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ENTREVISTA

Marina Silva: petróleo na Amazônia não põe governo em xeque

Em entrevista, a ministra Marina Silva fala sobre a importância de investir em energia 100 % limpa e destaca que exploração de petróleo na Foz do Amazonas não coloca o governo atual em xeque

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Imagem ilustrativa da notícia Marina Silva: petróleo na Amazônia não põe governo em xeque camera Marina Silva falou sobre os desafios ambientais do mundo | Lula Marques / Agência Brasil

A ministra do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, Marina Silva, diz que o Brasil tem o dever de investir em energia completamente limpa e afirma que o debate sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas é uma contradição inerente ao momento de transição energética.

"[A exploração da Foz] não coloca [o governo em xeque], porque a humanidade ainda não tem como prescindir do uso das fontes de geração de energia fóssil. Agora, os países que podem reduzir ao máximo essa fonte de geração, como é o caso do Brasil, que pode ter uma matriz energética 100% limpa, devem fazer os investimentos", afirma à Folha.

O petróleo deve ser um dos principais debates entre os países da Cúpula da Amazônia, nos próximos dias 8 e 9, ao lado da discussão sobre a urgência da preservação da floresta a fim de evitar um ponto de não retorno —desequilíbrio irreversível que pode levar o bioma a um processo de savanização.

Durante as negociações para o evento, o governo Lula (PT) se esquivou do compromisso, proposto pela Colômbia, de interromper novas frentes da exploração fóssil, enquanto internamente vê ministros e aliados defendendo a perfuração da margem equatorial, mesmo após a negativa do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

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"Cada país tem uma dinâmica própria. A Colômbia está falando de parar [de usar fontes fósseis], mas não tem falado de desmatamento zero, como o Lula tem. É muito ousado falar de [não] exploração de petróleo, mas é igualmente ousado falar de desmatamento zero", diz Marina.

Confira a entrevista:

P. - Quão rígido precisa ser o acordo para evitar que cheguemos ao ponto de não retorno?

M.S. - Há cientistas que dizem que estamos entre 19% a 20% da remoção da cobertura vegetal [original] da Amazônia, e que não se pode ultrapassar 25%. Não temos como afirmar matematicamente que é 25%, mas não vale a pena arriscar além disso, porque, se de fato for, não haverá mais o que fazer.

Estamos em uma linha muito comprometedora. Quando somamos fatores antrópicos com naturais, como o El Niño, temos uma química muito complicada para fazer esse enfrentamento das mudanças climáticas. Não basta vontade política, é preciso ter os instrumentos econômicos para incentivar a transição energética.

P. - Os países deveriam se comprometer em diminuir ou parar a exploração de petróleo na Amazônia?

M.S. - Cada país tem uma dinâmica própria. A Colômbia está falando de parar [a exploração de petróleo], mas não tem falado de desmatamento zero, como o Lula tem. É muito ousado falar de não exploração de petróleo, mas é igualmente ousado falar de desmatamento zero. Cada país vai por um caminho, são suplementares.

Sobre matriz energética, o mundo está fazendo esse debate. A COP [Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática] 28 vai acontecer em uma região [Dubai] de altíssima exploração de petróleo.

O Brasil é privilegiado. Temos um vetor [de emissão de gases de efeito estufa], o desmatamento, que se resolvido, reduz em torno de 53% das nossas emissões. Que país pode fazer isso? Mas não nos contentamos apenas com essa redução, queremos também no setor elétrico, de transportes, nos diferentes vetores que promovem a mudança do clima.

P. - Aliados importantes de Lula defendem a exploração da Foz do Amazonas. Isso não coloca em xeque o discurso sustentável do governo?

M.S. - Não, porque a humanidade ainda não tem como prescindir do uso das fontes de geração de energia fóssil. Agora, os países que podem reduzir ao máximo essa fonte de geração, como é o caso do Brasil, que pode ter uma matriz energética 100% limpa, devem fazer os investimentos. As opiniões divergentes do Congresso ou até mesmo de setores dentro do governo fazem parte da contradição que o mundo vive em relação a essa transição. O mais importante é que o presidente Lula já estabeleceu a transição climática como prioridade.

P. - A exploração da Foz pode servir para financiar a transição energética?

M.S. - A Petrobras tem que ser uma empresa de geração de energia, essa é uma transição da própria instituição. Agora, o que vai definir a estratégia é a discussão do Conselho [Nacional] de Política Energética [presidido pelo ministro de Minas e Energia e que tem participação de outros integrantes da Esplanada]. Transição significa que você ainda está em determinada frequência, mas já está mudando para outra, não é um processo de ruptura abrupta.

P. - Se o Brasil está comprometido com a pauta ambiental, por que não aceita as exigências da União Europeia para o acordo Mercosul?

