
O Paysandu vive um período em que as dificuldades administrativas e financeiras do clube, há anos comentadas nos bastidores, estão cada vez mais expostas. A imagem do Papão, que historicamente se apoia em sua tradição e na paixão de sua torcida, tem sido arranhada por notícias de atrasos salariais, cobranças de atletas e processos trabalhistas. Nesse contexto, ganhou força em 2025 a execução processual n° 0000216-89.2025.5.08.0016 movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que cobra do clube mais de R$ 1,5 milhão de multa pelo descumprimento de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado ainda em 2008.
O MPT instaurou o Inquérito Civil nº 001303.2024.08.000/6 para apurar uma denúncia feita ao órgão por um funcionário do clube, que afirmava estar com “atrasos salariais em período superior a 10 (dez) dias e, especificamente, o salário de maio/2024 não havia sido pago até o dia 20/06/2024”.
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Ocorre que, no ano de 2008, na época em que o presidente do Paysandu era Luiz Omar Pinheiro, foi assinado um TAC nº 235/2008 entre o Papão e o MPT, no qual o clube havia se comprometido à seguinte obrigação:
“A efetuar o pagamento do salário de seus empregados no prazo estabelecido na lei, na forma do artigo 459 da CLT; O descumprimento do presente TERMO DE COMPROMISSO ensejará a aplicação de multa no valor de R$ 500 (quinhentos reais), por trabalhador prejudicado, revertida em favor do FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador”.

Ainda segundo o MPT, ao longo de 2024, foram recebidas outras denúncias de atrasos salariais, com mais de 100 reclamações de colaboradores do clube, evidenciando-se, na visão do órgão, o reiterado desrespeito ao Termo de Ajuste de Conduta firmado perante o Ministério Público do Trabalho. O Paysandu foi notificado extrajudicialmente para prestar esclarecimentos e apresentar documentos para sua defesa durante audiência administrativa.
No entanto, de acordo com o órgão, os documentos apresentados pelo próprio Paysandu (contracheques e comprovantes) confirmam a ocorrência de atrasos em vários meses. “Em relação aos demais documentos apresentados, contracheques e comprovantes em que constam a data, constatou-se a prática contumaz da mora salarial por parte do Requerido”, disse o MPT.
Após a primeira audiência administrativa, foram realizadas ao menos mais 3 em que o MPT solicitava ao clube apresentação de documentos, no qual sempre eram constatadas algumas inconsistências acerca das informações prestadas por ele. Não satisfeito com as alegações do Paysandu, o órgão ajuizou a ação na Justiça do Trabalho no dia 22 de março, apresentando cálculo do débito em R$ 1.534.738,48, requerendo a citação do Paysandu para quitar ou garantir o valor no prazo legal, sob pena de penhora, além da incidência de juros, correção monetária e custas processuais.
O que disse a defesa do Paysandu?
Na defesa apresentada, o Paysandu Sport Club buscou afastar a execução, alegando que o Termo de Ajustamento de Conduta nº 235/2008 não poderia gerar penalidades indefinidamente, argumentando que a aplicação de multas quase duas décadas após a assinatura configuraria uma obrigação ad eternum (eternamente).
O clube também sustentou que já havia celebrado um acordo em 2011, em outro processo de execução do mesmo TAC, o que, em sua visão, impediria nova cobrança em razão da coisa julgada. Além disso, questionou a certeza e a liquidez do título, afirmando que não havia base suficiente para a execução no valor cobrado. Para tentar reduzir a responsabilidade, anexou contracheques e comprovantes de pagamento, alegando que os salários foram pagos de forma escalonada e que os atrasos se deviam a dificuldades financeiras estruturais, como a dependência de repasses da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
A defesa do Papão afirmou ainda que o clube vem sofrendo com dificuldades financeiras no período pós-pandemia da Covid-19 e chegou a citar clubes da Série A, como o Corinthians e São Paulo, com os mesmos problemas para embasar seus argumentos. Por fim, defendeu que a execução deveria ser extinta ou, subsidiariamente, que o valor fosse revisto para não comprometer ainda mais a já delicada situação financeira do clube.
