A poucas semanas de completar um ano do lançamento de seu primeiro disco, “Admirável Chip Novo”, uma Pitty de 26 anos subia, surpresa, ao palco do Prêmio Multishow de Música Brasileira para receber o título de artista revelação.
O ano era 2004, e os outros concorrentes eram Felipe Dylon, Luka, Preta Gil e Vanessa da Mata. A vitória por voto popular da cantora sobre artistas que dominavam as rádios com canções que abraçavam o pop ajuda a dimensionar o espaço que a baiana começava a abrir.
“Não é que rock também ganha troféu em prêmio de música brasileira?”, publicou no dia seguinte em seu blog, o Boteco, onde dividia o dia a dia da turnê.
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Pitty havia soltado, pela gravadora independente Deckdisc, uma obra que refrescava o rock com experimentações e que, no discurso, colocava temas como alienação, consumismo e pertencimento à frente do mar de romantismo que antecipava a era emo na indústria fonográfica. Mulher e baiana, sacudiu o prisma masculino sob o qual o ritmo era pensado com o disco do gênero mais vendido de 2003.
Vinte anos depois, ela roda o Brasil com a turnê “ACNXX”, que leva ao palco o trabalho considerado pelo público como sua obra-prima. Na última sexta-feira, lançou “Admirável Chip Novo (Re)Ativado”, álbum em que artistas convidados por ela - tais como Emicida, Ney Matogrosso, Sandy e Pabllo Vittar - revisitam as canções que a colocaram no mapa do rock nacional.
Mas Pitty não se sente nostálgica. “É tudo tão contemporâneo que eu me sinto abraçando uma coisa absolutamente nova. É uma reinvenção, e, por não ser uma pessoa muito apegada a rever as coisas, quis escutar essas músicas reimaginadas por artistas e bandas que admiro”, diz em entrevista à Folha.
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Como resultado, a romântica “Equalize”, um dos maiores hits da cantora, foi transformada por Pabllo em um reggae com piseiro, o famoso riff de “Máscara” deu lugar a um piano acompanhado por Ney Matogrosso, e a pesada “O Lobo” virou uma baladinha sintetizada nas mãos da banda Tuyo.
“Fico fascinada de perceber que as ideias continuam pertinentes, talvez até mais do que eram, porque são questões que a gente está discutindo mais do que nunca. Naquela época, ele já foi abraçado porque as letras encontraram uma molecada que também tinha sede de liberdade e de achar o seu espaço no mundo”, afirma a artista.
Era um público novo, que via na artista alguém que compartilhava anseios e os traduzia em letras poéticas e afiadas somadas a uma atitude contestadora cultivada desde os tempos da cantora na banda de hardcore Inkoma, nos anos 1990.
“Eu estava fazendo faculdade de música em meio período, trabalhando no outro, e, no tempo que sobrava, colocando angústias no papel”, lembra. “O ‘Admirável Chip Novo’ é um disco muito solitário. É de uma garota no seu quarto, com seu diário, fazendo um som com o violão, sem saber se alguém algum dia escutaria aquilo”.
A artista também tinha alguns objetivos claros quando foi da capital baiana para o estúdio da Deck no Rio com sua mochila, seu violão e alguns CDs importantes para gravar as canções. “Fazer aquilo acontecer não significava que eu estava disposta a fazer concessões que ofendessem a minha arte ou a ceder a armadilhas de mercado só para ter sucesso. Era uma aposta, mas não desmedida”.
Pitty bateu o pé, por exemplo, quando a gravadora insistiu para que “Equalize”, até hoje uma de suas canções mais famosas, fosse o single que lançaria o álbum. “Todas as músicas em voga naquele momento eram sobre amor e, por mais que eu achasse legal, sempre gostei de provocar. Eu queria ser um contraponto, mostrar que a vida amorosa talvez não fosse a coisa mais importante na vida de uma mulher. Segui minha intuição”, explica.
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