Fruta simbólica para a cultura alimentar da Amazônia, do cupuaçu, tudo se aproveita. Da polpa de aroma e sabor marcante fabricam-se sorvetes, sucos, geleias, licores, entre outros produtos. A folha desidratada se transforma em embalagens, papel rústico e o que mais a criatividade do artesão permitir. A casca também serve de matéria-prima para o artesanato ou volta para ser usada como adubo orgânico no campo. As amêndoas e sua manteiga têm o próprio nicho de mercado e que, de acordo com organismos internacionais, deve movimentar 62 milhões de dólares até 2030. Além disso, assim como outras frutas, ela pode compor os sistemas agroflorestais, permitindo a recuperação de áreas degradadas.
Revista destaca a força do agronegócio para os hambúrgueres
Pensando em como otimizar e dar mais qualidade a essa produção, sem precisar desmatar, a Embrapa acaba de lançar o kit “Cupuaçu 5.0”, com cinco clones e que aperfeiçoa as melhorias que eles já tinham alcançado em 2012, ao lançar o chamado “BRS Carimbó”, ainda muito presente no mercado. As novas cultivares são a “BRS Careca” porque quase não tem pêlo no fruto; a “BRS Fartura”, extremamente produtiva; a “BRS Duquesa”, que tem uma espécie de colar no ponto que une o tronco ao fruto na árvore; a “BRS Curinga”, que produz bem tanto polpa como semente; e a “BRS Golias”, que dá um fruto de maior porte.
De acordo com o pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, Rafael Moysés Alves, melhorista responsável pelas novas cultivares, as características delas são promissoras. “Em termos de produção de fruto, nós vemos uma diferença brutal já entre elas e a ‘BRS Carimbó’ e nem se compara com a média paraense, que é muito em função da utilização de sementes que não tinham sido selecionadas, lá antes do desenvolvimento dos primeiros cultivares pela Embrapa”. Enquanto a produtividade da “BRS Carimbó” é de 8,7 toneladas/hectare por safra; as novas cultivares alcançam até 13,3 toneladas.
O mesmo ocorre com a polpa, com mais de 5 toneladas/hectare, enquanto cultivares anteriores produzem uma média de 3,3 toneladas. “Em relação às amêndoas frescas, que hoje é um mercado até mais interessante que a própria polpa, nós estamos preparados com essas cultivares para atender essa demanda porque há a potencialidade de produzir quase 2 toneladas de amêndoas frescas por hectare, muito superior também à média do ‘BRS Carimbó’ [1,1 toneladas] e a paraense em geral [0,4 toneladas]”, aponta o pesquisador.
Outro componente importante é que os clones apresentam uma resistência maior à vassoura-de-bruxa, praga do campo que atormenta tanto os produtores de cacau, pela qual se tornou mais famosa, como os do cupuaçu; já que os dois frutos vem da mesma família. “Por isso, quando se compra o fruto na feira, você quebra o fruto, porque ele pode estar com a doença lá dentro, ela fica com aspecto escurecido na polpa. Mas é importante dizer que é um material resistente, não é imune. Então o produtor ainda tem que adotar as duas estratégias: material genético e podas fitossanitárias o mais precoce possível”, alerta.
O período de safra que se concentrava entre janeiro e abril também é estendido pelas novas cultivares, podendo ir até o mês de julho. “Como todo mundo produz nesse período [janeiro a abril] é terrível para a indústria, por exemplo, que não tem condição de absorver toda a produção em dois a três meses. Então, procuramos selecionar materiais genéticos que tenham características de ampliar o período de safra, dando também ao produtor a possibilidade de colher os frutos sem precisar haver perdas de armazenamento e há tempo para a indústria ir absorvendo a produção em mais longo prazo”, detalha Rafael Moysés.
Diferente da “BRS Carimbó”, que é propagada por sementes, o kit é propagado vegetativamente, então há a necessidade de preparar uma muda ou usar o broto da planta como porta-enxerto. “Em dois anos, o produtor já tem uma copa totalmente recuperada [da vassoura-de-bruxa] com esse material altamente produtivo e resistente. Por isso que essa tecnologia é interessante. E um detalhe que o produtor tem que ter cuidado é plantar um clone diferente ao lado do outro, para que haja o cruzamento entre eles durante a polinização”, destaca o pesquisador da Embrapa. A instituição disponibilizou três lives gravadas sobre os novos clones, em seu canal no Youtube, detalhando essas questões.
