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CIDADES INVISÍVEIS

Tesouros arqueológicos dão pistas das "Beléns" de outrora

O achado de uma embarcação metálica durante as obras da "Nova Doca" reacende as histórias das várias cidades que Belém foi em diferentes períodos históricos. Descubra tesouros da Arqueologia revelados em obras urbanas!

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Imagem ilustrativa da notícia Tesouros arqueológicos dão pistas das "Beléns" de outrora camera A Avenida Doca de Souza Franco, em 1935. | FAU/UFPA/Robert S. Platt - 1935

Por baixo de asfalto e calçamento, edifícios altíssimo e modernas construções, há uma Belém invisível. Ou melhor: há várias Beléns invisíveis e escondidas sob camadas e camadas de terra. Cidades erguidas e desaparecidas ao longo dos anos, que ostentaram suas arquiteturas, tecnologias e contextos de época. Beléns extintas que hoje só podem ser vislumbradas pela imaginação, pela pesquisa nos livros de histórias e nos vestígios espalhados na Literatura.

São realidades soterradas que mostram modos de vida e explicam a ocupação humana na maior cidade da Amazônia, traços da nossa história que a virem à tona abrem uma fenda no tempo, um brecha para esse passado aparentemente perdido.

É o minucioso trabalho de Arqueologia que pode e tem ajudado a (re)contar essas histórias a partir dos achados em obras de urbanização. As descobertas dessa ciência vem revelando diversos aspectos dos povos que aqui residiam a séculos atrás. Talvez uma dos mais impressionantes achados nos últimos anos foi o achado de uma embarcação metálica durante as obras da “Nova Doca”.

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Quem participou de todo o processo de retirada da embarcação que estava por baixo das estruturas da Doca foi o arqueólogo da Secretaria de Estado de Cultura (SECULT), do Sistema Integrado de Museus e Memórias e do Museu do Estado do Pará (MEP), Paulo Canto. Ele deu detalhes de como foi todo o processo de retirada desse material.

“Posteriormente à localização de uma estrutura de metal junto ao canal da Doca de Souza Franco, foi elaborada uma proposta para evidenciar o objeto. Gradativamente identificou-se a proa de uma possível embarcação de metal.

Paulo do Canto, Arqueólogo da Secretaria de Estado de Cultura (SECULT), Sistema Integrado de Museus e Memórias, Museu do Estado do Pará.
📷 Paulo do Canto, Arqueólogo da Secretaria de Estado de Cultura (SECULT), Sistema Integrado de Museus e Memórias, Museu do Estado do Pará. |( Reprodução/Arquivo pessoal )

A partir daí foi realizada a escavação arqueológica no local para a retirada do registro arqueológico, utilizando métodos e técnicas compartilhadas entre a Arqueologia, Engenharia, Arquitetura e Conservação, além do importante e necessário levantamento das fontes históricas, orais e geográficas, as quais estão em processo de pesquisa, em um projeto interdisciplinar”, explicou Paulo.

Ele indica que a embarcação pode ser datada de meados do século XIX, época em que o trecho onde o objeto localizado possuía um fluxo de embarcação daquela natureza. “As escavações evidenciaram uma embarcação de metal fragmentada, provavelmente do século XIX. A tecnologia construtiva em metal, conta com chapas, caverna, longarinas e com presença de rebites prendendo algumas chapas”, disse.

Tesouros arqueológicos dão pistas das "Beléns" de outrora
📷 |Ascom/Seop

“Esse artefato arqueológico é um importante exemplar relacionado a embarcações e a utilização da hidrografia (baia, rios e canais) na zona estuarina paraense. Poderia ter sido utilizada no transporte de cargas e passageiros pelos rios e canais da Amazônia. Tornando-se um exemplar que nos leva a analisar a importância das redes hídricas para a locomoção das pessoas e dos produtos para abastecimento da cidade de Belém”, destaca Paulo Canto.

Pistas sobre aterramento e nova malha viária

O arqueólogo da Secult indica que o contexto no qual a embarcação fragmentada foi localizada, com base em algumas iconografias e imagens antigas, possibilitam as primeiras ideias de um local muito dinâmico com diversidades de pessoas, portos, embarcações e provavelmente produtos que faziam parte do cotidiano da cidade.

“O posicionamento do artefato arqueológico pode contribuir para parte do entendimento do avanço da malha urbana na área, com a presença de aterro identificado nas escavações. O aterramento poderia estar relacionado às áreas de inundações influenciadas pelas marés.

O artefato arqueológico foi retirado do local e acondicionado provisoriamente em um espaço para a higienização e restauração, sendo montada uma estrutura para acondicionar as peças”, aponta Paulo Canto.

