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"A LOS BRASILEÑOS NO LES AGRADAMOS"

Drama Warao inicia na Venezuela e ocupa o coração de Belém

Um grupo de indígenas se estabeleceu na Praça da Bandeira, conhecido espaço público no centro de Belém. Por lá, fizeram um acampamento provisório em busca de um novo local para viverem e preservarem sua cultura.

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Imagem ilustrativa da notícia Drama Warao inicia na Venezuela e ocupa o coração de Belém camera O cenário assustador mostra a realidade de um povo que busca viver com o mínimo de dignidade na capital paraense. | Thiago Sarame/DOL

"A los brasileños no les agradamos". Com essas palavras, Angelito Rattia, expressa o sentimento de rejeição que ele e eu grupo enfrentam. Ele é líder de uma comunidade indígena da etnia Warao, que, até a quinta-feira (11), estava abrigada provisoriamente na Praça da Bandeira, no bairro da Campina, no centro de Belém.

O cenário enfrentado pelos indígenas é difícil, marcado pela presença de muitas crianças, roupas espalhadas, sujeira e pela frase "os brasileiros não gostam da gente", em tradução literal, dita com muita tristeza. Os mesmo olhos que choram e buscam uma vida melhor no Pará, ainda carregam a esperança de dias melhores.

A jornada para chegar até Belém foi longa e árdua. Após uma temporada em Parauapebas, no sudeste paraense, a família, como Angelito chama o grupo composto por 49 membros, atravessou diversas cidades até alcançar a capital paraense. A migração forçada começou devido à grave crise econômica na Venezuela, exacerbada pela queda do preço do petróleo e pelos embargos econômicos impostos pelos Estados Unidos. em resposta às políticas do presidente Nicolás Maduro, sucessor de Hugo Chávez, morto em 2013.

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Em condições de miséria e assolados pela fome, milhares de Warao deixaram o país vizinho em busca de refúgio e melhores condições de vida no Brasil. Belém do Pará se tornou um dos principais destinos para muitos, incluindo a família de Angelito.

A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) estima que, atualmente, 1.200 indígenas da etnia Warao vivam no Pará, majoritariamente na capital Belém e no município de Ananindeua, na Região Metropolitana.

Nômades que cruzaram o Estado até chegar na capital

A saga desta comunidade Warao teve início em Parauapebas há cinco anos. Lá, reuniram-se e formaram um grupo que permaneceu unido ao longo de toda a jornada pelo Estado. Sob a liderança de Angelito Rattia, eles vivem uma espécie de vida nômade, atravessando várias cidades do estado, como Marituba, Abaetetuba, Mocajuba até que chegaram em Belém. Na capital, passaram por diversos bairros, incluindo Tapanã e o distrito de Outeiro, antes de se instalarem na Praça da Bandeira, no coração da capital, onde estavam havia um mês e uma semana.

Um dos maiores desafios enfrentados pelos Warao é a adaptação aos abrigos designados para eles. Segundo Angelito, esses abrigos impõe uma série de regras, que contrastam com a vida comunitária no Delta do Rio Orinoco, na Venezuela, de onde vieram. O choque cultural é inevitável, causando incômodos por muitas vezes incontornáveis.

Angelito Rattia é a liderança que responde pelo grupo que está na Praça da Bandeira
📷 Angelito Rattia é a liderança que responde pelo grupo que está na Praça da Bandeira |Thiago Sarame/DOL

Durante a entrevista com a reportagem do Dol, Angelito mostrou a lista com os 49 nomes que compõe o grupo: são 12 homens, 15 mulheres e 22 crianças. Quatro dessas crianças ainda são bebês de colo e o clã deve aumentar, com uma nova vida a caminho, já que uma das mulheres está grávida. A “grande família” é subdividida em famílias biológicas, que são 16.

Provisoriamente instalados no centro de Belém, eles ergueram barracas feitas de restos madeira e sacos plásticos. É onde dormem e descansam em redes, em um ambiente totalmente aberto, sujo e perigoso.

Ameaça

Voltamos à frase destacada no início desta reportagem: “os brasileiros não gostam da gente”. Um dia antes da nossa chegada ao local, Angelito nos contou sobre a ida de um servidor da prefeitura de Belém à praça, dizendo que eles tinham até a próxima segunda-feira (15) para arranjar outro lugar para ficar. Ele caracterizou o servidor como um homem estressado e ameaçador.

“Veio alguém muito brabo da prefeitura. Disseram que nós não podíamos fazer isso [acampamento] e que teríamos que tirar tudo o que construímos agora. Até segunda-feira, eles não queriam mais nos ver aqui. Eles falaram que viria a Guarda Municipal e a Polícia Militar para nos expulsar”, contou.

O sonho do "aluguel"

Como os Warao pretendem viver, mantendo o senso de comunidade e a conexão com a cultura do Delta do Orinoco? Angelito Rattia afirmou que eles só querem um “aluguel”. No entanto, o “aluguel” que eles citaram, não é o mesmo que estamos habituados, a locação de um imóvel por contrato escrito ou apalavrado em troca de um pagamento mensal ao proprietário, além de outras tarifas e burocracias. Em um português precário, o líder comunitário dá outro sentido à expressão.

