SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O jurista Hélio Bicudo, fundador do PT (Partido dos Trabalhadores) e um dos autores do pedido de impeachment contra Dilma Rousseff, morreu nesta terça-feira, aos 96 anos. Seu corpo começou a ser velado às 17h, em São Paulo. O enterro, restrito aos familiares, está marcado para às 10h desta quarta (1º). A saúde do advogado era frágil desde 2010, quando sofreu um AVC. Debilitou-se ainda mais em março deste ano, quando morreu sua mulher, Déa Pereira Wilken Bicudo, após 71 anos de casamento. Ele deixa sete filhos, netos e bisnetos. Ativista dos direitos humanos, Bicudo ganhou notoriedade nacional ao condenar integrantes do Esquadrão da Morte, organização paramilitar dos anos 1970. Na vida política, o advogado também foi deputado federal de São Paulo por dois mandatos consecutivos, de 1991 a 1999, e vice-prefeito de São Paulo, na gestão de Marta Suplicy (então PT), de 2001 a 2005. BIOGRAFIA Hélio Pereira Bicudo nasceu em Mogi das Cruzes (SP) no dia 5 de julho de 1922, filho de Galdino Hibernon Pereira Bicudo e de Ana Rosa Pereira Bicudo. Ele ingressou na Faculdade de Direito de São Paulo em 1942, mesmo ano em que começou a trabalhar em um escritório de advocacia. Quatro anos depois, obteve título de bacharel em ciências jurídicas e sociais. Após ocupar o cargo de promotor público e procurador da Justiça, foi nomeado em 1959 chefe da Casa Civil do Governo do Estado de São Paulo, na gestão de Carlos Alberto de Carvalho Pinto (1959-1963). No período, representou-o na comissão que elaborou os estatutos da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo). Em 1963, voltou a chefiar o gabinete de Carvalho Pinto quando este se tornou ministro da Fazenda do governo de João Goulart, e assumiu interinamente a pasta de 27 de setembro a 4 de outubro. Seis anos depois, foi indicado pelo Colégio de Procuradores de São Paulo para realizar um de seus trabalhos mais notórios: investigar as atividades criminosas cometidas por policiais. A organização parapolicial ficou conhecida como Esquadrão da Morte. Bicudo denunciou diversos integrantes da polícia, mas teve sua missão cancelada pelo procurador-geral da Justiça em 1971, sem que fossem apuradas as responsabilidades da maior parte dos acusados. Alvo de ameaças durante a investigação, Bicudo contou com o apoio público do arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns (1921-2016). No livro Meu Depoimento sobre o Esquadrão da Morte, publicado em 1976 pela Arquidiocese de São Paulo, Bicudo relata bastidores da investigação e do papel das autoridades na interrupção dos processos. Acabou punido disciplinarmente com censura pela Procuradoria-Geral da Justiça de São Paulo, pena depois cancelada pelo Colégio de Procuradores. Um pouco depois, foi um dos signatários da Carta aos Brasileiros, documento assinado por juristas e intelectuais que defendiam a vigência do Estado de Direito e criticavam o arbítrio da ditadura militar instalada no país em 1964. PT Em 1980, com o fim do bipartidarismo no país, Bicudo ingressou no PT, tornando-se o primeiro-vice-presidente da seção paulista da agremiação. Em 1982, foi vice na chapa de Luiz Inácio Lula da Silva que disputava o governo de São Paulo. Ambos foram derrotados por Franco Montoro. Quatro anos depois tentou uma vaga no Senado, porém foi novamente derrotado. Com a vitória de Luiza Erundina (PT) para a Prefeitura de São Paulo, assumiu a secretaria municipal de Negócios Jurídicos em 1989. No mesmo ano, pouco após a eleição presidencial, entrou com representação no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) contra o candidato eleito, Fernando Collor, alegando que ele mentira durante a campanha e abusara do poder econômico. Em 1992, como deputado federal, votou a favor da admissibilidade da abertura do processo de impeachment de Collor. Bicudo foi eleito para a Câmara Federal em 1990, com quase 100 mil votos; reelegeu-se quatro anos depois, com cerca de 55 mil votos. Em seus mandatos parlamentares apresentou emendas constitucionais que propunham modificações no sistema penitenciário e na estrutura policial. Um de seus projetos aprovados transferia para a Justiça comum o julgamento de policiais militares que cometessem crimes dolosos no exercício de suas funções. Em 1996, assumiu o posto de presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Suas posições contrárias ao aborto e à esterilização na rede pública de saúde tornaram-no uma espécie de porta-voz da Igreja Católica dentro do PT. Tornou-se membro, para um mandato de quatro anos, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, pela Assembleia Geral da OEA. Depois presidiu a comissão entre 1998 e 2001. Em 2000 elegeu-se vice-prefeito de São Paulo na chapa encabeçada por Marta Suplicy, posto que ocuparia até janeiro de 