A escritora e artista visual paraense Danielle Fonseca nasceu e mora até hoje em uma casa de arquitetura Raio-que-o-parta, no bairro do Umarizal. Por isso fez todo sentido o convite para participar da exposição “Raio-que-o-parta: Ficções do Moderno no Brasil”, que abre na próxima quinta-feira, 10, em São Paulo, no Sesc 24 de Maio, integrando o projeto “Diversos 22” do Sesc São Paulo, que celebra o centenário da Semana de Arte Moderna e o bicentenário da Independência. A exposição ficará aberta até 7 de agosto deste ano e reflete criticamente sobre as diversas narrativas de construção e projeção de um Brasil.
Danielle explica que leva para a exposição o filme “Um céu partido ao meio”, uma homenagem às casas Raio-que-o-parta, em que entrevista moradores dessas residências. A direção foi à distância e contou com a participação da cantora Cida Moreira, que leu o poema final do filme. “Ele é documental, poético e artístico, contando a história das casas. São 16 minutos, um curta, que mostra algumas casas que ainda restam nesse estilo que é muito nosso”, detalha Danielle.
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Ela conta que durante as gravações descobriu três casas que, além de serem Raio-que-o-parta, têm relação com a cultura africana. “Fiquei encantada em saber que alguns azulejos têm a relação religiosa. Daí aproveito para agregar essa questão também. No geral, o filme tem um pouco de teatro, música e fiz analogia brincando que os raios, apesar de serem em fachadas de casas simples, tenho orgulho de estar aqui em uma delas”, acrescenta a artista.
Ao todo, 600 obras de 200 artistas vão compor a exposição. “É mais que uma celebração, é uma reflexão sobre a noção de arte moderna no Brasil. Por isso é importante ter artistas do país inteiro, tanto que do século 19 até meados do século 20. No caso de Danielle Fonseca, tem um dado peculiar. Ela é a única artista que não é dessa geração modernista e a artista mais jovem da exposição, que tem um lugar muito importante na exposição que é refletir o chamado Raio-que-o-parta, estilo de arquitetura muito encontrado em Belém, onde ela vive, que é o nome da exposição. E ela tem um lugar interessante por ser cineasta, escritora, pesquisadora, alguém que amarra a narrativa do Raio-que-o-parta no Pará e a partir daí consegue estabelecer conexões com a umbanda, orixás, história da arquitetura”, afirma Raphael Fonseca, um dos curadores da mostra.
Paraenses
Ao lado de Danielle, há trabalhos de outros paraenses como Theodoro Braga, Manoel Pastana, Maria Hirsch Braga, Mestra Alexandra, Carlos Azevedo, Antonieta Feio, Iris Pereira, José Orlando Gomes, Ismael Nery, Mestre Cardoso, Mestre Cabeludo e outros. “O José Orlando está vivo, é um senhor que está na exposição com uma série de fotos de uma casa que ele reformou e quando criou mais um andar, fez a decoração Raio-que-o-parta. Ele e Danielle são os únicos artistas vivos na exposição”, comenta o curador.
Peças do acervo do Museu do Círio e do Museu do Estado do Pará (MEP) foram emprestadas para a exposição. Uma delas é um dos mantos mais antigos feitos para a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, o único ainda existente produzido por Mestra Alexandra, que segundo o diretor do Museu do Círio, Anselmo Paes, confeccionou mantos para a Imagem entre 1925 e 1973.
“A peça não é necessariamente um objeto modernista, mas traz uma série de características que nos mostram a cultura popular brasileira, que foi objeto de muita discussão quando se fala de modernidade, a questão da identidade regional. Acredito que a escolha pelos curadores desse objeto remete muito a essa questão da marca identitária da religiosidade popular, que sempre foi muito valorizada em obras artísticas, tomada como símbolo dessa nacionalidade que estava se formando e abandonando outros símbolos do passado colonial”, destaca Anselmo Paes.
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Do Museu do Estado do Pará foram enviadas lâminas do artista de Castanhal Manoel Oliveira Pastana (1888-1984), entre elas “Terrina Marajoara Motivo: Jaboty da Matta” (1928); “Móveis Motivo: jaboty da matta” (1930); “Bandeja Motivo: Caranguejo e cofo” e “Aparelho p/ Café, leite e chá tucano e assahy” (1931).
Raio-que-o-parta é inspiração para projeto de moda
O coletivo de criação Perplexitys, formado pelos artistas Andréia Rezende, Jomaique Melo, Theus Iconic e Rodrigo Oliveira, é autor do projeto “Quem Tem Medo do Raio Que O Parta?”, contemplado pela Lei Aldir Blanc, e lançado este ano. A proposta é revelar o movimento arquitetônico e inseri-lo em algumas linguagens, envolvendo ainda lendas amazônicas e utilizando a moda consciente nesse processo.
Segundo Andreia Rezende, a ideia do projeto é mostrar uma coleção de moda que fale dessas duas paixões dos artistas envolvidos: lendas e Raio-que-o-parta. “Foi então que nos juntamos e nasceu o grupo exatamente visando os editais, como Aldir Blanc, já que todos nós também estávamos desempregados”, comenta Andreia, atriz e designer de moda.
Serão cinco looks feitos com recipientes plásticos que farão parte do desfile marcado para ocorrer em março, dentro de uma programação da UFPA. Os materiais ganharão desenhos que trazem à memória o estilo arquitetônico e ainda das lendas amazônicas. “Vamos mostrar uma moda consciente a partir de produtos considerados lixo e iremos transformá-los em um novo produto. Com esse material e conceito, também contaremos as lendas, da forma que a gente enxerga e a gente quer criar um monstro do raio que está triste porque está sendo esquecido. Daí o ‘Quem tem medo do raio que o parta’, um resgate nesse look conceitual”, acrescenta.
Como parte do projeto, foram apresentadas duas lives sobre o processo de criação e de pesquisa do trabalho com resíduo plástico, as lendas e ainda a respeito da história do movimento Raio-que-o-parta. Os conteúdos não estão mais disponíveis, mas vídeos produzidos sobre os assuntos podem ser acessados na página do projeto no Instagram.
Para entender
De onde vem o Raio-que-o-parta?
Pesquisador do modernismo e suas nuances no Pará, o arquiteto Gabriel Gaby explica que “o Raio-que-o-parta nada mais é do que uma apropriação popular da estética da arquitetura moderna no Pará que, na época, era mais voltada para grandes residências, clubes sociais ou prédios públicos”.
As origens dos mosaicos feitos com azulejos quebrados, formando desenhos de raios – de onde vem o nome com que essas construções ficaram conhecidas – têm mais de uma versão. “A mais conhecida é a de que os azulejos avariados eram muito mais baratos de serem adquiridos nas lojas de construção na época. Apesar disso, existem relatos de proprietários de casas que quebravam os próprios azulejos conseguidos em entulho de obras para formar os painéis Raio-que-o- parta”, detalha Gabriel.
“Existe também a hipótese de que o movimento tenha sido influenciado pelos murais criados pelo artista plástico Ruy Meira, que incorporava o mosaico em seus projetos, como uma de suas residências na travessa Benjamin Constant, hoje sede de um banco”, comenta o arquiteto.
Saiba mais
Coletivo Perplexitys - Projeto “Quem tem medo do Raio-que-o-Parta?”
Instagram @perplexitys
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