Justiça atende pedido do MPT
Na sentença de primeira instância proferida no dia 8 de julho, a Justiça do Trabalho rejeitou os argumentos apresentados pelo Paysandu e manteve a execução promovida pelo Ministério Público do Trabalho.
O juiz reconheceu que o TAC nº 235/2008 é título executivo extrajudicial válido, líquido e exigível, afastando a tese de que não haveria certeza ou liquidez no crédito. Também rejeitou a alegação de coisa julgada, lembrando que o acordo firmado em 2011 referia-se a período distinto e não afastava a responsabilidade por novas infrações de trato sucessivo.
Quanto à alegação de que as multas não poderiam ser aplicadas indefinidamente, o magistrado destacou que as obrigações do TAC são contínuas e que o descumprimento a qualquer tempo gera a incidência da penalidade, que deve inclusive ser corrigida para não perder o caráter punitivo. Diante disso, determinou a manutenção do valor executado, calculado em R$ 1.534.738,48, e citou o clube para pagar ou garantir a quantia no prazo legal de 48 horas, sob pena de penhora e prosseguimento da execução.
Veja o que diz a sentença
Paysandu recorre da decisão
No dia 21 de julho, o Paysandu entrou com um recurso buscando reverter a decisão que manteve a execução, insistindo na tese de que o TAC nº 235/2008 não poderia gerar penalidades de forma indefinida. O clube voltou a sustentar que a multa não tem atualização prevista e que sua aplicação quase duas décadas após a assinatura seria abusiva, transformando o compromisso em uma obrigação “ad eternum”.
Alegou também que parte das irregularidades já teria sido objeto de acordo em processo anterior, o que configuraria coisa julgada. Além disso, defendeu que a matéria tratada no recurso seria de ordem pública e, por isso, o agravo deveria ser conhecido mesmo sem a garantia do juízo ou a oposição prévia de embargos à execução. Por fim, pediu a nulidade da execução ou, subsidiariamente, a revisão do valor da multa para um montante considerado mais razoável diante da atual situação financeira do clube.
Por outro lado, o MPT rebateu cada uma das teses levantadas pelo Papão, reforçando que o TAC é título executivo líquido, certo e exigível, e que as obrigações nele previstas são de trato sucessivo, o que afasta qualquer alegação de prescrição ou de extinção do crédito. O MPT também destacou que o acordo celebrado em 2011 não elimina a cobrança atual, pois se referiu a descumprimentos ocorridos em período distinto. Por fim, defendeu a correção e atualização da multa para preservar sua função coercitiva, pedindo a manutenção integral da sentença de primeira instância.
Linha do tempo do processo
- 2008 – MPT e Paysandu firmam o TAC nº 235/2008.
- 2011 – Clube firma acordo em execução anterior do mesmo TAC.
- Julho de 2024 – Primeira audiência para coleta de provas; MPT pede documentos, e o clube admite dificuldades financeiras.
- Agosto de 2024 – Paysandu apresenta parte dos contracheques e relação de empregados.
- Setembro de 2024 – MPT recebe documentos contábeis do clube.
- Março de 2025 – MPT ajuíza execução, cobrando R$ 1,5 milhão em multas.
- Junho de 2025 – Tentativa de conciliação no CEJUSC não tem acordo.
- Julho de 2025 – Juízo rejeita impugnação do clube e determina citação para pagamento em 48 horas.
- Julho de 2025 – Paysandu interpõe agravo de petição ao Tribunal.
- Agosto de 2025 – Caso sobe ao TRT da 8ª Região para julgamento em segunda instância.
Com a sentença de primeira instância confirmando a cobrança, o processo agora está nas mãos do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT-8), que vai decidir sobre o recurso interposto pelo Paysandu. Enquanto isso, a cobrança milionária pesa sobre as já combalidas finanças do clube, que precisa lidar simultaneamente com a pressão de torcedores, a desconfiança do mercado e a realidade dura de seus compromissos trabalhistas.
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