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REAVIVAMENTO

Cortejo reforça fé, memória e identidade na Marujada de Quatipuru

Procissão integra calendário oficial da festividade e reforça tradição mantida há 188 anos no nordeste do Pará

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Imagem ilustrativa da notícia Cortejo reforça fé, memória e identidade na Marujada de Quatipuru camera Procissão integra calendário oficial da festividade e reforça tradição mantida há 188 anos no nordeste do Pará | Emerson Coe

O reavivamento da devoção a São Benedito voltou a ocupar as ruas de Quatipuru, no nordeste do Pará, com a realização de um cortejo religioso que passou a integrar oficialmente o calendário da Marujada, tradição mantida há 188 anos no município. A procissão saiu da Capela de São Benedito e seguiu até a Igreja de Nossa Senhora de Nazaré, na orla da cidade, reunindo marujos, marujas, capitães, capitoas, fiéis e visitantes.

O cortejo simboliza a renovação da fé em São Benedito e reforça uma devoção transmitida principalmente pela oralidade, sustentada pela participação comunitária e pelo envolvimento direto das famílias que mantêm a tradição viva ao longo de gerações.

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“É um momento muito importante para nós. A gente se prepara o ano inteiro para viver isso aqui”, afirmou a juíza da Marujada de Quatipuru, Antônia Ivanete da Silva, que participa da festividade há quatro décadas. “Sou maruja há 40 anos e hoje estar à frente da festa como juíza é uma grande responsabilidade e, ao mesmo tempo, um grande prazer. Trabalhar para o Glorioso São Benedito é algo que nos emociona muito.”

A procissão saiu da Capela de São Benedito e seguiu até a Igreja de Nossa Senhora de Nazaré, na orla da cidade, reunindo marujos, marujas, capitães, capitoas, fiéis e visitantes.
📷 A procissão saiu da Capela de São Benedito e seguiu até a Igreja de Nossa Senhora de Nazaré, na orla da cidade, reunindo marujos, marujas, capitães, capitoas, fiéis e visitantes. |Emerson Coe

Uma tradição que nasce da resistência

Com origem situada entre 1836 e 1840, a Marujada de Quatipuru surgiu a partir das comunidades formadas por descendentes de pessoas negras escravizadas que viviam na antiga ilha do Titica, nas áreas conhecidas como Sinhari, Riqueta e arredores. Segundo a tradição oral, os festejos começaram quando esses grupos pediam permissão aos antigos proprietários da região para dançar em homenagem a São Benedito.

“A Marujada nasce da fé e da resistência. São pessoas que encontraram em São Benedito uma forma de expressar identidade, espiritualidade e pertencimento”, explica o professor Alberto Cordeiro, um dos organizadores da festividade.

Ao longo do tempo, a celebração cresceu, ganhou estrutura e passou a envolver toda a cidade. Hoje, integra o calendário oficial de Quatipuru, município com cerca de 13 mil habitantes, e é considerada a segunda maior Marujada do Pará, atrás apenas da tradicional Marujada de Bragança.

Com origem situada entre 1836 e 1840, a Marujada de Quatipuru surgiu a partir das comunidades formadas por descendentes de pessoas negras escravizadas que viviam na antiga ilha do Titica.
📷 Com origem situada entre 1836 e 1840, a Marujada de Quatipuru surgiu a partir das comunidades formadas por descendentes de pessoas negras escravizadas que viviam na antiga ilha do Titica. |Emerson Coe

O significado do reavivamento

O cortejo de reavivamento da devoção é uma iniciativa recente dentro da programação da Marujada. Segundo Antônia Ivanete, este foi o primeiro ano em que o ritual foi realizado de forma estruturada no município.

“Para nós, o reavivamento é novidade. É o primeiro ano e está tudo muito bonito, muito organizado. É uma iniciativa que fortalece a nossa festa e acolhe quem vem de fora”, disse. “A preparação começa em janeiro e vai até dezembro, mas quando chega o dia 18 de dezembro, é o momento mais esperado por todos.”

O cortejo simboliza a renovação da fé em São Benedito e reforça uma devoção transmitida principalmente pela oralidade.
📷 O cortejo simboliza a renovação da fé em São Benedito e reforça uma devoção transmitida principalmente pela oralidade. |Emerson Coe

Ela destaca que o envolvimento da comunidade é essencial. “Quando a gente sai pelas ruas com o arrastão, levando os dois mastros, a cidade toda participa. As pessoas acompanham porque valorizam a nossa cultura.”

