Muitas mulheres anseiam e planejam cuidadosamente a gravidez. Elas nutrem grande expectativa por esse momento, cuidando de todos os detalhes. Nesses cuidados, estão incluídas as consultas regulares com médicos obstetras e enfermeiras, para decidirem juntos a melhor opção para a hora de dar a luz. Agora imagine ter toda esse zelo e, ainda assim, ver esse sonho se transformar em um verdadeiro pesadelo.
O que deveria ser um episódio de acolhimento e ternura e livre de transtornos e traumas pode se tornar uma sucessão de medos, dores e violências com uma intervenção médica inadequada e irresponsável.
É certo que o momento do parto gera muitas inseguranças para as mulheres, principalmente, para as mães “de primeira viagem”, devido ao desconhecimento sobre como será a experiência e pelas as preocupações com a saúde do bebê e dela própria e pela vulnerabilidade diante da equipe responsável por esse parto. Se feita de forma desumanizada, que desconsidere a mãe, a intervenção médica, em muitos casos, é traumatizante e traz problemas tanto para a genitora quanto para a criança.
A expressão "violência obstétrica", que a princípio pode parecer estranha e não muito popular, esconde episódios recorrentes em salas de parto. As ocorrências são mais comuns do que se imagina e deixam marcas físicas e psicológicas para toda a vida nas vítimas.
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Uma saga que já dura quase três anos - Um caso chocante de violência obstétrica é o de Victória Caroline, atualmente com 25 anos, uma das mulheres ouvidas pela reportagem do Dol para contar o drama de ter passado por essa experiência. Ela tinha apenas 19 quando passou por uma cesariana e viveu momentos de horror após ter sua filha, que nasceu prematura de oito meses, no dia 26 de novembro de 2021.
Após três dias do parto, recebeu alta médica, mas retornou ao hospital devido a febre e dores. Foi então detectado um abscesso de dez centímetros na área da cirurgia. Ela foi novamente encaminhada para um novo procedimento cirúrgico. Para a surpresa da paciente, informaram que seria necessario uma histerectomia, ou seja, a remoção do útero. A justificativa dada é que a retirada evitaria que ela morresse em poucas horas. A cirurgia foi feita no dia 11 de dezembro do mesmo ano.
Depois de ser operada, ela continuou sentindo dores e foi levada para uma sala onde só ficam os técnicos. Nessa sala, ela ficou com uma sonda quebrada, problema que só foi percebido 24 horas após a cirurgia, o que a levou a uma terceira cirurgia, uma laparotomia, realizada no dia 22 de dezembro. O caso de Victória é permeado por uma série de absurdos cometidos por erros médicos. Espisódio que ela conta em detalhes em vídeo, que o leitor pode ver ao final da reportagem.
Como relatado por Vitória Marinho, ela continua sofrendo até hoje devido à violência obstétrica que enfrentou em 2021. Quase três anos depois, ela ainda aguarda uma nova cirurgia que deve corrigir e amenizar as complicações decorrentes da cesariana a que foi submetida.
"Ele subiu em uma escada por cima da minha cabeça e empurrou no meu estômago com toda força"
Como Victória Caroline, Nahéli Assunção, 33 anos, também viveu momentos de desespero e angústia na hora de ter o primeiro filho, momento sonhado e esperado ansiosamente. Na época, ela apenas tinha 25 anos e conta que a maior vontade era conseguir ter o filho via parto normal. Com 40 semanas de gestação, a jovem começou a ter contrações muito fortes e foi ao hospital. Durante o atendimento a mandaram de volta pra casa, pois ela não tinha "dilatação", segundo os médicos que a atenderam.
Uma semana após a primeira ida à maternidade, já com 41 semanas, ela voltou para realizar outro atendimento e novamente a mesma orientação: volte para a casa, com o pedido para um retorno às 20h da noite, para que, então, fosse realizada uma cesariana.
“Nem tentaram induzir o parto, não fizeram nenhum exame além do toque. Eu estava em choque e assustada, porque não era o que eu havia planejado, o médico só disse que era o melhor a ser feito. Fui pra casa e voltei no horário marcado para a internação", diz.
"Fui anestesiada para a cesária e começou meu momento de horror, o médico abriu minha barriga e disse que meu bebê estava muito pra cima e fez um sinal para o anestesista. Ele (o anestesista) subiu em uma escada por cima da minha cabeça e empurrou no meu estômago com toda força do seu corpo, eu pensei que ia desmaiar. virei meu rosto para que meu marido não visse minha expressão de dor”, relata.
