Há mais de cem anos os ancestrais quilombolas da comunidade Rio Preto, no Tocantins, são enterrados no cemitério Campo Santo. Agora o local poderá se tornar um sítio Arqueológico.
O governo do estado e o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) visitaram a região na última semana para coletar informações.
No passado, as lápides eram construídas com pedras pela própria comunidade. Atualmente, o método não é mais utilizado, mas ainda é possível encontrar as antigas lápides e os túmulos envoltos em árvores.
Apesar disso, o cemitério não possui nenhum tipo de proteção histórica ou cultural oficial. Somente a comunidade cuida do local. Os quilombolas afirmam que vem sendo alvo de ataques por conta da disputa de território com fazendeiros da região.
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Na última semana de setembro, tiros foram disparados contra o quilombo e uma casa foi incendiada. A Secretaria da Segurança Pública do Tocantins afirma que reforçou o policiamento no local e que está investigando as ocorrências.
O quilombo do Rio Preto está em processo de reconhecimento na Fundação Cultural Palmares desde o dia 27 de setembro deste ano. Existem registros de ao menos seis gerações vivendo no local. São 60 famílias e cerca de 300 quilombolas, dos quais mais de 60 são crianças.
"A região do Campo Santo é uma região em que os nossos antepassados estão todos sepultados lá. Esses túmulos de terra feitos lá são [de pessoas] que eu nem cheguei a conhecer, meus avôs, bisavôs, muita gente", diz José Tomaz Lopes, 43. O agricultor é filho de Alfredo Pereira da Silva, 81 anos, um dos mais antigos residentes da região.
A principal atividade econômica da comunidade é a agricultura familiar, com o cultivo de arroz, mandioca, maxixe, quiabo, entre outras culturas, além do extrativismo e da pesca.
Segundo Ana Mumbuca, diretora de Proteção aos Quilombolas do Governo do Tocantins, a Secretaria dos Povos Originários e Tradicionais convidou o Iphan para realizar o estudo para tornar o local um sítio arqueológico. Isso garantiria maior proteção para o cemitério.
"Estive pessoalmente e foi perceptível que é extremamente singular, por se tratar da preservação da memória ancestral de um povo. Esta memória foi guardada e marcada em um local denominado Bom Jardim, são lápides esculpidas de pedras. Marcando assim a memória dos primeiros africanos a chegarem naquela região", diz.
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A preservação dos cemitérios faz parte da cultura local, cujos rituais são mantidos pelas famílias. "Enquanto a gente puder, vamos passar de geração a geração, porque isso tem um impacto sagrado para nós", diz a presidente da Associação Quilombola Rio Preto, Rita Lopes dos Santos, 34.
Além do cuidado com a área, os moradores também compartilham ritos ancestrais como a festa de santo, o bendito —orações em formato de cantigas—, o lundu, dança africana com significado espiritual, e dos trabalhos agrícolas.
"Estamos sem proteção", diz José. "Depois de tanto conflitos ameaçando, indo na nossa casa, dando tiros fazendo o que podiam fazer, que achavam que tinha direito de fazer, a gente se sente um pouco meio oprimido".
O agricultor relata ainda que sua família já recebera propostas para vender o terreno. Casas queimadas, tiros, cercas derrubadas, ameaças armadas fazem parte das coerções feitas pelos fazendeiros nos terrenos, conforme relatam os moradores.
Ainda de acordo com eles, os fazendeiros passaram a invadir a região desde o início da pandemia, o que foi intensificado a partir da metade de 2023.
"No papel a gente tem a posse provisória da terra, mas mesmo assim nada mudou", diz Rita.
Em setembro deste ano, os apelos por proteção à área foram levados pela Associação da Comunidade Rio Preto em reunião com representantes do governo estadual e federal.
A Secretaria estadual dos Povos Originários e Tradicionais afirma que realiza o mapeamento social do território e o apoio a abertura do processo para seu reconhecimento como comunidade quilombola pela Fundação Palmares.
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