M.S. - Não aceita porque o Brasil já está comprometido em cumprir e o que está sendo cumprido. Julgamos que é suficiente.

O acordo praticamente foi selado no governo Bolsonaro, que não tinha nenhum compromisso com a agenda climática. O governo Lula tem. O que estamos dizendo é: a União Europeia pode ter seus mecanismos para aferir, mas quem vai dizer se o desmatamento é legal ou ilegal são os dados produzidos pela ciência brasileira. É nesse sentido que estamos dialogando. O dever de casa estamos fazendo, e ele precisa ser reconhecido: houve uma mudança substantiva e a União Europeia sabe disso.

Quando o processo de negociação é reaberto, os interlocutores sempre vão colocar novas questões. É da dinâmica dos acordos multilaterais. Caberá ao Brasil, com altivez e senso de responsabilidade, preservar seus legítimos interesses.

P. - Qual a importância deste segundo semestre para a agenda internacional e ambiental do Lula?

M.S. - O Brasil vive a convergência de oportunidades e responsabilidades. Sediar a COP 30 [em 2025], dar desdobramento à Cúpula da Amazônia, assumir a liderança do G20. Teremos três países em desenvolvimento seguidos à frente do G20: Indonésia, Índia e, agora, o Brasil. Qual é o legado que deixaremos depois de liderar as 20 maiores economias do mundo, que são responsáveis por mais de 80% das emissões do planeta?

Talvez a maior contribuição que se pode dar é quebrar a lógica dos consensos ocos: todas as maiores economias do mundo estão favoráveis a não ultrapassar 1,5°C na temperatura da Terra, concordam que as desigualdades sociais são inaceitáveis, são favoráveis a fazer uma cooperação que ajude os países em desenvolvimento a não sofrerem as consequências indesejáveis da transição climática. Mas quando a gente soma os resultados desses enunciados, a conta não fecha.

A gente não pode estabelecer que estamos todos de acordo para ter o conforto de não fazer nada. Essa incoerência talvez só os países em desenvolvimento possam deixar mais evidente.

P. - Os países desenvolvidos precisam fazer mais?

M.S. - Falta compromisso ético para fazer a transição. Não há como se adaptar se continuarmos em plena atividade com os vetores que causam o aquecimento global. Queremos liderar pelo exemplo, e ao liderar pelo exemplo, podemos constranger eticamente aqueles que podem mais e estão fazendo menos.

P. - A força da bancada ruralista no Congresso ameaça pautas ambientais como a transição energética, a regulamentação do mercado de carbono ou a autoridade climática?

M.S. - Não é só a autoridade climática que está em discussão. E há uma dificuldade do Congresso em criar novas estruturas. Nas coisas que são essenciais para o país, tem sido um manejo difícil, complexo, mas temos conseguido o essencial.

Pelo que sinto, há um desejo [de que isso avance], inclusive da parte do Congresso que não tem alinhamento com o governo. Vamos abrir espaços de convergência para que o Brasil não fique trancado pelo lado de fora.

P. - No saldo dessas negociações políticas do Congresso, podem acabar avançando pautas como o projeto dos agrotóxicos, do licenciamento ou do marco temporal?

M.S. - Há um debate de várias questões sensíveis no governo, nem sempre é possível uma convergência total. Em relação à lei do agrotóxico, estamos no caminho de construir alternativas, dialogando com o Congresso.

P. - É possível aprovar um projeto dos agrotóxicos ou do licenciamento que não sejam derrotas ambientais?

M.S. - Trabalhamos para isso. Ao invés de ser uma derrota ambiental, que seja um ganho nacional, para o meio ambiente, para a agricultura, para todos os setores. Por que temos que trabalhar com a lógica de derrotar uma área, que é a grande vitória para todo mundo? Fizemos o Plano Safra para ser a base de transição para a agricultura de baixo carbono. Isso atrai investimentos, abre cada vez mais os mercados, é bom para todo mundo.

P. - E no caso de obras de alto impacto, como a BR-319 ou a Ferrogrão, que devem estar no novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento)?

M.S. - Está sendo feito um esforço muito grande para que a ideia de uma política ambiental transversal se transforme em realidade. Todos que trabalharam no novo PAC estão com esse termo de referência: priorizar o controle do desmatamento e a mudança do modelo de desenvolvimento. Aquilo que é polêmico é tratado com um olhar mais cuidadoso. No governo passado do presidente Lula, por exemplo, Belo Monte foi encaminhado para estudos e era um projeto polêmico.

P. - Mas Belo Monte causou um grande impacto. Essas outras avançando, não pode acontecer o mesmo?

M.S. - Você usa no gerúndio: 'Elas avançando'. Posso dizer, também no gerúndio: o governo, até agora, está avaliando. Estamos discutindo, com esse olhar da agenda ambiental da transversalidade, da busca por um modelo novo de desenvolvimento. Estamos avançando.

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