Há uma curiosidade natural do belenense sobre o passado preservado ou, mais comumente, deteriorando-se entre as paredes de prédios e casas históricas da cidade. E mais do que apenas visitar, muitos querem poder interagir, ocupar, reviver nesses espaços, um privilégio que começou a ser possível acompanhado de algo bastante brasileiro: o amor pelo café. Três novos lugares da capital tem destacado-se por isso - o Café do Canto, que ocupa uma das varandas do Edifício Manoel Pinto; o Antonieta Café, em um casarão na José Malcher, e o Gramophone Café, que acaba de abrir no casarão onde um dia funcionou a loja de vinis Gramophone Discos.
Responsáveis pelo empreendimento, Fred Fadel e Mayra Gato se dizem surpresos com a nostalgia das pessoas, quando anunciaram a abertura do café no mesmo prédio que a saudosa loja, mantendo o antigo nome. “Essa memória afetiva é real, algumas pessoas passam aqui e ficam curiosas, eu comprava disco aqui de 1988 a 1991, mas não tinha ideia do que era isso, a galera alucinada, a nossa rede social perdeu o controle, foram mais de dois mil seguidores em dois dias. É uma cafeteria, mas essa ligação é maravilhosa e vai estar presente, usamos o mesmo nome para fazer esse resgate afetivo e criar uma nova tradição desse espaço em Belém”, diz Fred.
Localizado ao lado do Parque da Residência, o prédio foi completamente reformado por dentro, tendo agora uma estrutura moderna, com a pegada de um pub inglês. “Moramos na Inglaterra, então somos apaixonados por pubs, suas cores fortes, a arquitetura neoclássica. Vai ter festa anos 1980, vinil e canecas exclusivas para vender. E começamos esse negócio especialmente pelos cafés”, adianta Fred. Representante de fornecedores de cafés exclusivos do sul de Minas, o empresário vai trabalhar com cinco tipos de grãos especiais. E Mayra ainda casa isso com um cardápio feito por ela.
No horário do almoço, o espaço terá pratos funcionais saudáveis, como brownie sem açúcar refinado nem trigo, além de outras sobremesas tradicionais, como bolos e macarons feitos com farinha de castanha-do-Pará, trazendo um toque regional. “A nossa expectativa [para essa abertura do Café] é das melhores possíveis, ganhamos muitos seguidores, pessoas que acharam a ideia fantástica de construir um café dentro de onde era a Gramophone. Acabamos unindo aqui a paixão pelo café, gastronomia e música”, diz Mayra.
UM CANTO PARA APROVEITAR
O mesmo encantamento vive quem passou a frequentar a varanda do 1º andar do Edifício Manoel Pinto da Silva. “A história do Canto gira em torno do edifício mesmo. Eu morei em Portugal e Paris e era hábito ir estudar e trabalhar em cafés, passava muito tempo da minha vida assim, era algo muito social de lá. Uma vez voltei ao Brasil de férias, meu pai tinha comprado o imóvel no Manoel Pinto para fazer a empresa dele e quando vi aquele lugar, a varanda, era época do Círio, isso impactou muito a minha vida, e decidi voltar, pensei que Belém precisava de um lugar como aquele aberto ao público”, conta Isabela Canto.
Para Isabela Canto, abrir um café no Manoel Pinto era também a oportunidade de ressignificar aquele prédio histórico. “As pessoas diziam ‘nossa, nem parece Belém’. O que é absurdo porque ali é a cara de Belém. Tem o raio-que-o-parta, mantivemos muito do original, e está em uma das esquinas mais icônicas da cidade, a Presidente Vargas com a Avenida Nazaré”.
Por lá, a proposta também é trabalhar com cafés especiais, pontuados acima de 80 na escala internacional. “É um café muito selecionado, com notas sensoriais diferentes, processos de torra específicos. É importante que a gente valorize os cafés brasileiros, que são incríveis e muito valorizados fora do país”, ressalta Isabela. O espaço também está sempre realizando programações culturais, sendo a deste mês o “Coral”, que envolve três cursos em formato híbrido, concertos, um mercado de moda autoral e rodas de conversa regadas a muito café, tudo em parceria com o Programa de Pós-Graduação Criatividade e Inovação em Metodologias de Ensino Superior da UFPA.
Aberto um pouco antes da pandemia, Isabela diz que ainda sente como se fosse o início do Café. “Ainda vejo muita coisa para o futuro”. Ela também celebra hoje integrar uma comunidade e seu entorno. “Se você entrar no Manoel Pinto às seis da tarde, as pessoas põem a cadeira para fora de casa e ficam conversando, e é um prédio no centro da cidade! Comecei o Canto com essa ideia de ser um lugar agradável para as pessoas estarem e hoje o vejo como parte da comunidade e do bairro. Ali tem o Olympia, a Praça da República, a feirinha de domingo, o Theatro da Paz revitalizado, a Casa da Linguagem… Sinto que é um privilégio que eu tenho, de viver uma Belém tão arborizada, tão cheia de cultura”.
ANTONIETA
Mais do que abrir um ambiente cheio de histórias ao público, o Café Antonieta tem levado muitas delas para dentro do seu casarão. “Ele estava disponível e quando a gente conseguiu alugar, a ideia era fazer em um casarão para valorização do patrimônio, tanto que a gente tem o projeto Café com História, uma programação em que a gente escolhe um prédio histórico da cidade, faz um café e senta para contar sobre ele, depois sai do casarão e vai até o local em caminhada”, explica a proprietária, Laiana Santos.
O público tem se tornado cada dia mais ávido pela programação e ambiente do café - que não deixa de se destacar também pelo cardápio. “Eles gostam de ver o casarão preservado, o piso de acapu maravilhoso é original da casa, grandes janelas e portas. A gente não tem climatização para não ter que fechar tudo, poder ter essa ventilação natural, ver a chuva caindo”, comenta Laiana sobre o espaço, aberto em julho de 2020. “A gente tem algumas limitações, porque não pode mexer no prédio, mas ele remete a um tempo que a gente não viveu e isso faz as pessoas gostarem de vir aqui”, acrescenta.
Ela também ressalta como as pessoas quase não têm acesso interno aos casarões da cidade e têm curiosidade em saber como eram os quartos, as salas, como funcionavam no ambiente interno. “Principalmente na José Malcher, são poucos os casarões a que você tem acesso. E você vê muito a preservação de fachada, mas tudo alterado por dentro ou mesmo abandonado. A gente começou o ‘Café com História’ focado no turismo, mas descobriu que a população de Belém é sedenta disso. Hoje a gente leva de 5 a 6 horas para fechar um programa e são majoritariamente com pessoas de Belém”.
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