De acordo com Paulo, está sendo organizada a estrutura para o laboratório de restauro, além da realização da cobertura para maior proteção e conservação do bem patrimonial.

“Além desses cuidados de conservação, está sendo elaborado e definido às ações de educação patrimonial para que a população tenha acesso às informações e também compartilhem do trabalho neste importante registro arqueológico”, diz.

Paulo conta que as conexões com outras áreas da cidade de Belém ainda estão em processo de investigação, não tendo informações detalhadas.

A Secretaria de Estado de Obras Públicas (Seop) informou que as obras da Nova Tamandaré, Nova Doca e de saneamento do Ver-o-Peso, investimentos para a realização da COP 30, em Belém, têm acompanhamento de uma empresa de pesquisa em Arqueologia, atendendo a legislação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Além dos fragmentos de uma embarcação metálica antiga, descobertos durante as obras da Nova Doca, também foram encontrados durante os serviços materiais relacionados à formação da cidade, como cerâmicas e louças.

A Seop reforça que esses materiais passam por um processo de coleta e estudo através da empresa de pesquisa arqueológica, além de restauração e armazenamento antes de serem entregues a um museu para exposição ao público.

Restauro e preservação

Historiador e arqueólogo do Iphan, Augusto Miranda, também aponta que, até o momento, trata-se provavelmente de fragmentos de uma embarcação de ferro antiga aterrada na área do Antigo Igarapé das Almas, a mais de 100 anos, e os estudos continuam com uma equipe multidisciplinar.

“Após a retirada, estão sendo adotadas medidas de conservação e restauro, a partir da montagem do laboratório provisório na área do estacionamento de uma universidade particular, onde se encontram os artefatos acondicionados. O processo de análise e restauração levará 150 dias úteis, a partir do momento que entregarem a montagem e instalações para o laboratório de restauro e mais 60 dias úteis para a musealização”, explica.

Augusto Moutinho Miranda, Historiador e Arqueólogo do IPHAN-Pará
📷 Augusto Moutinho Miranda, Historiador e Arqueólogo do IPHAN-Pará |( Reprodução/Arquivo pessoal )

Ele destaca que toda obra de licenciamento antes de ser iniciada tem obrigação de apresentar documentos para autorização do IPHAN, e obras no Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico da Cidade Velha e Campina e seu entorno precisam ser aprovadas dentro da legislação vigente. “A preservação acontece por estudos preliminares e prévios e pela presença de equipes multidisciplinares com profissionais das áreas como arqueólogos, arquitetos, conservadores, restauradores entre outros. Qualquer área do território é passível de estudos não só os centros urbanos, por exemplo na construção de rodovias, Linhas de transmissão, barragens, porots e outros empreendimentos”, conta.

Enterrada no Igarapé das Almas, embarcação trás pistas da Belém de um século atrás
📷 Enterrada no Igarapé das Almas, embarcação trás pistas da Belém de um século atrás |Ascom/Seop

Cidade revelada

Augusto Miranda destaca que as pesquisas arqueológicas apresentam nos últimos anos um crescimento em todo território nacional, não sendo diferente aqui no Estado do Pará. Diversos estudos foram desenvolvidos na Região Metropolitana de Belém, a exemplo de reformas de edificações e vias no centro histórico de Belém, como o restauro do Solar da Beira, a construção do Boulevard da Gastronomia, o Parque Porto Futuro I entre outros, resultando no registro de novos sítios arqueológicos além do salvamento de artefatos arqueológicos, como fragmentos de cerâmica, grés e até mesmo estruturas como um cais de arrimo de um período em que a Baía do Guajará adentrava a área que hoje é conhecida como Praça dos Estivadores.

Mercado Municipal (1935)
📷 Mercado Municipal (1935) |FAU/UFPA/Robert S. Platt - 1935

“Em outros lugares do Brasil artefatos náuticos, como embarcações afundadas, já apareceram nos últimos anos, como no Amazonas e na Bahia e passam por um processo de pesquisa. Todos os achados são importantes, não se hierarquiza o Patrimônio Cultural, o que acaba acontecendo é o esforço que determinados processos demandam, seja de quantidade de fragmentos, ou tamanho como é o caso do artefato saído das obras do Parque Linear da Doca, mas a importância é a mesma, visto que conta parte de uma história do passado”, indica o arqueólogo do Iphan.

Ele diz que a descoberta da proa em si já é importante para a investigação dos aspectos navais, da navegação na Amazônia e da ocupação da cidade. Ajuda no entendimento da ocupação da cidade, ocupações essas de tempos pretéritos, onde os costumes e a relação com o meio ambiente era outro, onde a relação com os rios eram diferentes do que hoje temos.

