O ex-PM Ronnie Lessa vai a julgamento nesta quarta-feira (30) no TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) pelo homicídio da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes ainda com mistérios a serem esclarecidos sobre seu passado, mesmo após assinar uma delação premiada.
Apontado pela Polícia Federal como um assassino de aluguel, Lessa afirma que Marielle foi a única pessoa que ele matou por dinheiro.
Essa contradição entre investigadores e delator tem sido tema de outra ação penal, que julga os supostos mandantes do crime. As defesas de Domingos Brazão, Chiquinho Brazão e Rivaldo Barbosa, réus no STF (Supremo Tribunal Federal), afirmam que o delator mente tanto sobre seu próprio passado como sobre o envolvimento dos acusados no crime.
"Essa ideia foi difundida pela Polícia Civil há mais de 15 anos. Me chamaram umas três vezes na delegacia por causa da morte do [bicheiro] Rogério Mesquita. No final, com um detetive, inspetor, nós batemos boca e a partir daí eu virei um matador de aluguel", disse o ex-PM em audiência no STF.
Lessa acompanhará o julgamento no TJ-RJ do Complexo Penitenciário de Tremembé (SP), para onde foi transferido após firmar delação. O acordo prevê o cumprimento de pena em regime fechado até março de 2037. A reunião das penas nos 12 processos a que ele responde será feita pelo juízo de execução penal.
O ex-PM Élcio Queiroz, também colaborador da Justiça, confirmou ter dirigido o carro usado na execução do assassinato de Marielle. Ele assistirá à sessão do júri do Centro de Inclusão e Reabilitação em Brasília. Os detalhes de seu acordo não são de conhecimento público.
Os dois confessaram ter perseguido o carro em que Marielle, Anderson e a ex-assessora Fernanda Chaves estavam no dia 14 de março de 2018 até Lessa disparar uma rajada de tiros contra o veículo.
Quatro disparos atingiram a cabeça da vereadora, e três, as costas de Anderson. Fernanda sobreviveu. A dupla foi presa um ano depois.
Lessa decidiu fazer uma delação após Queiroz colaborar com as investigações. Segundo ele, os irmãos Brazão decidiram matar a vereadora para impedir que ela continuasse a prejudicar os interesses da família em práticas de grilagem de terras. O crime seria o ápice das desavenças entre os Brazão e integrantes do PSOL.
Além de confessar ter matado Marielle, Lessa reconheceu ter participado de outro duplo assassinato e preparado um terceiro. Apesar disso, insistiu na tese de que nunca atuou como matador de aluguel.
Nos depoimentos, ele disse que matou a vereadora após receber uma oferta para explorar como miliciano uma área na zona oeste do Rio de Janeiro.
"Aquilo ali [possibilidade de ficar rico] me deixou impactado, me deixei levar ali. Foi ganância, me deixei levar. [...] Minha vida já pronta, e eu caí nessa asneira. Foi ganância mesmo. Uma ilusão danada que eu caí", afirmou, em audiência virtual em agosto.
Lessa também confessou ter matado o ex-PM André Henrique da Silva Souza, conhecido como André Zóio. Ele disse que decidiu cometer o crime após a vítima cobrar taxa por máquinas de música que explorava na Gardênia Azul. Juliana Oliveira, namorada de Zóio, também morreu na ação.
Ele negou que o ex-vereador Cristiano Girão tenha encomendado a execução, como afirma o Ministério Público em denúncia.
O delator também disse que foi contratado pelo bicheiro Bernardo Bello para matar Regina Céli, ex-presidente da escola de samba Salgueiro. Afirmou, porém, que evitou cometer o crime porque planejava o assassinato de Marielle ao mesmo tempo.
Os relatos, bem como informações que circulam há anos entre policiais, fizeram com que a PF o chamasse de "notório sicário carioca" no relatório final do caso.
"Segundo o que é dito por aí, e em tendo sido procurado por pelo menos duas ocasiões, como é cediço hoje, tanto para a execução de Marielle Franco como da Regina Céli, a gente pode dizer que sim", afirmou Marcelo Pasqualetti, agente da PF que participou da investigação, ao STF.
Lessa diz que sua fama de matador começou após discutir com um policial em razão da morte do bicheiro Rogério Mesquita, em 2009. O homicídio é atribuído ao ex-PM Adriano da Nóbrega, morto em 2022, apontado como chefe do Escritório do Crime.
"Ele quis de qualquer forma me imputar a morte do Rogério Mesquita, em Ipanema, que comprovadamente é obra do Escritório do Crime. Eu não vou segurar crime que não é meu. Nós batemos boca em plena delegacia. A partir disso, o Lessa virou um notório matador do Rio", disse Lessa ao STF.
A aparente contradição tem sido usada pelas defesas dos réus no STF para apontar supostas mentiras de Lessa em sua delação.
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Eles afirmam, por exemplo, que é incompatível para um assassino de aluguel a devolução da arma do crime aos mandantes, como relatou o delator. O advogado Roberto Brzezinski Neto, que defende Domingos Brazão, questionou o ex-PM sobre se a prática era comum entre matadores.
"Primeiramente, não sou matador de aluguel. [...] Essa questão da devolução da arma chamou a atenção. Essa arma voltar, num crime de repercussão, é uma burrice, um tiro no pé", respondeu Lessa.
Apesar da contradição entre PF e delator, a ausência de acusações de homicídio contra o ex-PM é apontada na investigação como um indício de corrupção na Polícia Civil carioca. O relatório final do caso afirma que havia um "balcão de negócios" na Divisão de Homicídios para acobertar esse tipo de crime.
Ao ser questionado por Brzezinski Neto sobre quantas pessoas Lessa matou, o delegado Guilhermo Catramby, responsável pelo caso na PF, afirmou que o "rol de crimes" do ex-PM deve ser questionado à Delegacia de Homicídios.
"Segundo Rivaldo Barbosa, não foram muitos. Mas informações de inteligência produzidas após o caso Marielle pelo Ministério Público atrelam eventualmente Ronnie Lessa a alguns homicídios", disse o delegado.
Investigado sob suspeita de participação no retardo da apuração, o delegado Giniton Lages, que prendeu Lessa, fez uma provocação aos investigadores em seu depoimento no STF. "Vocês não fazem ideia de quem é Ronnie Lessa. E ele está preso", disse Lages.
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