A coluna de Priscila Zoghbi desta quinta-feira (19), publicada no Caderno Você do DIÁRIO DO PARÁ, fala sobre o Afeganistão. Confira:
Apesar dos vários indícios já existentes, fomos surpreendidos essa semana com a retirada das tropas americanas do Afeganistão e, em sequência, com a tomada do poder pelo Talibã. Importante advertir que não me arriscaria, de forma alguma, a analisar politicamente as notícias veiculadas. O objetivo é sugerir leituras para quem quer conhecer um pouco mais da cultura e situação política do Afeganistão por meio de obras literárias.
Um dos romances mais famosos quando se fala do Afeganistão é, sem dúvidas, “O Caçador de Pipas”, de Khaled Hosseini. Publicado em meados de 2003 pela Companhia das Letras e adaptado para o cinema em 2007, narra a história de dois meninos, Amir e Hassan, a qual se passa no Afeganistão em 1970. Impossível lê-lo sem se emocionar. O plano de fundo é extremamente rico e traça uma breve linha histórica da situação política do país: desde o fim da monarquia, a invasão pela então União Soviética e a subida ao poder do Talibã com a implementação de um regime militar.
No entanto, a obra que mais me chamou atenção sobre a estrutura social afegã foi o “As Meninas Ocultas de Cabul”, escrito pela jornalista Jenny Nordberg e também publicado pela Companhia das Letras. O livro em questão nos traz um recorte mais específico da situação do país: o modo como o sistema patriarcal afeta a vida das mulheres afegãs.
A autora aponta a existência das chamadas “bacha posh”, ou, na tradução literal “vestido como um menino”. Trata-se de uma realidade pouco comentada, em que famílias que não possuem filhos homens selecionam uma entre as filhas mulheres para se vestir e se portar como um menino. São vários os fatores que levam a essa prática: inicialmente devemos apontar que a bacha posh pode realizar os serviços obrigatoriamente masculinos como, por exemplo, escoltar as irmãs na rua e, algumas vezes, até trabalhar.
Além da possibilidade de realizar esses afazeres, reduz-se significativamente a pressão social na família para que essa possua um herdeiro homem. Por fim, há ainda a crença de que a prática desse costume ensejaria que em uma próxima gravidez a mulher venha a gestar um menino. Porém, a bacha posh não “se torna” menino para sempre. Ao entrar na puberdade, ela “retornaria” ao seu posto de mulher. O livro adverte que tal prática possui raízes mais antigas do que o próprio islamismo no Afeganistão.
Não é segredo que o Talibã, durante seu período no poder, promoveu uma série de atrocidades contra as mulheres com limitações e até a retirada de seus direitos fundamentais, com o emblema de cumprir a Sharia, também conhecida como a lei islâmica.
É extremamente fácil que em situações políticas tão complexas como a que ocorre no Afeganistão, surjam “discursos prontos”, sem devido aprofundamento e cuidado, com inclinações xenofóbicas e islamofóbicas.
Não se trata aqui, como disse ao início, de uma análise política do conflito, mas é fundamental ressaltar sua complexidade e importância, principalmente no que tange ao universo feminino. O regime patriarcal exerce seu poder de várias maneiras, como por meio da proibição e limitação da mulher em espaços públicos e em expressar seus ideais. Não é exagero, portanto, em se dizer que todo cuidado é pouco quando se fala da preservação dos direitos reconhecidos (com muito sofrimento) das mulheres.
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