MERCADO
Em relação ao mercado, Rafael Moysés destaca que na Amazônia ainda existe um ciclo vicioso quando assunto são bioativos. O plantador não investe porque não tem indústria para comprar e o industrial não se instala porque não tem matéria-prima a ser oferecida com regularidade, quantidade e qualidade. “Quem pulou fora desse ciclo foi o açaí, porque quando houve uma demanda forte, nós tínhamos um estoque volumoso de açaizais nativos para abastecer esse mercado”, exemplifica.
O kit é um caminho para fornecer essa produção, mas o pesquisador acredita que precisa de mais peças nesse jogo. “A organização ainda é extremamente pulverizada - dos 144 municípios paraenses, têm registro de 102 plantando cupuaçu, mas a quantidade não é tão grande em hectares. Então, tem que ter em primeiro lugar uma organização da produção, ter municípios polos de cupuaçu”, considera.
Além disso, há uma característica que só o cupuaçu e o cacau tem e pode ser explorada, que é tolerar uma certa quantidade de sombra. “Quando você pensa em sistemas agroflorestais, em uma mesma área você pode cultivar uma castanha e colocar o cupuaçu em um estrato inferior, assim você tem a produção dos dois. É isso que a gente acredita que do ponto de vista econômico é interessante. Você vai diversificar a produção e dar mais garantia de entrada de renda para o produtor”.
E ainda entram neste cenário os aspectos ambientais que isso provoca. “É muito mais interessante um sistema agroflorestal que à céu aberto, nesse clima amazônico, de temperaturas elevadíssimas, chuva, umidade alta. E você pode evitar o desmatamento aproveitando áreas que já são de cultivo”, detalha o pesquisador. O agro ambientalista Marcello Brito, CEO da CBKK (Investimentos de Impacto ESG), destaca que esse, inclusive, é um modelo que recupera a antiga vocação amazônica da diversidade e a aprimora para chegar a etapas mais avançadas do agronegócio.
“A gente tem falado muito da ‘Amazônia 4.0’ e tem esquecido das outras. A ‘Amazônia 1.0’ é aquela profunda, que a gente chegava na comunidade e via que o ribeirinho tinha açaí, cupuaçu, cacau nativo, castanha, ervas, uma série de produtos doados pela mãe natureza. Mas por uma estrutura errônea de mercado, a gente começa a dar incentivos para culturas específicas e nós temos um histórico na Amazônia de culturas que vieram com um boom de crescimento e depois desapareceram porque não foi dado o trato adequado. Então o que eu gostaria é de chegar em uma propriedade hoje e identificar que tem 10 a 20 ativos amazônicos ali, que a gente encontrasse mercado real para eles. Para que se mantivesse o mosaico florestal tal qual a natureza produziu ali dentro”.
Para o empresário esse é um reflexo não só do cupuaçu, mas de quase toda a cadeia bioeconômica da amazônia, com raras exceções. “Nós precisamos nos atentar a essa ‘Amazônia 1.0’, dar o tratamento adequado, comercial, de compliance, de governança pública, de governança privada, organizar as cadeias de suprimento para assim a gente poder crescer para o 2.0 em diante. Eu adoraria estar no 4.0, vendendo carbono, usando nanotecnologia aplicada, só que nada mais longe da nossa realidade. Agora o espaço que a gente tem para trabalhar essa nossa Amazônia 1.0 e 2.0 é gritante e carece urgentemente de uma somatória de forças do setor público e privado. Lamentavelmente, não anda na velocidade que queríamos, mas está apontando para o sentido correto”, considera.
Em números
O Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA), do IBGE em parceria com a SEDAP-PA, apontou, em 2019, que o volume de cupuaçu produzido no Pará em 2018 foi de mais de 27 mil toneladas. E que a mesorregião do nordeste paraense concentra a maior parte dessa produção, com destaque para os municípios do Acará (3,1 mil toneladas), Tomé-Açu (2,5 mil toneladas) e Moju (2,4 mil toneladas).
Com o aumento da demanda por produtos de origem vegetal, o mercado global de manteiga de cupuaçu estima atingir 62 milhões até 2030, de acordo com uma pesquisa do Transparency Market Research, de 2020.
Serviço
O kit “Cupuaçu 5.0” pode ser encontrado na Embrapa Amazônia Oriental - Setor de Implementação e Programação de Transferência de Tecnologias (SIPT).
E-mail: [email protected]
Telefone: (91) 3204-1000 / 3204-1165.
Seja sempre o primeiro a ficar bem informado, entre no nosso canal de notícias no WhatsApp e Telegram. Para mais informações sobre os canais do WhatsApp e seguir outros canais do DOL. Acesse: dol.com.br/n/828815.
Comentar