Como “aluguel”, ele se refere a um local que seja destinado pelos órgãos públicos ou entidades privadas, de preferência no centro da cidade, onde podem fazer suas atividades que garante alimento na mesa, como esmolar nas esquinas do bairro da Campina e Reduto, na região do Comércio.

Mas o grupo nem sempre viveu assim. Em Parauapebas, eles conseguiram, por meio de doações, instrumentos musicais para tocar e, assim, por meio de apresentações, conseguiam sustentar a comunidade toda. "Assim que conseguimos um aluguel [espaço] aqui, eu vou em Parauapebas e trago todos os instrumentos para que possamos trabalhar", comenta Angelito.

Ida forçada para o Tapanã

No fechamento da nossa reportagem, recebemos a informação de que, supostamente, após uma matéria feita por um veículo de comunicação de Belém, a prefeitura foi até o local e os obrigaram voltar para o bairro do Tapanã, onde os Warao já tinham passado, mas saíram por não terem se adaptado.

Questionada pelo Dol, a prefeitura de Belém emitiu uma nota informando sobre a ida dos venezuelanos para o Espaço de Acolhimento Institucional para os Migrantes Indígenas da Etnia Warao, localizado em frente ao cemitério do bairro.

Na nota, a Fundação Papa João XXIII (Funpapa) informou que os venezuelanos foram atendidos pelas equipes técnicas do Núcleo de Atendimento para Migrantes e Refugiados (Namir), do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) Rosana Campos, do Centro Pop São Brás e do Serviço de Acolhimento Institucional para Indígenas (Saiind), todos vinculados à Funpapa, com o objetivo de viabilizar o acolhimento institucional.

Diferente do que foi apurado pelo Dol no local, a prefeitura informou que são 11 famílias. No entanto, a nossa equipe constatou, inclusive em documento escrito pelos próprios indígenas, que são 16 famílias, o que revela um possível desconhecimento do órgão responsável pelo atendimento aos membros da etnia.

Na mesma tarde, a reportagem voltou a falar com com o líder do grupo, Angelito Rattia, para saber sobre a possível transferência. Ele nos informou que, diferente do que foi divulgado na nota da Funpapa, a comunidade foi obrigada a ir para o abrigo contra sua vontade. De acordo com Angelito, um rapaz identificado como "Ronaldo" foi à praça, na quinta-feira (11), à tarde, e disse que, se eles não saíssem do local, a Guarda Municipal iria retirá-los.

"Um rapaz chamado Ronaldo, é esse o nome. Ele falou assim: 'Agora, se vocês não saírem, a polícia e a Guarda Municipal vão vir para retirar vocês. E todos vocês já não podem ficar na praça", disse.

Veja a nota na íntegra:

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A Fundação Papa João XXIII (Funpapa) informa que os indígenas venezuelanos da etnia Warao que se encontram na Praça da Bandeira foram atendidos pelas equipes técnicas do Núcleo de Atendimento para Migrantes e Refugiados (Namir), do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) Rosana Campos, do Centro Pop São Brás e do Serviço de Acolhimento Institucional para Indígenas (Saiind), vinculados à Funpapa, a fim de viabilizar o acolhimento institucional das 11 famílias que se encontram no local. Representantes das famílias, junto com o conselho Warao e a Funpapa, iniciaram as tratativas para o acolhimento no espaço municipal localizado no Tapanã. No entanto, por decisão da comunidade Warao, não quiseram receber o acolhimento institucional de imediato, mesmo com todos os direitos garantidos a essa população de acordo com o respeito a sua cultura local. A Funpapa, em diálogo permanente com os membros do Comitê para Migrantes, Refugiados e Apátridas, realizou o encaminhamento de regularização do protocolo de refúgio, já que a maioria estava sem a devida documentação. O agendamento na Polícia Federal foi realizado no último dia 4 de julho, eles realizaram os procedimentos. Com a regularização documental já é possível incluí-los no CadÚnico, para solicitação de concessão dos programas sociais federais e, em nível municipal, como o programa Bolsa Família e o de renda cidadã Bora Belém, respectivamente. Após vários diálogos de sensibilização com os representantes das famílias acampadas na praça, algumas famílias aceitaram ir para o espaço de acolhimento institucional, localizado no bairro do Tapanã. As tratativas se deram de forma pacífica em que as próprias famílias demonstraram o desejo de ir para o abrigo temporariamente, até conseguirem ir ao encontro de seus familiares que estão em outro estado. A intenção é que ainda na tarde desta quinta-feira, 11, seja realizada a inserção dessas famílias na unidade institucional da Funpapa. Vale destacar que a Funpapa não atua na retirada compulsória dos indivíduos e sim com o diálogo permanente com o objetivo de conscientizá-los.

Funpapa - Prefeitura de Belém,
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Equipe Dol Especiais:

  • Reportagem: Lucas Contente
  • Imagens: Thiago Sarame
  • Coordenação e Edição: Anderson Araújo

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