Cultura, fé e trabalho coletivo

Presente no cortejo, o prefeito de Quatipuru, José Augusto Dias, ressaltou a importância da festividade para a identidade do município. “A gente agradece a Deus por estar à frente da nossa cidade e poder contribuir para o crescimento da Marujada. São 188 anos de história”, afirmou.

Ele destacou a relação pessoal com a tradição. “Eu cresci vendo a Marujada dentro de casa. Meus pais sempre participaram, principalmente meu pai, que foi juiz da festividade por vários anos. A gente cresceu nesse ambiente de preparação, de devoção e de envolvimento com a festa.”

Prefeito José Augusto
📷 Prefeito José Augusto |Emerson Coe

Segundo o prefeito, o reavivamento cumpre um compromisso com a comunidade. “Essa é uma tradição do nosso Pará e da nossa cidade. Nosso papel é apoiar para que ela continue viva.”

O senador Beto Faro, que também acompanhou o cortejo, destacou o papel da cultura como elemento de desenvolvimento. “Essa é uma das marujadas mais antigas do estado. A cultura gera emprego, renda e oportunidade. Aqui não é uma festa de elite, é uma festa do povo”, disse.

“As pessoas se organizam o ano inteiro para viver esse momento. Isso movimenta a economia e fortalece a identidade da cidade”, completou.

Histórias que atravessam gerações

Entre os participantes estava o marujo e pescador Júnior Ramos, que dança desde os oito anos de idade. “A minha relação com a Marujada vem da minha mãe, a saudosa Maria Ramos da Silva, que faleceu recentemente. Foi ela que me trouxe para essa tradição”, contou.

Júnior Ramos, pescador e marujo
📷 Júnior Ramos, pescador e marujo |Emerson Coe

Segundo ele, a participação também está ligada a uma promessa. “Eu sofri um acidente de moto e precisei ficar internado. Minha mãe fez uma promessa a São Benedito. Desde então, sigo participando da Marujada”, relatou.

A tradição, segundo Júnior, é familiar. “Minha esposa dança, minha irmã, meu irmão, minha avó. É algo que faz parte da nossa vida. A Marujada não é só uma festa, é a nossa história.”

Responsabilidade e memória

Com 20 anos de atuação como capitoa, Ana Maria Reis fala sobre o compromisso de conduzir a festividade. “É muita responsabilidade cuidar das marujas, dos marujos pequenos e das marujinhas. Em cada momento da dança — no chorado, na valsa e no recundão — a gente precisa ter atenção e respeito à memória da festa”, explicou.

Ana Maria - Capitoa de São Benedito
📷 Ana Maria - Capitoa de São Benedito |Emerson Coe

Ela destaca que a emoção se renova a cada ano. “Enquanto Deus permitir e São Benedito nos abençoar, estaremos aqui.”

A devoção também se manifesta em promessas. Uma das participantes contou que a fé foi renovada após a recuperação de um familiar. “Minha irmã estava na UTI. A gente pediu com muita fé a São Benedito e, graças a Deus, ela se recuperou. Agora ela também é devota.”

Cultura que se aprende desde cedo

A Marujada também é espaço de transmissão cultural para as novas gerações. A moradora Renata Martins acompanhou o cortejo com o filho Bernardo, de dois anos. “É importante trazer as crianças para conhecer as raízes do nosso município. É assim que a cultura continua”, afirmou.

Renata Martins e o filho Bernardo, de 2 anos.
📷 Renata Martins e o filho Bernardo, de 2 anos. |Emerson Coe

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A cabeleireira Juliana Ribeiro, de Primavera, acompanha a Marujada de Quatipuru há cinco anos. “Aqui a cultura é muito viva. Dá para perceber que a comunidade abraça a festa”, disse.

Segundo ela, a diferença está na história. “Aqui são 188 anos de tradição. Em Primavera são cerca de 64. Isso faz diferença. Mesmo assim, quem é da comunidade de São Benedito participa com muita força.”

Juliana Ribeiro, cabeleireira
📷 Juliana Ribeiro, cabeleireira |Emerson Coe

Patrimônio vivo do Pará

Em 4 de setembro de 2024, as Marujadas de São Benedito do nordeste paraense foram reconhecidas como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O reconhecimento reforça a importância da manifestação como patrimônio vivo da cultura brasileira.

Mais do que uma festa religiosa, a Marujada de Quatipuru segue como espaço de fé, sociabilidade e preservação da memória coletiva. Ao longo de quase dois séculos, a tradição continua se renovando, reunindo gerações e reafirmando a identidade cultural do nordeste do Pará.

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