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'Teremos o março mais triste de nossas vidas', afirma pneumologista da Fiocruz

17 estados brasileiros têm ocupação em hospitais acima de 80%, um nível considerado crítico

Imagem ilustrativa da notícia 'Teremos o março mais triste de nossas vidas', afirma pneumologista da Fiocruz camera Divulgação

Segundos dados das secretarias estaduais de saúde, além dos 17 estados brasileiros com ocupação de enfermarias e leitos de UTI acima de 80%, em oito estados as taxas ultrapassam 90%, níveis considerados críticos. No Rio Grande do Sul, por exemplo, o número chegou a 100%.

Com base nesses números, a pneumologista Margareth Dalcolmo, professora e pesquisadora da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), no Rio de Janeiro, se diz preocupada. Questões como: Onde ficarão essas pessoas que precisam de atendimento? E como poderemos conter essa avalanche de novos casos que põe em xeque o sistema de saúde e poderia afetar até mesmo a estabilidade social do país? O que fazer para se proteger num momento tão crítico? são dúvidas recorrentes da população.

Margareth Dalcomo recebeu em janeiro a dose da vacina Oxford/AstraZeneca na Fiocruz
📷 Margareth Dalcomo recebeu em janeiro a dose da vacina Oxford/AstraZeneca na Fiocruz |Tomaz Silva/Agência Brasil

Em entrevista à BBC News Brasil, a médica, que se tornou uma das vozes mais ativas e influentes da ciência brasileira durante a pandemia, analisa como chegamos até esse estágio da pandemia e o que pode ser feito a partir de agora para aliviar a crise sanitária.

Leia os principais trechos a seguir:

BBC News Brasil - Nos últimos dias, acompanhamos notícias de diversas cidades com lotação em hospitais e colapso dos sistemas de saúde. Como classifica o atual estágio da pandemia de covid-19 no Brasil?

Margareth Dalcolmo - Nós estamos num momento muito grave da pandemia no Brasil, com um recrudescimento já materializado daquilo que consideramos uma segunda onda. Isso não nos surpreende, uma vez que as medidas de controle sanitário não foram só controversas, mas também ineficientes por um longo tempo. Nós sabemos também que a única solução possível para controlar a pandemia será a vacinação, e a campanha está apenas no início, numa velocidade muito aquém do desejável.

Para completar, não temos observado um comportamento de solidariedade, não só de todos os cidadãos, mas também de nossas autoridades políticas. Não vemos aumentar uma consciência cívica do que é preciso fazer neste momento, apesar do cansaço de um ano de pandemia. Seria necessário todos nós mantermos comportamentos individuais e coletivos de muito cuidado, com uso de máscara e distanciamento social. Já manifestei de que precisamos de medidas mais drásticas, com o fechamento de muitos serviços, para diminuir a circulação de pessoas e reduzir a transmissão viral.

A nossa grande preocupação hoje está no fato de que a transmissão viral é o grande mecanismo propiciador do aparecimento de novas variantes. E, considerando que já estamos enfrentando as primeiras mutações, precisamos responder a isso com estudos, com vigilância genômica. Precisamos entender se as vacinas utilizadas agora são capazes de nos proteger contra essas variantes. E, sobretudo, precisamos colaborar enquanto sociedade para não criar um cenário que propicie o aparecimento de novas versões do coronavírus.

BBC News Brasil - Desde novembro de 2020, acompanhamos uma série de eventos que provocaram grandes aglomerações. Foi o caso das eleições municipais, das festas do final de ano, do Enem e agora do Carnaval. Algum desses episódios foi decisivo para chegarmos a crise de agora? Ou foi uma conjunção de fatores?
Dalcolmo - Foi realmente essa conjunção de fatores provocada por uma falta de entendimento do discurso dos cientistas, dos médicos e dos pesquisadores, que sempre estimularam uma consciência cívica coletiva, de solidariedade. A covid-19 mudou de lugar no Brasil e começou a entrar em nossas casas. Nós vemos agora pessoas que ficaram um ano em isolamento pegando a doença. Como isso é possível? Os jovens daquela família estão indo para as ruas e trazendo o vírus de volta.

As festas de final de ano foram trágicas. Eu mesma me manifestei diversas vezes dizendo que o Brasil teria o mais triste janeiro de sua história. E realmente tivemos, inclusive com o aparecimento da variante brasileira, identificada na família que viajou ao Japão vinda do Amazonas.

E agora eu não tenho dúvida de que teremos o mais triste março de nossas vidas. Isso é resultado do Carnaval e do descompasso entre o que nós, cientistas, dizemos, e o que as autoridades afirmam. Nos últimos dias, ouvimos que não é pra usar máscaras. Não há dúvidas, está demonstrado que a máscara é uma barreira mecânica que protege quem usa e todo mundo ao redor.

Todos esses fatores, somados ao cansaço de uma pandemia tão longa, geram um comportamento que tem se mostrado desastroso. O que vemos agora então é uma pressão enorme sobre o sistema de saúde, que sofre com uma taxa de ocupação de leitos acima de qualquer nível desejado em hospitais públicos e privados.

Junto a isso, há outro fator muito grave: a covid-19 se rejuvenesce no Brasil. Hoje vemos muitos jovens internados, que desenvolvem casos graves. Esses indivíduos têm uma força de transmissão enorme, porque eles se aglomeram, cantam, falam alto e repetem todos aqueles comportamentos que sabemos serem decisivos para transmitir uma doença viral respiratória.

