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61 ANOS DO GOLPE MILITAR

Impactos da ditadura no Brasil: reflexões e lições para o futuro

Passados 61 anos do golpe militar, estudiosos lembram a realidade presenciada nesse período e reforçam a importância de manter viva a memória da ditadura, para que nunca mais se repita

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Imagem ilustrativa da notícia Impactos da ditadura no Brasil: reflexões e lições para o futuro camera Os chamados “Anos de Chumbo” foram marcados pela forte repressão | CPDOCJB / Folhapress

Deflagrada em 1964, a ditadura civil-militar brasileira foi um regime autoritário e nacionalista que instituiu governos militares com apoio de parte da sociedade civil. Em 2025, o início dos chamados “Anos de Chumbo”, marcados pela forte repressão política, completa 61 anos. Estudiosos revelam a realidade presenciada nesse período e reforçam a importância de manter viva a memória da ditadura, para que nunca mais se repita.

De acordo com o professor Felipe Figueiredo Ribeiro, do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP-UFPA) e da Faculdade de Psicologia (FAPSI-UFPA), naquela ocasião, o mundo presenciava o auge dos embates da Guerra Fria. Nesse cenário, o bloco leste da União Soviética simbolizava uma ameaça real aos países da América Latina, que passavam por um movimento de agitação com anseios socialistas, marcado por movimentos revolucionários, como o Movimento Nacionalista Revolucionário, na Bolívia.

No Brasil, em 1961, assumia a Presidência da República João Goulart, o Jango, após a renúncia do então presidente Jânio Quadros. O político incomodava os militares, que estavam insatisfeitos com a política brasileira desde o governo de Getúlio Vargas, quando Jango foi ministro do Trabalho, Indústria e Comércio do Brasil. O desconforto foi ainda maior quando, em 1963, durante o seu mandato, foi realizado um plebiscito em que a maioria da população escolheu pelo voto direto e um modelo presidencialista de governo, em oposição ao parlamentarismo.

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Neste cenário conturbado de retorno ao presidencialismo, Jango anuncia reformas de base no país, que desagradaram os conservadores e até alguns progressistas. Entre elas estava a nacionalização de certas empresas estrangeiras e uma série de reformas sociais, como a própria reforma agrária.

Incomodados e há muito tempo organizados contra o governo, os militares conspiraram contra Goulart, enviando 4 mil homens ao Rio de Janeiro com ordem de prendê-lo. Assim, Jango se exilou no Rio Grande do Sul, enquanto o então presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzili, decretava um governo militar provisório.

Segundo Ricardo Evandro Martins, professor da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da UFPA, a ditadura foi deflagrada por um golpe civil-militar, um movimento militarizado apoiado pela classe empresarial do Brasil. A ideia era garantir um ar de legalidade à manobra golpista, o que não ocorreu em nenhum momento.

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“O que se sabe hoje é que as intenções do golpe inicialmente eram de destituir o governo do João Goulart numa aparente forma democrática, uma manobra aliada com o poder Legislativo da época, com parte do Congresso Nacional para que desse um ar de legalidade, instaurasse uma medida para destituir o presidente da época e realinhasse o governo brasileiro aos Estados Unidos. Entretanto, ocorre uma situação interna em que nem sequer uma democracia aparente se instaura. O que ocorre, na verdade, é uma tomada de poder mais diretamente feita pelos militares, Forças Armadas e que permanece no poder por 21 anos”, explica o docente.

Conforme Felipe Figueiredo, pesquisador internacional associado ao Laboratoire d’Études et de Recherches Sur les Logiques Contemporaines de la Philosophie (LLCP) da Université Paris, os militares governaram o Brasil por meio de 17 Atos Institucionais (AI), sendo mais conhecido o AI-5, responsável pelo fechamento definitivo do Congresso Nacional, cassação de mandatos, suspensão dos direitos políticos dos cidadãos, prisões sem justificativa, entre outras normas.

Para nunca esquecer: os 61 anos do golpe no Brasil
📷 Para nunca esquecer: os 61 anos do golpe no Brasil |Reprodução

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“O período militar no Brasil foi caracterizado por governos autoritários, com uma forte centralização do poder e uma política desenvolvimentista”, revela Figueiredo. “A permanência no poder é realizada pela deflagração de um estado de exceção com a justificativa da ameaça à chamada ‘segurança nacional’. É interessante falar que quando se vive em um estado de exceção declarado a relação entre legalizada, ilegalidade e extralegalidade é mitigada em que se depara com a confusão total entre o que é legal e o que é anômico. Isso produz um estado de coisas que, como diz o filósofo italiano e jurista, Giorgio Agamben, há um exercício de força, de pura força, como se legal fosse, ao mesmo tempo que há uma desativação da legalidade e da constitucionalidade como se os dispositivo legais inválidos estivessem”, reflete o docente Ricardo Martins.

Conforme Martins, doutor em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD-UFPA), “o estado passa a agir como um organismo paralegal por um lado, e, por outro, passa a agir como se não tivesse nenhum dever de garantir direitos e deveres constitucionais. Isso resulta na potencialização de atos violentos, sem formalidade, ou com aparência de formalidade, em que a ideia de um processo judicial é realizado somente pro forma. Isso dá margem para a violência de estado de modo nada excepcional e, sim, como regra”.

Na visão do estudioso, um dos maiores exemplos das ações da ditadura é o caso do ex-deputado Rubens Paiva, retratado no filme premiado no Oscar “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles.

