O plano do governo da Alemanha para descriminalizar o cultivo e o uso de maconha no país desapontou empresas, ativistas e organizações da sociedade civil.
O sentimento declarado, tanto pelos clubes que pretendiam se organizar para facilitar o consumo quanto por companhias que esperavam lucrar com a legalização ampla, é de frustração com as medidas limitadas anunciadas pelo governo de Olaf Scholz --o plano não prevê a venda livre em lojas, por exemplo.
A coalizão das três siglas que formam o governo alemão, o Partido Social-Democrata, os Verdes e o Partido Liberal, anunciou no mês passado que pretende apresentar uma legislação de "dois pilares" --como descreveu o ministro da Saúde alemão, Karl Lauterbach, em uma entrevista coletiva ao lado dos ministros da Agricultura e Justiça.
O primeiro pilar deve permitir que maiores de 18 anos cultivem até três plantas da cânabis e possam carregar até 25 gramas de maconha para consumo próprio. Também permite que o cultivo e distribuição em maiores quantidades sejam organizados por social clubs, associações sem fins lucrativos
Essas instituições poderão ser formadas por até 500 pessoas cada uma e só terão permissão de comercializar a droga entre membros. O consumo da maconha em espaços comuns, como acontece nas famosas coffee shops de Amsterdã, na Holanda, não será permitido.
O segundo pilar prevê a criação de "regiões modelo" onde a compra e venda da maconha será liberada em uma região restrita, como um município. Essa fase de testes deve durar cinco anos, de acordo com Lauterbach, para quem o objetivo da medida "é proteger os jovens, combater o mercado ilegal e reduzir a criminalidade. Não queremos criar novos problemas, e sim ajudar a resolver um problema mal resolvido".
O texto que vai ser enviado ao Parlamento ainda não foi publicado, mas de acordo com a imprensa alemã, o documento deve trazer mais restrições: o consumo em público deve ser proibido entre 7h e 20h e também em um raio de 250 metros de escolas, creches e parquinhos infantis.
Ativistas da legalização da maconha que pressionam há anos pela liberação enxergam um plano confuso e sem segurança jurídica. Oliver Waack-Jürgensen, presidente do Cannabis Social Club (CSC) High Ground, de Berlim, diz estar desapontado com as medidas e com a demora.
"O que o governo diz é que vai dar a responsabilidade da distribuição aos CSCs, mas vai restringir o direito de associação", diz. "Nós precisamos da participação de lojas e empresas além dos clubes, porque nós não podemos nem queremos cobrir a demanda de toda a população. Nós estamos aqui para quem não quiser comprar de empresas e para conscientizar sobre cultivo e sobre um consumo saudável."
O CSC High Ground foi criado em outubro do ano passado para se preparar para a legalização, que já estava prevista desde 2021. Na época, logo após as eleições, os partidos que formam o governo assinaram o acordo de coalizão que colocou Scholz no poder. Esse documento, que delineia as prioridades do novo governo e é essencial no modelo parlamentarista da Alemanha, já mencionava a intenção de descriminalizar a maconha.
Mas agora, diz Oliver, o recuo nesses planos mostra uma política "fraca e inconsequente" do governo e do ministro da Saúde. "Ele [Karl Lauterbach] está mal informado e passa informações inconsistentes. Assim não conseguimos trabalhar."
Empresas que se preparavam para a legalização também criticam a atuação do governo na área. "Nos foi prometido muito mais nos últimos anos, nos foi prometida uma legalização de verdade. E o que vemos agora do governo e do ministro Lauterbach é um recuo na direção de organizações não comerciais", afirma Pia Marten, CEO da empresa Cannovum, que vende cânabis para fins medicinais na Alemanha.
Fundada em 2019, a Cannovum é uma das poucas empresas que trabalham com a substância a terem ações na bolsa de valores alemã. De acordo com Marten, a ideia é atrair investidores para entrar no mercado da venda de maconha para consumo próprio --o que não tem previsão de acontecer no país. "Isso causa muita insegurança em investidores e em outros participantes do mercado", diz ela.
"É um passo na direção certa, da legalização total. Mas, a depender de como vai ser regulamentado, o modelo atual cria muitas possibilidades para que o mercado clandestino continue ativo."
Para o juiz Andreas Müller, que atua na corte equivalente ao Juizado da Infância e Juventude na cidade de Bernau, próxima a Berlim, a política de drogas da Alemanha falhou e só serviu para estimular a criminalidade e colocar jovens em risco.
"Jovens são estigmatizados e criminalizados por consumir maconha, mas nós não conseguimos atingir as pessoas que realmente têm um problema com drogas", diz o magistrado.
"Nos últimos 50 anos, meio milhão de pessoas foram presas, e milhões foram condenados ou tiveram problemas com a Justiça [por causa da maconha]. As consequências dessa política para cidadãos comuns e para as famílias são muito piores que as consequências do uso da droga."
Müller faz parte da organização Law Enforcement Against Prohibition, que reúne policiais, procuradores e juízes contra a guerra às drogas. O magistrado já chegou a enfrentar um processo de suspeição por conta de declarações que deu na imprensa a favor da descriminalização --a ação foi arquivada em 2021.
A legalização encontra ainda resistência da oposição, principalmente de regiões mais conservadoras do país, como a Baviera. O governador Markus Söder, uma das principais figuras de direita do país, disse que os planos do governo são um "caminho errado" e um "projeto ideológico". O político do partido CSU aventou a possibilidade de judicializar o caso para impedir a descriminalização da maconha na Baviera.
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