Cristian Almeida, 21, empilhava sacos de ossos no balcão enquanto Marcos Vinícius, 27, atendia os clientes que não paravam de chegar ao açougue de um supermercado no Parque Presidente Vargas, periferia de Fortaleza, no final da tarde de uma quarta-feira, dia destinado a promoções de carnes.
A pandemia e a crise econômica mudaram o comportamento dos açougues na capital do Ceará. Aqueles que antes doavam ossos passaram a vendê-los. Quem já comercializava, aumentou o preço do produto, diferenciando valores do "osso de primeira" e do "osso de segunda".
O aumento da procura por ossos no país vem na esteira da alta do preço da carne, assim como de outros alimentos, e do desemprego em nível elevado. Cenas pelo país chamaram a atenção, como a de ossos disputados no Rio.
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No açougue do Parque Presidente Vargas, Isabel Rodrigues, 39, optou por um saco com desossas de boi, que estava sendo vendido a R$ 3,50 o quilo.
A diarista explica que os pratos com ossos viraram rotina na mesa da família devido aos altos preços das carnes. "Quando a gente tem sorte, pega uns com carninha. Levo sempre para fazer sopa, colocar no feijão. Mesmo tendo essas placas com promoção, não dá no meu orçamento. E até o osso está ficando caro."
A reportagem percorreu supermercados, frigoríficos e açougues das 12 regionais de Fortaleza, entre os dias 27 e 29 de outubro.
O valor do osso varia de acordo com o bairro e a categoria. Ele pode ser encontrado sem distinção ou com definição de primeira, segunda e até de terceira, dependendo do estabelecimento.
Na região onde Isabel mora, por exemplo, o osso liso, aquele que não contém carne nem gordura, custa entre R$ 3,50 e R$ 5 o quilo. Na Barra do Ceará, o valor é de R$ 2,50 o quilo. Nas regiões de Messejana, Centro, José Walter e Mucuripe, o item custa em média R$ 10 o quilo.
No Grande Bom Jardim e região do Conjunto Ceará, surgem outras categorias. O osso de segunda, que é aquele que pertence a uma carne nobre, como alcatra, tem a mesma média de valor nos dois lugares, R$ 10,99 o quilo.
O osso de primeira, chamado de "cozidão", que contém resquícios de carne e gordura, custa R$ 17,99 o quilo. O termo "cozidão" também está presente no Conjunto Esperança e José Walter, custando R$ 19,99 e R$ 24,99 o quilo, respectivamente.
Everton da Silva, do Sindicarnes-CE (Sindicato do Comércio Varejista de Carnes Frescas do Ceará), diz que o aumento do preço da carne pressionou a população a buscar alternativas para o consumo de proteínas.
"As pessoas estão evitando comprar carne vermelha, porque não aguentam mais o aumento no preço. Então, vão buscando outras proteínas, consumindo mais frango ou suíno", diz Silva.
Everton destaca que o aumento do valor do osso foi impulsionado pelo crescimento da demanda durante a pandemia. "O preço do osso aumentou, porque antes não tinha demanda. A quantidade de carnes com ossos, que chegavam aos estabelecimentos, era muito pouca e, hoje, essa mesma quantidade não supre mais. A procura puxa o preço".
O preço das carnes acumula alta de 22% em 12 meses até outubro, de acordo com o IPCA-15, prévia da inflação. Os valores também têm afetado pequenos comerciantes.
O pequeno açougue de Francisca de Assis, 71, que funciona na frente de casa, em Praia do Futuro, não registrava venda de carne há dois dias. "Está muito difícil. As pessoas não têm dinheiro e a gente fica sem saber como manter o comércio", conta.
Francisca possui 3 kg de carne para vender. Além da proteína, comercializa ossos nas quartas-feiras —como a procura é grande, o produto acaba logo pela manhã. "Os ossos, antigamente, eu dava, mas hoje, vivendo só da aposentadoria e precisando pagar as contas, estou cobrando".
Caso não consiga vender as carnes, Francisca pretende doar uma parte a alguma família do entorno do bairro para não estragar. "Tem muitos passando fome. Muita gente me pede uma ajuda. Eu sempre dou alguma coisa, mas não consigo ajudar todo mundo", lamenta.
Denilson Araújo, 35, lembra que, antes da pandemia, chegavam pessoas de outros bairros para a compra de carnes na banca, que monta toda semana na feira do Apolo XI, no Conjunto Esperança.
Até o meio-dia de uma sexta-feira, ainda não tinha conseguido clientes. "Já perdi o dia. Se não chegaram até agora, não vêm mais", desabafa. Em um corredor que se estende por cinco quarteirões, Denilson é o único que vende a proteína.
No contexto da pandemia, a fome tornou-se ainda mais evidente, com mais de 19 milhões de brasileiros enfrentando insegurança alimentar grave, segundo último inquérito da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar.
Foi um acréscimo de quase 9 milhões de pessoas com fome em relação a 2018. A região Nordeste é a mais atingida, com quase 7,7 milhões.
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