Uma carta aberta e um abaixo-assinado documentam a insatisfação de cinco comunidades da Vila Prudente, na zona leste de São Paulo, contra a decisão da Igreja Católica de afastar o padre Ivanildo de Assis Mendes Tavares, 39, de suas funções religiosas.
A decisão, assinada pelo cardeal Dom Odilo Pedro Scherer, arcebispo de São Paulo, proíbe o padre Assis de celebrar os sacramentos publicamente e de exercer qualquer função sacerdotal na Arquidiocese de São Paulo.
Nascido em Cabo Verde, negro e com cabelos no estilo dread, o padre é conhecido pela proximidade com os moradores das favelas da Vila Prudente e com imigrantes, pelo trabalho religioso que realiza em presídios e por defender causas como a dos movimentos negros e LGBTQIA+.
Ele foi punido, segundo o documento da arquidiocese, por ter participado de um casamento comunitário sem autorização da igreja realizado no dia 22 de outubro em Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo. Padre Assis é acusado de "simulação de sacramento".
"Observe-se que na celebração do casamento em questão estavam presentes, com participação ativa, representantes de outras denominações religiosas, o que não está previsto na forma canônica para a celebração do sacramento do matrimônio", diz trecho do documento assinado por Dom Odilo.
Em outro trecho, há a afirmação de que a cerimônia teve a presença de casais impedidos de contrair o matrimônio católico por causa de "vínculos anteriores, além de três casais homoafetivos".
O casamento comunitário foi organizado pela Prefeitura de Franco da Rocha em um ginásio de esportes. Foi a 15ª edição desse tipo de evento na cidade. Além de oficializarem as uniões civis, os casais receberam uma bênção inter-religiosa. Estavam presentes o padre Assis, a yalorixá Tania ti Oyá, o pastor Sérgio Cunha e o kardecista José Lúcio Arantes.
Segundo Assis, o fato de ter abençoado três casais homoafetivos gerou reclamações à cúpula da igreja, como se ele tivesse celebrado um casamento gay. "Só fiz uma bênção. Como benzo cachorro, benzo gato, benzo carro. Então eu benzi pessoas", diz o religioso.
Após uma conversa com Dom Odilo, ele foi suspenso. Antes de viajar para Cabo Verde, onde ficará de férias até março, o padre escreveu uma carta de agradecimento pela solidariedade recebida e deixou claro o que pensa sobre a punição.
"Estamos discutindo uma coisa bem séria, pois podemos ordenar pessoas homoafetivas, mas não podemos abençoá-las", afirmou no texto. "Eu, nos meus 20 e poucos anos de caminhada, conheci seminaristas, padres, bispos e cardeais homoafetivos. Via e vejo pessoas que amam, que se dedicam, que se doam totalmente em prol do reino de Deus. Se amanhã quiserem construir famílias e ter uma relação assumida, não terão direito a uma bênção oficial da madre Igreja Católica Apostólica Romana".
O religioso escreveu também que prefere contar aos sobrinhos que foi suspenso por benzer pessoas do que por roubar a igreja, ser acusado de pedofilia, ter engravidado alguém ou separado famílias.
Desde que a punição foi divulgada, no final de novembro, ele recebe a solidariedade de moradores da Vila Prudente. A casa paroquial, que está prestes a deixar, está sempre cheia de amigos que o religioso conquistou desde que chegou ao bairro, em 2013.
A carta aberta em protesto contra a punição é assinada pelas comunidades católicas São José Operário (favela da Vila Prudente), Nossa Senhora Aparecida (favela Jacaraípe), São Francisco de Assis (favela Ilha das Cobras), Nossa Senhora das Graças (favela Haiti) e Santa Terezinha do Menino Jesus (favela da Sabesp).
Padre Assis faz parte da Congregação Missionários do Espírito Santo. Antes de São Paulo, já viveu em Lisboa, Tefé (no Amazonas) e em Paris. Foi para a Vila Prudente auxiliar o padre Patrick Clarke, missionário irlandês e um dos fundadores do Movimento de Defesa do Favelado.
Ele tinha "uso de ordem" da Arquidiocese de São Paulo, uma permissão para exercer as funções religiosas na cidade, e que agora foi retirada.
Nas comunidades da zona leste, os missionários atuam em uma creche, em um centro cultural que oferece aulas para as crianças da região e em um centro de reciclagem.
Padre Assis costuma dizer que o Jesus dele "é black, cola com os manos, pisa nos becos e nas vielas". Em entrevista recente ao músico João Gordo, contou que perdeu as contas de quantas vezes foi parado pela polícia e chamado de maconheiro antes de se identificar como padre. "Acho que minha pele incomoda".
Segundo a Arquidiocese de São Paulo, a medida cautelar aplicada no caso está prevista nas normas da Igreja Católica quando há uma irregularidade grave do ponto de vista religioso.
A instituição explica que o que causou a medida foi o possível delito canônico de "simulação" de um casamento, pois não houve o encaminhamento da celebração das uniões e não foi realizado o processo matrimonial, como determinam as normas eclesiásticas.
Em nota, a arquidiocese afirmou que o padre não poderia celebrar sem a autorização do bispo ou do pároco local. Também não poderia fazer a celebração junto com representantes de outras religiões sem receber uma "dispensa" para isso.
"Tratava-se de uma cerimônia coletiva de casamento civil e não de uma simples bênção. As pessoas que estavam lá desejavam se casar e não apenas receber uma bênção", diz a nota.
Segundo a igreja, a retirada da ordem ao padre poderá ser revertida após os fatos serem esclarecidos e "a depender da aceitação do sacerdote de observar as normas da igreja".
A presença de casais homoafetivos não foi citada na nota enviada à reportagem.
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