“O caso é paradigmático, isto é, um exemplo das táticas de repressão do tempo da ditadura civil-militar, em que se exerceu a tática do sequestro, tortura, homicídio e desaparecimento do corpo, ocultamente de cadáver, fraude processual e jurídica, fraude processual no inquérito, na investigação, além de abusos de poder em relação aos familiares, física e psicológica e violência de gênero”.

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DITADURA NA AMAZÔNIA

A política desenvolvimentista dos militares também chegou à Amazônia, como projeto de integração nacional, que afetou, sobretudo, o estado do Pará. Com o slogan “Integrar para não entregar”, os governos ditatoriais visavam “ocupar” o território amazônico, já que, na visão deles, a área era um grande campo verde e vazio. A ideia tinha o objetivo de não deixar que a região “sucumbisse” a projetos políticos subversivos e estivessem alinhados ao modelo brasileiro de ligação direta com os Estados Unidos.

Por isso, a partir do governo de Emílio Médici, que assumiu o poder em 1969, foram desenvolvidos os chamados Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), que, entre os objetivos, visava integrar a Amazônia ao resto do país. Assim, foi iniciada a construção da Transamazônica, a Hidrelétrica de Tucuruí, a Universidade Federal do Pará (UFPA), além de projetos de mineração, siderurgia e infraestrutura.

“Nesse plano, a Amazônia tinha o desígnio de fornecer matérias primas, de exportar commodities e produzir divisas para o Brasil. Nesse período, os militares iniciaram, até hoje inconclusa, mas ambiciosa, Transamazônica. Nesse período, começam os conflitos até hoje remanescentes de disputa pela terra porque houve um fluxo populacional muito grande”, diz o pesquisador internacional Felipe Ribeiro.

Ainda segundo o especialista, nesse mesmo período, o Brasil vivia um acentuado crescimento econômico, com uma taxa média de 5% a 6% ao ano, o que foi convertido, ao fim do regime, em uma grande dívida internacional.

“O Brasil viveu um período de crescimento econômico com concentração de renda,Isso tudo foi possível, em um cenário internacional em que o acesso ao crédito era muito fácil, as taxas de juros para empréstimos eram próximas a zero. O crédito foi liberado pelos Estados Unidos como uma estratégia de países que optaram por um alinhamento com Washington em troca de uma fidelidade”, relembra.

Governos altamente autoritários

Em 1985, o declínio da ditadura brasileira foi ocasionada por diversos fatores, entre eles podemos citar a influência da crise do petróleo e o fluxo de dívida do Estado junto aos bancos americanos devido ao aumento das taxas de juros, que gerou uma crise de endividamento, fazendo com que os governos militares perdessem a popularidade junto à sociedade.

Além disso, movimentos contrários ao regime vinham se organizando para pedir o fim da ditadura, com destaque para o movimento político “Diretas Já” , que lutou pela retomada das eleições diretas ao cargo de presidente.

“Os governos militares foram altamente centralizados, autoritários, exercendo políticas desenvolvimentistas, que envolveram planejamento quinquenais, marcados pelo crescimento econômico e, ao mesmo tempo, endividamento público junto ao Fundo Monetário Internacional, além da construção de várias empresas nacionais, tudo isso em comum pacto com a burguesia nacional, sem inclusão social, com o objetivo de completar o processo de industrialização. Isso ocasionou uma forte concentração de renda, sendo a burguesia industrial a principal beneficiada das obras públicas. Isso criou grandes bolsões de pobreza e desigualdade”, revelou o docente da Faculdade de Psicologia, Felipe Ribeiro.

Atualmente, o principal desafio em relação à ditadura é manter viva a memória de um período marcado pelo forte autoritarismo e violência. Para Ricardo Evandro Martins, a Lei da Anistia, sancionada pelo presidente João Batista Figueiredo, em 28 de agosto de 1979, concede o esquecimento aos atos dos envolvidos nesse período da história brasileira, inclusive aos feitos de torturadores.

MEMÓRIA

“O desafio é grande em relação ao que ocorreu na ditadura civil militar brasileira, mas nada impediria os governos democráticos brasileiros de criarem uma política de memória em relação às violações dos direitos humanos, cometidas pelo estado brasileiro contra os seus nacionais. A exemplo do caso chileno, em que se há um museu dos direitos humanos em memória das vítimas do General Augusto Pinochet. Uma política de resgate dos testemunhos das vítimas teria fundamental importância, especialmente no ambiente de amnésia em que se vive desde o fim da ditadura civil-militar brasileira”, afirma.

Na opinião do pós-doutor em Filosofia Contemporânea, Felipe Ribeiro, a instituição militar e o militarismo no Brasil são um dos problemas de pesquisa mais urgentes e instigantes na atualidade. Isso porque, em primeiro lugar, é preciso entender as continuidades e descontinuidades das práticas dos militares, suas ideologias, visões de país e ações na política. A presença de militares na política ainda hoje revela, segundo ele, a impunidade concedida pela Lei da Anistia nos anos finais da ditadura cívico militar brasileira.

“De maneira geral, o recrudescimento do poder militar no Brasil, o protagonismo do governo da nova extrema-direita é uma prova inequívoca que os militares nunca perderam o protagonismo na política brasileira. Eles continuam na nossa volta, continuam conspirando e funcionando como um partido político. Isso tem muito a ver com a anistia que foi concedida no final do regime. A chamada redemocratização do país, em 1985, no bojo das Diretas Já, na verdade, foi um pacto com os militares. Os militares da ditadura estão aí até hoje. O primeiro presidente eleito foi Tancredo Neves, mas quem assumiu foi o José Sarney. Ele só pôde assumir silenciado pelos militares e silenciando os militares ao mesmo tempo”, conclui.

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