“Ao longo dos anos esse espaço se transformou, já foi uma área que foi ocupada por grupos indígenas, depois no período pós colonização uma parte da cidade se concentram às margens do igarapé das Almas, inclusive com a concentração de atividades comerciais, e por fim com uma concentração de atividades industriais, inclusive com a construção de vilas operárias, e hoje concentra um dos metros quadrados mais caros da cidade. Estudos ajudam a entender como ao longo do tempo esses espaços foram modificando o uso e a ocupação”, esclarece Augusto.

Na Região Metropolitana de Belém o Iphan reconhece a existências dos sítios arqueológicos localizados no SESC Boulevard, Porto Futuro I, Val-de-cães, Embrapa, entre outros, como aponta Augusto Miranda. Os estudos quando acontecem são autorizados a partir da apresentação de um projeto de pesquisa arqueológica, que é apresentado ao IPHAN, se aprovado e publicado uma portaria autorizativa no Diário Oficial da União.

Sociedade Portuguesa Beneficente
📷 Sociedade Portuguesa Beneficente |Centro de Memória da Amazônia/UFPA/Joseph Léon Righini

Indo de encontro ao informado pela Seop, Augusto reforça que existem diferentes artefatos nos acompanhamentos arqueológicos dessas obras, como fragmentos de cerâmica, líticos (pedras lascadas e polidas), grés e até mesmo estruturas. E essa materialidade é de diferentes grupos que ocuparam a região: etnias indígenas, europeus que invadiram o território, grupos de africanos que foram trazidos à força e escravizados e seus descendentes.

Por fim, ele reforça que o acompanhamento arqueológico continua no restante da obra, para garantir a salvaguarda de possíveis novos achados. “Esse trabalho é feito por arqueólogos habilitados e autorizados para o monitoramento que durante as atividades de intervenção no solo para a realização do Acompanhamento Arqueológico permanecem junto aos funcionários e maquinário da obra enquanto há revolvimento do solo. Vale ressaltar que toda a descoberta de material arqueológico tem que ser comunicada ao IPHAN”, assegura.

Belém, uma estratégia de ocupação portuguesa

A cidade de Belém, capital do Pará, surgiu com a ocupação da foz do rio Pará e da construção do Forte do Presépio e da primeira capela, em 1616, por Francisco Caldeira Castelo Branco e seus comandados. O objetivo era criar um sistema estratégico de expansão do império ibérico nas Américas. Essa ocupação resultou, sobretudo, da política econômica mercantilista praticada por Portugal e Espanha, desde o século XV. O Forte foi erguido na confluência do rio Guamá com a Baía de Guarajá.

Praça da Bandeira
📷 Praça da Bandeira |Centro de Memória da Amazônia/UFPA/Joseph Léon Righini

De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a cidade, edificada a partir de uma praça de armas, com os prédios da igreja e da administração imperial, tinha o claro propósito de posse e proteção do território. Ao redor da fortificação desenvolveu-se o núcleo inicial da cidade e seu primeiro bairro, a atual Cidade Velha. A ocupação orientou-se, também, para o interior e, ao longo do tempo, Belém adquiriu características de cidade portuária. Transformou-se em um polo comercial, funcionando como porta de entrada para a Região Amazônica e o elo entre Portugal e o Estado do Grão-Pará.

Baía de Guajará: Forte do Presépio - Belém (PA)
📷 Baía de Guajará: Forte do Presépio - Belém (PA) |Agência Pará

Segundo o instituto, a expansão do bairro da Cidade Velha estava “bloqueada” pelo igarapé Pirí, enquanto a Campina adquiria prédios de nova dimensão: sobrados, edifícios públicos e igrejas.

A área urbana se manteria estabilizada até a segunda metade do século XVIII, quando o crescimento da cidade se intensifica com a chegada de engenheiros militares alemães, para desenvolver os primeiros projetos urbanísticos, além do arquiteto italiano Antônio José Landi, a quem é atribuído à introdução do estilo neoclássico, na região. Landi modifica a fisionomia da cidade, ali deixando uma notável obra arquitetônica civil e religiosa. Poucos elementos, entretanto, restaram da arquitetura do século XVIII.

Equipe Dol Especiais

  • Lucas Quirino é jornalista do portal DOL como repórter e bacharel em Direito . Contar histórias pelo ponto de vista dos pessoas é sua maior motivação: "o Jornalismo muda a vida de muitos, inclusive a minha".
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