Em 9 de julho de 1917, o operário e anarquista espanhol José Martinez foi morto pela polícia de São Paulo, enquanto protestava na porta da fábrica Mariangela, no Brás, contra as precárias condições de trabalho e a carestia dos alimentos. Sua morte deflagrou umas das maiores greves no país.

Para baixar a carestia dos alimentos, os operários reivindicavam mais feiras livres nas ruas e bairros de São Paulo. Para eles, eram os locais mais apropriados para se comprar alimentos a preços mais acessíveis. Com o acordo entre o governo e os grevistas, São Paulo aumentou o número de feiras livres, e já havia sido uma das primeiras cidades do país a tê-las, inclusive, regulamentando-as em 27 de novembro de 1909.

Livro mostra rotina em feiras livres durante pandemia
📷 |Dani Tranchesi

A fotógrafa Dani Tranchesi sempre teve interesse por registrar os mercados e feiras livres em suas incursões internacionais e pelo Brasil. Fascinada pela diversidade de pessoas, coisas, comidas e pelo movimento caótico e frenético das feiras, ela não parou mais de fotografar esses locais.

Depois do projeto do livro e exposição Lindo Sonho Delirante – fotografias do centro de São Paulo, Ilha de Marajó e Belém, no Pará, que Dani Tranchesi desenvolveu com a curadoria de Diógenes Moura –, seus planos eram viajar pelo país e realizar sua segunda parceria com Moura, mas a pandemia de Covid-19 inviabilizou o projeto.

Livro mostra rotina em feiras livres durante pandemia
📷 |Dani Tranchesi

Como as feiras livres eram uns dos poucos lugares que não pararam de funcionar naquele momento, aliado ao fascínio que a fotógrafa nutria pelo tema, o projeto do livro 3 é 5 naturalmente se impôs para ela. “A feira livre vem desse registro de garra, de migrantes do Brasil inteiro que chegam para trabalhar em São Paulo. Elas têm essa atmosfera alegre, apesar das dificuldades do ofício e da pandemia da Covid-19”, conta Dani Tranchesi.

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Em 95 imagens, 3 é 5 não somente documenta a montagem e desmontagem de uma feira livre (Dani e uma pequena equipe registraram quatro feiras em São Paulo durante o ano de 2020), seus personagens, feirantes e fregueses, e a movimentação frenética e caótica. Mas, sobretudo, revela o seu espetáculo lúdico e evidencia seus trabalhadores (os feirantes), dando-lhes nome e sobrenome.

📷 |Dani Tranchesi

Mesmo sem adotar uma cronologia do montar e desmontar das feiras, o livro pode ser dividido em três partes, começando com a feira ainda de madrugada, sem a presença frenética dos fregueses, com imagens no dia amanhecendo e alguns poucos transeuntes; na segunda parte os feirantes se tornam protagonistas num estúdio improvisado em alguns pontos da feira, numa clara homenagem aos populares “lambe-lambe”; e a terceira e última parte, traz um material extra do livro, com registros dos fotogramas do curta-metragem de Pedro Castelo Branco, com algumas imagens em preto e branco que mostram de maneira documental as feiras com os fregueses caminhando no meio das barracas em planos mais abertos, usando máscaras e mostrando estarmos vivendo uma crise sanitária por causa da pandemia da Covid-19.

📷 |Dani Tranchesi

Para Diógenes Moura, curador de projeto 3 é 5, o livro mostra que “a feira é um lugar de resistência e consegue se manter diante de um mundo onde tudo se tornou online. 

Tem um potente apelo visual, mudanças constantes de luz, personagens muito particulares, várias histórias, muitos detalhes, também alguns mistérios e segredos. Para a palavra e para a imagem, que é o universo ao qual me dedico como escritor e curador, a feira é um mundo muito próximo ao de uma ópera”.

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O livro 3 é 5 vem acompanhado de dois QR Codes que dão acesso aos textos do curador Diógenes Moura, divididos em cinco partes: A Ópera, Os Olhos, O Beijo, O Plural e Os Nomes, além de um curta-metragem homônimo, realizado pelo cineasta Pedro Castelo Branco, que acertadamente foge de um mero making off de bastidores e se revela uma obra complementar e distinta do livro. Com seu preto e branco, e uma trilha sonora orgânica, que vai de um compositor clássico como Johannes Brahms ao Quinteto Armorial, e usando o Cinema Direto como linha narrativa, o filme expõe o ofício de um feirante em meio a pandemiada Covid-19, mas não deixa de fabular sobre os personagens com o humor ao mostrá-los abordando os fregueses com suas falas peculiares. “Minha intenção, desde o começo, foi de captar a atmosfera da feira, fazendo com que o espectador se sinta parte daquele espaço caótico e cativante”, explica o diretor. 

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