2005. ROMPIMENTO Em setembro daquele ano, anunciou sua saída do PT junto a nomes como Plínio de Arruda Sampaio, Ivan Valente e Chico Alencar após a revelação do escândalo do mensalão, que culminou na condenação de líderes do partido como José Dirceu e José Genoino. Diferentemente de outros dissidentes, preferiu não se filiar mais a nenhuma sigla. Em entrevista à Folha de S.Paulo na ocasião, declarou que o PT se afastara dos ideais éticos e morais. Afirmou também que não votaria em Lula novamente. Do meu ponto de vista, o presidente da República não pode se eximir de fatos que acontecem na sua administração. E os fatos são desabonadores. O presidente não pode ignorar, fazer ressalva de que está sendo traído, e não fazer coisa nenhuma. Existem erros por ação e erros por omissão. Se não houve atuação na compra de deputados, houve omissão. Nas eleições de 2010, declarou apoio a Marina Silva (então no PV) no primeiro turno e a José Serra (PSDB) no segundo. Dilma Rousseff (PT), candidata apoiada por Lula, venceu a disputa. Em entrevista ao site Terra Magazine pouco antes do segundo turno, Bicudo explicitou suas diferenças com o petismo. Eu acho que você tem um sistema democrático que está em risco na medida em que Dilma vencer estas eleições. Na verdade, ela diz que ela é o Lula e o Lula diz que ela é ele. Então, quer dizer, você vai entregar nas mãos do Lula a Presidência da República, afirmou. O Lula, enquanto presidente do PT, anulou todas as possibilidades de novas lideranças surgirem, para ser ele apenas. E ele domina o partido a ponto de impor uma candidata que é cristã nova no partido, digamos assim. Bicudo voltou a apoiar o tucano José Serra, desta vez para a Prefeitura de São Paulo, na eleição de 2012, vencida no segundo turno pelo petista Fernando Haddad. E intensificou suas críticas ao PT após a reeleição de Dilma em 2014. IMPEACHMENT Em setembro de 2015, apresentou à Câmara dos Deputados um pedido de impeachment contra a presidente. O documento era também assinado pelo jurista Miguel Reale Jr. e pela professora de direito da USP Janaina Paschoal. Bicudo argumentou que Dilma cometeu crime de responsabilidade. Elencou, entre outros motivos para o seu afastamento, as chamadas pedaladas fiscais, manobras do governo federal para adiar pagamentos e usar bancos públicos para cobrir as dívidas. Houve uma maquiagem deliberadamente orientada a passar para a nação (e também aos investidores internacionais) a sensação de que o Brasil estaria economicamente saudável e, portanto, teria condições de manter os programas em favor das classes mais vulneráveis, escreveu. O documento também cita a Operação Lava Jato e a compra da refinaria de Pasadena pela Petrobras e diz que, pela Polícia Federal ter investigado pessoas próximas à presidente, houve a desconstrução de sua aura de profissional competente e ilibada, criada por marqueteiros muito bem pagos. Dias depois, ao programa Roda Viva (TV Cultura), Bicudo afirmou que Lula enriquecera de forma ilícita durante sua passagem pela Presidência. O que mais me impressionou foi o enriquecimento ilícito do Lula. Ninguém fala nisso, mas eu conheci o Lula numa casa de 40 metros quadrados. Hoje, o Lula é uma das grandes fortunas do país. Ele e os seus filhos, afirmou. Na ocasião dois dos filhos de Bicudo e alguns de seus amigos o criticaram publicamente por sua guinada antipetista. Maria do Carmo Bicudo Barbosa, primogênita entre os sete filhos, disse que o advogado está no pleno exercício de suas faculdades mentais, mas cometeu um equívoco. No momento o país precisa de união para vencer as dificuldades que enfrenta, e não de um pedido de impeachment. Em entrevista à Folha de S.Paulo, o jurista Dalmo de Abreu Dallari afirmou que o pedido de impeachment contra Dilma era ilegítimo, sem fundamentação. Dallari afirmou que Bicudo tornou-se um antipetista absolutamente obsessivo por um motivo de ressentimento pessoal. Intencionava ser indicado para o posto de embaixador em Genebra e teria manifestado essa ideia indiretamente, mas não foi recebido por Lula para externar essa vontade. Em 2 de dezembro de 2015, o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acatou o pedido de Bicudo e deflagrou o processo de impeachment. Em 31 de agosto de 2016, o Senado cassou o mandato de Dilma, e Michel Temer (PMDB) tomou posse como presidente. Insatisfeito com os rumos do país, Bicudo viria a defender a renúncia de Temer após a divulgação de conversa em que o empresário Joesley Batista, da JBS, e o presidente tratam de solução de pendências com o ex-deputado federal Eduardo Cunha, preso por corrupção. Nos últimos meses, Bicudo trabalhava na preparação do livro Terceiro Ato, compilação do pedido de impeachment e de discursos, além de depoimentos de amigos. Não há data para a publicação da obra.
Fonte: FolhaPress