Josephina Conte nasceu em 19 de abril de 1915, mas ainda hoje faz parte do imaginário popular da capital paraense, sob a alcunha de “Moça do Táxi”. E apesar de receber visitas em seu túmulo desde a década de 1940, sua história só ganhou registro em 1972, no livro “Visagens e Assombrações de Belém”, de Walcyr Monteiro, que escutou diversas versões da lenda (incluindo algumas mudanças de trajeto) que, em resumo, quase todo belenense conhece: uma moça que pega um táxi e depois pede que o motorista cobre a corrida do pai dela. Ao chegar lá, ele descobre que a moça já morreu.
E o dia de hoje é especial, pois segundo os relatos, é na data do seu aniversário que a jovem pede ao taxista que faça um “tour” pela cidade. “Se ela sai todo ano, ela deve sair [hoje], né? Então, eu espero que ela não pegue o meu táxi (risos)”, brinca Marcos Nazareno Monteiro, 59 anos. Ele conta que a lenda já não costuma circular tanto entre os taxistas, mas permanece.
“As pessoas comentavam, principalmente, quando eu comecei a rodar, 28 anos atrás. Eu sempre achei que era uma lenda mesmo, feita para dar um gostinho a mais na história do taxista (risos)”.
De acordo com o livro de Walcyr Monteiro, a lenda teve início quando um taxista bateu à porta da família de Josephina para cobrar uma corrida. Ele explicou que no dia anterior havia apanhado uma moça em frente ao cemitério e a levou até a Basílica. Ela rezou, pediu para deixá-la novamente no cemitério e cobrar a corrida na casa da família, que chegou a pensar que uma das irmãs dela havia feito o trajeto. Olhando para dentro da casa, o motorista reconheceu o retrato de Josephina e só então soube que ela havia morrido de tuberculose, cerca de cinco anos antes, em 1931, aos 16 anos.
“Eu penso que os mortos não fazem mal para ninguém, os vivos é que dão medo. Nos meus 28 anos de praça, o que ouço é história de quem pegou passageiro esperto, que coloca sacola na mala, diz que vai pegar dinheiro e não volta. Quando a gente olha na sacola, é só papel”, diz Marcos. Lembrando a ele que a Moça do Táxi também não paga a corrida e manda cobrar depois, o taxista diz que para Josephina vale a mesma regra que para os vivos: “A gente vai cobrar lá na casa dela! (risos)”.
SEM APP
Quando a história de Josephina surgiu, não existia táxi, palavra que só passou a ser usada depois da década de 1960. Os carros disponíveis para aluguel de uma corrida eram chamados “carros de praça” e o motorista era chofer. Logo Josephina teve sua alcunha atualizada para Moça do Táxi e muito já se brincou sobre um possível interesse dela em optar agora pela facilidade dos motoristas de aplicativo, quem sabe tornando-se a “Moça do Uber”? Mas parece que a dificuldade de acesso a um celular ou mesmo a nostalgia de uma jovem da década de 1920 tem mantido sua rotina dos acenos na rua e não nos cliques de celular.
“Ainda tem muito motorista que vem atrás [do túmulo] dela. Não tem Uber não, ela ainda é fiel aos taxistas (risos). Dizem que ela pegava o táxi aqui atrás do cemitério; e a família dela até se mudou”, conta o zelador Lucivaldo Martins, que trabalha no Cemitério Santa Isabel desde os 13 anos de idade e hoje, aos 44, tem admiração por Josephina. Ele acrescenta que muitas pessoas procuram pelo túmulo para fazer pedidos e agradecer graças alcançadas, já que ela se tornou uma santa popular. “Não faz muito tempo, uma senhora ganhou uma causa na Justiça que ela tentava há muitos anos e veio acender duas caixas de velas para ela. É uma pessoa que faz muito milagre”, conta.
História enigmática de um retrato
Quem visita o túmulo, ainda se depara com o que seria a prova de outro fato intrigante sobre Josephina. O pai da moça enviou uma foto para a Itália, para ser incrustada no mármore de sua lápide. Quando o mármore chegou ao Brasil, havia na blusa dela um broche de um carro, que na foto original não existia. A fotógrafa paraense Walda Marques conta que foi inspirada nessa parte da história que criou a fotonovela “Josefina, a moça do táxi”, em 2016, obra feita por encomenda para o Clube de Colecionadores do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), tendo a atriz Paola Pinheiro como intérprete de Josephina nas fotos.
“Desse enfeite na foto nasce a lenda; e quando o taxista vai na casa da família cobrar a corrida, ele olha um retrato dela e a reconhece. Então, a lenda toda da Moça do Táxi é contada através da fotografia, e essa foi a minha base [para criar a fotonovela]”, explica Walda.
No romance em fotos, que depois serviu de inspiração para o curta-metragem “Josephina”, da cineasta paraense Ziene Castro, a personagem ganha uma história de amor de janela por um jovem taxista, que precisa partir e só retorna anos depois, passando a perambular na madrugada pelas ruas de Belém, à procura do grande amor da sua vida.
“Como meu pai foi motorista de táxi, eu tenho um apreço pela história. O ator que faz o par romântico dela [na fotonovela], já mais velho, na década de 1960, é o meu tio, Orlando Marques, que também foi motorista de táxi. É uma história minha que criei para a Josephina. Fiz esse trabalho com um grande respeito à memória dela, fazendo com que ficasse bem legal para a gente se apaixonar também. É uma questão de memória, de infância [no caso de Walda], afinal, quem não ouviu falar da Josephina, a Moça do Táxi?”, diz a fotógrafa.
Zienhe Castro diz que foi exatamente esse viés romântico que a atraiu para recontar a história a partir da fotonovela de Walda. “Eu amo esse trabalho. Sou muito fã da história da Josephina e também do trabalho da Walda Marques. Muitos outros artistas trabalham a história com a abordagem do fantasmagórico. Eu me encantei com a fotonovela para fazer a adaptação para o curta porque trazia para a narrativa a Josephina como protagonista da história de seu primeiro e único amor”.
Orlando Borges, 58, que está na praça há seis anos, garante que a história segue viva entre os colegas. “Pessoas que sabem que somos taxistas tiram até brincadeira. Até quem é jovem, quem é mais recente na profissão, porque vai passando de geração para geração. Esse mundo é cheio de mistério, ninguém sabe dizer a verdade. Antigamente, a cidade era meio escura, cheia de contos, e vai passando. Se realmente acontece, [hoje] com certeza ela sai. Mas ela não vai avisar que é a Moça do Táxi, né? (risos). Pela lenda, ela não faz mal a ninguém, então a gente leva. E não é só ela que não paga a corrida não, é muita gente! (risos)”, brinca o taxista.
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