O técnico Ramon Menezes desembarcou na manhã da última terça-feira (14) no aeroporto internacional Tom Jobim, o Galeão, no Rio de Janeiro, visivelmente cansado.
Foram 30 dias longe do país, 39 afastado de casa, do início da preparação até a conquista do título do Sul-Americano sub-20, na Colômbia -feito que findou um jejum de 12 anos do Brasil na competição.
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Poucas horas depois, ele já estava na sede da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) para, após uma reunião com o presidente Ednaldo Rodrigues, assumir interinamente a seleção principal. A formação verde-amarela fará um amistoso contra Marrocos, em Tânger, em 25 de março.
Primeiro interino a comandar a seleção após 23 anos, ele tem a chance de tentar repetir o que alcançou Lionel Scaloni, que foi de solução provisória a campeão mundial à frente da Argentina.
"Cheguei aqui e já me reuni com o presidente. Não houve tempo nem para comemorar o título. A minha vida, agora, é o estudo e o trabalho", afirmou à reportagem. "Já comecei a estudar o adversário. Vou pensar muito nessa convocação para montarmos uma seleção muito forte", acrescentou.
O caso foi parecido com o que o mineiro viveu no Vasco, há quase três anos. Nem bem havia terminado a conversa com então presidente Alexandre Campello, em março de 2020, que anunciara que o efetivaria no cargo para a vaga deixada por Abel Braga, e já estava ao telefone com os jogadores explicando o que pretendia com a nova metodologia e por que acreditava que poderia recuperar um time em baixa na temporada.
O perfil "workaholic" já não surpreende os familiares. Durante os seis meses à frente do time cruzmaltino, quando chegava à sua casa, mesmo exausto após viagens, tinha como hábito esticar a madrugada estudando lances das partidas.
"Ouço da minha esposa: 'Pelo amor de Deus, você vai ver futebol de novo?'. Mas considero fundamental para tirar lições e conclusões novas", disse Ramon.
Ex-meia com passagens por Vasco, Atlético Mineiro, Vitória e outros 12 clubes, conhecido pela habilidade nas cobranças de falta, ele foi elogiado no comando do Vasco por criar uma equipe doutrinada taticamente, com raros chutões, que sofria poucos contra-ataques. Lá, diz, também aprendeu a não se iludir com o futebol.
A equipe chegou a liderar nas primeiras rodadas do Campeonato Brasileiro de 2020, mas acabou perdendo o ritmo ao longo da competição. Ele foi demitido após seis partidas consecutivas sem vitória. O Vasco terminaria a competição rebaixado.
"Sem dúvida, a vida nos ensina muito, e a cada dia ficamos mais preparados. Hoje eu me sinto mais preparado do que antes. Foi muito bom aquele momento vivido no Vasco. Acho que criaram uma expectativa muito grande, também por causa do trabalho", recordou.
Após a saída de São Januário, Ramon teve uma passagem pelo CRB, que durou somente nove jogos, além de 18 partidas no comando do Vitória -com somente três vitórias.
Assumiu, após quase um ano parado, a seleção sub-20, muito por causa do perfil discreto e estudioso pelo qual é conhecido.
"Quando eu voltei à CBF como treinador da seleção sub-20, passando por todas as preparações até chegar a essa conquista do Sul-Americano, nós trabalhamos muito. Então, a minha vida sempre foi pautada em cima de muito esforço, muito trabalho", afirmou.
Ainda como jogador, em 2012, pediu licença de uma semana ao presidente do Joinville para realizar um curso para treinadores no Rio de Janeiro. Era o despertar para a nova carreira.
Na escolha do elenco de 23 jogadores que disputaria o Sul-Americano na Colômbia, precisou remontar estrategicamente boa parte da equipe pela não liberação de oito atletas -entre eles os atacantes Endrick, do Palmeiras, e Ângelo, do Santos.
"Desde o dia 5 de janeiro, na nossa apresentação, todas as vezes em que fui questionado sobre a ausência de alguém, sempre disse: 'Deus sabe de todas as coisas; era e é para estar quem está aqui'", disse aos jogadores, no vestiário, logo após a conquista diante do Uruguai.
O Brasil terminou a competição como o único invicto, com sete vitórias e dois empates, com o melhor ataque e a melhor defesa. Ao todo, Ramon tem 17 jogos à frente da formação verde-amarela de juniores: 11 vitórias, quatro empates e duas derrotas, um aproveitamento de 72,5%.
"Com o grupo que formamos, conseguimos buscar um equilíbrio da fase ofensiva e da fase defensiva. Fomos a equipe que menos sofreu gols na competição e a que mais marcou. Isso prova [esse equilíbrio]", disse.Ramon ganhou a primeira oportunidade como técnico em 2014, na modesta Associação Esportiva Evangélica, da terceira divisão goiana. Deixou-a como campeã invicta.
No Joinville, em 2015, dirigiu a equipe em 12 jogos, com 44% de aproveitamento, e não evitou o rebaixamento para a Série C. No mesmo ano, já havia caído no Campeonato Mineiro com o Guarani de Divinópolis.Questionado se pode repetir a trajetória feita por Lionel Scaloni, de interino em 2018 a campeão do mundo com a Argentina em 2022, ele evitou responder.
Scaloni, após alguns jogos em 2018, resolveu ousar -ainda que discretamente. Na primeira data Fifa de 2019, chamou oito jogadores que jamais haviam defendido o país. Naquela lista estavam Gonzalo Montiel, Lisandro Martínez e Rodrigo De Paul, peças importantes para o triunfo no Qatar.
"É a cabeça deste time. Construiu tudo basicamente desde o zero. A verdade é que é um dos principais artífices de tudo o que foi conquistado", elogiou De Paul, em entrevista à TyC Sports.
No Brasil, a última vez de um técnico interino foi com Candinho, há 23 anos. Ele foi a solução imediata depois da demissão de Vanderlei Luxemburgo, de quem era auxiliar.
Luxemburgo perdeu o emprego após a eliminação para Camarões, nos Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000. Em seu único teste, Candinho venceu a Venezuela por 6 a 0, pelas Eliminatórias, com quatro gols de Romário.
"É um contexto bem diferente. Ganhamos a Copa América de 1999, e eu já era técnico havia muitos anos. O Ramon está vindo de um trabalho com os jovens, precisa viver muita coisa. Continuar depende muito da personalidade para fazer as coisas da maneira dele", disse Candinho à reportagem.
Enquanto aguarda a decisão sobre o possível substituto de Tite -o favorito é o italiano Carlo Ancelotti, do Real Madrid-, Ramon promete fazer o de sempre: trabalhar.
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