BBC News Brasil - Na primeira onda, Manaus foi a primeira cidade brasileira a sofrer com a pandemia, em meados de abril de 2020. O mesmo se repetiu agora: a capital amazonense "antecipou" algo que veríamos ocorrer dali a algumas semanas em vários outros lugares. O que faz Manaus ser essa espécie de "medidor" da pandemia do país?

Dalcolmo - Eu não diria que Manaus é um medidor. A situação do Amazonas e de toda região Norte é muito particular. Manaus é uma cidade afastada, de difícil acesso, e teve um pico epidêmico precoce, muito antes do Sul e do Sudeste. Aqui, nós vimos o auge da primeira onda no final de junho, começo de julho. Manaus sofreu isso em abril. É preciso pensar que ali é Zona Franca, com um fluxo enorme de pessoas.

O que aconteceu foi que a covid-19 chegou, atingiu uma grande proporção da população de baixa renda e causou aquela tragédia de túmulos em cemitérios sendo abertos a toque de caixa. Mas era natural que essa imunidade conferida pela doença não fosse muito duradoura. O Amazonas nunca tomou medidas drásticas de fechar escolas, comércio ou fazer lockdowns.

Portanto, esperava-se que toda essa situação eclodisse, ainda mais com o surgimento de uma nova variante, que logo se expandiu para todo o Brasil. Manaus tem um fluxo de voos que diminuiu, mas continua acontecendo até hoje. Logo, não é de se estranhar que a variante brasileira esteja no Reino Unido e a variante britânica se encontre no Brasil. Diante de tudo isso, Manaus se tornou um paradigma de tudo aquilo que nós desejaríamos que não acontecesse.

A situação por lá foi agravada pela desídia administrativa. Não é possível que uma cidade como Manaus tenha um único fornecedor de oxigênio, sabendo que a logística de entrega é muito complexa. Se a mesma crise se abatesse sobre o Rio de Janeiro, onde a letalidade e a taxa de transmissão da covid-19 está alta, dificilmente teríamos problema igual, porque aqui nós não dependemos de um fornecedor de oxigênio só, temos quatro ou cinco.

Por fim, a pandemia em Manaus revela a absoluta e intolerável desigualdade social do Brasil. Porque quem morre no Amazonas é pobre e indígena. A classe média alta foi embora se tratar nos hospitais do Sudeste. A quantidade de jatos privados que foram alugados por 150 mil reais em Manaus para trazer pacientes para o Rio de Janeiro e São Paulo é enorme e isso está registrado.

A covid-19 é um marco em lugares como o Brasil e os Estados Unidos. Em Nova York, 40% dos óbitos pela doença aconteceram com pretos e pobres. A mesma coisa se repete aqui. Nós podemos dar inúmeros exemplos das medidas sanitárias necessárias para conter a crise, mas todas elas precisam ser coerentes e ter ligação com a questão social do país e das nossas desigualdades.

BBC News Brasil - Ainda no campo das medidas restritivas, governadores e prefeitos têm anunciado toques de restrição e fechamento de comércios à noite e durante a madrugada. Estratégias como essa fazem algum sentido?

Dalcolmo - Na forma como elas estão sendo propostas, não vão resolver nada. Por que fazer o fechamento e impedir a circulação entre meia noite e cinco da manhã? Nesse horário já não há gente na rua. E quem foi festejar, se aglomerar, beber e fazer tudo de errado, já fez. Essa é uma medida pouco eficaz.

Estou totalmente de acordo com o professor Miguel Nicolelis, que em entrevistas recentes disse que o Brasil precisaria de um lockdown de duas semanas bastante rígido para interceptar as cadeias de transmissão do coronavírus.

O Brasil nunca fez um lockdown adequado. Nunca conseguimos alcançar a taxa de 60% da população em casa, que seria um número desejável. Quem mais chegou perto disso foi São Paulo, com 58% de distanciamento social por momentos muito breves. Aqui no Rio de Janeiro não conseguimos.

E agora há esse descompasso entre o que a ciência diz e o cansaço generalizado de uma pandemia longa, com a economia tão machucada. Mas as pessoas precisam entender que não tem jeito. Se não tomarmos cuidado por algum tempo e não começarmos uma vacinação em massa, a situação só vai piorar.

Precisamos vacinar 70% de nossa população até o meio do ano. Não é pra setembro. É para junho. Caso contrário, vamos propiciar as condições para o aparecimento de outras variantes. Também precisamos de um investimento pesado em vigilância genômica, para que possamos ter certeza que as vacinas produzidas pelos dois institutos públicos brasileiros, o Butantan e a Fiocruz, são realmente efetivas contra as novas variantes.

BBC News Brasil - Falando em vacinação, o Brasil tem um sistema público muito bem estabelecido e uma capacidade histórica de imunizar 80 milhões de pessoas em poucos meses. Mas quando analisamos a campanha contra a covid-19, o ritmo está muito lento. Quais são os gargalos que não permitem a gente acelerar esse processo?

Dalcolmo - O primeiro deles é óbvio: não tem vacina. Se nós tivéssemos as milhões de doses que precisamos, bastava ter agilidade. E o nosso velho, tradicional e competente Programa Nacional de Imunizações tem uma enorme experiência em vacinar, quando é somado com essa capilaridade espetacular do Sistema Único de Saúde, o SUS. Seríamos capazes sim.

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