Além do momento de horror vivido, Nahéli também não conseguiu ver o filho, o que causou ainda mais angústia. Após o procedimento abusivo, ela estava com muitas dores e foi destratada por profissionais: “fui levada para o quarto e depois levaram ele (o bebê). Quando a enfermeira veio colocar ele em cima de mim, eu não aguentava de dor na barriga, e ela brigou comigo por ainda não ter descido meu leite para amamentar, dizia que não tomei líquido o bastante durante a gravidez, que eu não ia conseguir amamentar meu bebê”.
Um momento de felicidade que acabou virando de muita dor, mesmo após alta médica, Nahéli continuou sentindo devido a força que o anestesista fez.
“Inicialmente eu era grata aos médicos pois achava que aquela manobra era realmente necessária para o meu filho nascer, com o tempo fui aprendendo e entendi que na verdade havia sofrido violência obstétrica”, disse Nahéli.
O momento traumático fez com que Nahéli perdesse a vontade de ter filhos, pois não queria reviver aquela situação de novo.
“Me deitaram em posição de cesárea, colocaram minhas pernas pra cima e ali começou o caos"
Outra mulhere violentada é Carolina Bentes, de 29 anos. Ela conversou com a reportagem do DOL e relatou que durante a primeira gestação sofreu violência obstétrica. Na época, ela não tinha consciência do que estava enfrentando, mas, atualmente, ao assistir aos vídeos do próprio parto, sente profunda angústia por tudo que passou.
A vítima relata que sempre sonhou em ter um parto normal. Durante o acompanhamento médico, todos os indicativos apontavam para um parto tranquilo e natural, mas infelizmente, essa não foi a realidade que enfrentou. “Na hora do parto eu sofri muito. já sentindo as dores, o médico fazia toques sem nem avisar o que estava fazendo. Me aplicaram ocitocina porque estava demorando demais, nem sabia se precisava disso, eles só disseram que iam aplicar e aplicaram”, recorda Carolina.
Rememorando, ela diz que, após a bolsa estourar e ser encaminhada para a sala de parto, enfrentou uma série de violências obstétricas. Hoje, jamais permitiria passar por isso novamente. “Me deitaram em posição de cesárea, colocaram minhas pernas pra cima e ali começou o caos, né? Me obrigaram a fazer força em uma posição que não era confortável pra mim, uma posição que eu não tinha apoio nem na cabeça e eu senti muita câimbra. Eles seguraram minhas pernas e eu já estava entrando em desespero”, relata.
Carolina afirma que viveu momentos angustiantes. Além do desconforto e das medicações desconhecidas que recebeu, ela se sentiu impotente no momento mais especial da sua vida, que acabou sendo completamente diferente do que havia imaginado: “eu fiz tanta força de uma forma errada que meus ouvidos inflamaram. Na mão onde tava o soro com a ocitocina, fiz tanta força que ficou extremamente tufada, porque o remédio começou a sair da veia, foi um caos total”.
Cada vez mais grávidas buscam as doulas
Casos como o de Vitória, Nahéli e Carolina são comuns e a falta de informações sobre violência obstétrica faz com que mulheres passem pela experiência e sequer sejam ouvidas em suas queixas. A desiformação leva à normalização do absurdo e ao silenciamento das vítimas.
Diante do risco de sofrer traumas psicológicos e danos físicos, muitas mulheres estão optando por levar doulas para o momento em que dará à luz. Essas profissionais são treinadas para oferecer suporte físico e emocional a mulheres antes, durante e após o parto, fazendo um papel crucial ao fornecer encorajamento, conforto e assistência prática durante o trabalho de parto e o parto.
A doula Bárbara Lourenço explica como é importante se preparar para este momento e como a busca por informações pode ajudar a mulher na hora do parto. O tema é um tabu inclusive entre a classe médica. Na apuração desta reportagem, vários profissionais de Obstetrícia foram procurados para conversar sobre o assunto, mas nenhum aceitou em conceder entrevista.
Conheça a história de Victória Caroline:
Equipe Dol Especiais:
- Reportagem: Thayná Coelho
- Imagens em vídeo: Thiago Sarame
- Multimídia: Vicente Crispino
- Coordenação e Edição: Andeson Araújo
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