazedores de cultura questionavam as lives com superprodução de grandes artistas, que estavam demandando grandes equipes aglomeradas para a transmissão.

A live do Jorge e Mateus ontem rendeu mais de 3 milhões de espectadores, a maior do mundo até então superando, pasmem, Beyoncé! Muitas propagandas, uma mobilização enorme nas redes sociais e um espetáculo produzido na garagem. Foi legal acompanhar, tenho memórias afetivas com algumas músicas, apesar de sertanejo ser um dos gêneros de menor consumo pra mim.

Produção cultural demanda gente, técnica, aparato. Fazer um espetáculo em tempos de isolamento exige também.

Sabemos que não só os profissionais da saúde estão na linha de frente esses tempos. Categorias bem menos valorizadas estão se expondo, oferecendo riscos a si e suas famílias para levar serviços essenciais. Trabalhadores de supermercados, garis, bancários, jornalistas estão diariamente em contato com outras pessoas. Até que ponto nós, trabalhadores da cultura, estamos renegando o papel de protagonistas destes tempos?

Pelas imagens que eu vi, a equipe da dupla estava respeitando os cuidados básicos de higienização, muito mais do que eu tenho visto nos supermercados ou mesmo nos veículos de comunicação. Pelo tamanho do público, ainda assim uma equipe enxuta, como precisa ser tudo agora e, eu espero, bem remunerada por isso, o que é obviamente importante. No fim, tudo deu tudo muito certo com o espetáculo.

Mais do que nunca, filmes e séries são importantes, mas é preciso criar mecanismos para deixar as pessoas em casa. É aí que a cultura encontra a saúde pública, mas as pequenas lives do Instagram já não são suficientes na sociedade que ainda é do espetáculo. Oferecer conteúdo de entretenimento com qualidade técnica agora se torna fundamental, e para isso os profissionais vão precisar ir para a linha de frente. E eu os saúdo por isso.

Os grandes artistas precisarão assumir isso agora, a espetacularidade. As pequenas produções terão que ser melhoradas também. Isso vai exigir pessoas trabalhando juntas. É item de primeira necessidade, é a parte que nos cabe no enfrentamento desta pandemia. É importante a atenção dos setores também, público e privado.

Ah, sobre o game do meu amigo, em outros tempos eu o chamaria de irresponsável, onde já se viu gastar economias em algo tão supérfluo, ainda mais nesses tempos de crise. Mas, quer saber? Todo gasto com bem-estar e entretenimento precisa ser exaltado pra gente não enlouquecer mais ainda - quem puder, óbvio - porque tem muito isolamento ainda pela frente.

Fiquem fortes.

Texto gentilmente cedido por Leandro Oliveira, que é jornalista e ator-produtor na A Liga do Teatro.

Foto: Reprodução

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