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Círio 2024: estivadores honram a Virgem com novos gestos

Descubra a história dos estivadores do Pará e a devoção à Nossa Senhora de Nazaré, mantendo tradições, sem os fogos de artifícios, restritos desde 2017,

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Imagem ilustrativa da notícia Círio 2024: estivadores honram a Virgem com novos gestos camera Até 2017, homenagem era realizada com fogos na Praça dos Estivadores. | Tarso Sarraf/Arquivo Diário do Pará

"Entre a década de 1930 e 1940, faltaram navios no porto. Ficamos sem trabalho. Foi quando os estivadores se reuniram e fizeram umapromessa para a nossa Senhora de Nazaré. Se chegassem navios, iríamos soltar fogos na época. Na semana do Círio, os navios começaram a aparecer", disse Isaias Pereira, estivador há 44 anos. É com essa mística milagrosa, de homens clamando por ajuda, à margem da imensa baía de Guajará, que nasce uma das mais antigas tradições de Belém do Pará.

Para você, o que é a fé? A fé é uma força misteriosa que transcende a lógica, uma confiança profunda em algo maior que nós, capaz de mover corações e transformar situações. Ela não depende de provas concretas, mas de uma convicção interior que nos faz acreditar mesmo quando tudo parece perdido.

Em momentos de crise, é a fé que alimenta a esperança e guia nossas ações, conectando o terreno com o espiritual. É como um elo invisível que une as promessas humanas aos desígnios divinos, e, às vezes, o impossível se torna realidade apenas porque alguém acreditou.

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Agora, imagine um período em que a fé era a única esperança. No relato do estivador Isaias Duarte Pereira, de 68 anos, ele nos conta sobre o começo da relação entre os Estivadores do Estado do Pará e o Círio de Nossa Senhora de Nazaré.

"Nosso sindicato surgiu em 2 de fevereiro de 1914. Entre a década de 30 e 40, faltaram navios no porto. Ficamos sem trabalho. Foi quando os estivadores se reuniram e fizeram uma promessa para a nossa Senhora de Nazaré. Se chegassem navios, iríamos soltar fogos na época. Na semana do Círio, os navios começaram a aparecer. No dia do Círio, cada estivador soltou foguetes e virou tradição. Com os lindos fogos na procissão fluvial, trasladação e no Círio", relembrou.

Outros tempos

"Mas as mudanças vieram e, hoje, não podemos utilizar o espaço para fazer esse tipo de homenagem. A nova homenagem é sempre nos reunir no mesmo local e acompanhar tudo ao lado dos familiares e amigos. Colocamos faixa, balões e vamos seguindo com as bênçãos na Nossa Senhora", destacou.

Segundo o sociólogo Pasquale Di Paolo, o Círio "representa um momento de barganha e de controle entre os grupos sociais: cada grupo procura projetar sua presença, aceitando a homenagem religiosa, assegurando sua hegemonia e controle. Círio é um momento neutro, onde cada um consegue a sua parte de poder social com equilíbrio político, onde quem domina não pode abusar e quem está dominado busca um espaço próprio para se expressar."

Alguns estivadores presentes na Praça do Estivadores nos anos 2000 na véspera do Círio
📷 Alguns estivadores presentes na Praça do Estivadores nos anos 2000 na véspera do Círio |Arquivo Pessoal

Neste contexto, os estivadores resolveram expressar o sentimento religioso e socialmente a presença histórica na Boulevard Castilhos França com a Av. Presidente Vargas, na praça Felinto Müller, conhecida popularmente como Praça do Estivador.

Proteção

"Sempre pedimos à Nossa Senhora de Nazaré para nos proteger no trabalho, pois é algo perigoso. Estamos sempre nos porões do navio, abaixo do nível do mar, lidando com vários tipos de carga. Então, sempre pedimos proteção, pois chegamos a passar 12 horas no porão dos navios. Algumas cargas não sabemos de qual país veio e se está saudável para não acontecer nada com os gases no local. Também pedimos proteção nas estradas, rios, que são por onde nos deslocamos para o trabalho. Além, claro, de pedir pela proteção das nossas famílias que ficam em Belém", relatou Isaias.

Seu Isaías (na frente), com outros amigos de estiva no porto de Vila do Conde
📷 Seu Isaías (na frente), com outros amigos de estiva no porto de Vila do Conde |Arquivo Pessoal

A homenagem prestada pelos estivadores não é vista como uma festa do próprio sindicato, mas como uma festa dos paraenses à Nossa Senhora de Nazaré, o que gerou à categoria o prestígio social perante os milhares de fiéis que enchem as ruas de Belém.

Mesmo com tanta tradição e sem nunca ter ocorrido qualquer acidente em quase 100 anos de homenagens, em 2017, órgãos de segurança anunciaram que a apresentação pirotécnica não poderia ser realizada na praça e sugeriram ser feita em uma balsa próximo à escadinha da Estação das Docas.

Fogos na frente da Companhia das Docas do Pará (CDP) durante a Trasladão.
📷 Fogos na frente da Companhia das Docas do Pará (CDP) durante a Trasladão. |Marco Santos/Arquivo Diário do Pará

"Cheguei ao Sindicato dos Estivadores em 13 de maio de 1981. De lá para cá, participo da Transladação e do Círio de Nazaré, sempre na Praça dos Estivadores. Na época, nossas homenagens eram feitas com os fogos, balões, mas hoje em dia ficou mais difícil, porque, segundo as autoridades, o espaço é pequeno para fazer as homenagens e há perigo", explicou.

"Solicitaram para trocarmos para outro local, mas não concordamos. Se a homenagem não for realizada na praça, não vamos para outro lugar. Enquanto isso, seguimos acompanhando a Trasladação e o Círio sempre no mesmo lugar, com os amigos, principalmente aqueles da velha guarda, para acompanhar a Nossa Senhora de Nazaré", ponderou.

Seu Isaías tem 44 anos como estivador. Na foto, aparece no porto de Belém
📷 Seu Isaías tem 44 anos como estivador. Na foto, aparece no porto de Belém |Arquivo Pessoal

Novos gestos

Apesar das restrições atuais quanto ao uso de fogos de artifício durante a procissão, os estivadores mantêm viva a tradição de devoção e homenagem à Nossa Senhora de Nazaré de outras formas. Sem poder contar com o show pirotécnico, eles reforçam o compromisso mediante gestos simbólicos.


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Os estivadores sempre estarão acompanhando o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, independente se terá fogos ou não. Sempre estamos buscando honrar a fé da categoria e daqueles que iniciaram tudo com missas no sindicado. Óbvio que queríamos seguir com a tradição, tão conhecida por todos os que acompanham as procissões. É importante frisar que nunca em toda a história ocorreu qualquer acidente. Sempre tomamos todas as medidas cabíveis de segurança para a queima dos fogos, contratando profissionais especializados nestes tipos de serviços.

Isaias Duarte Pereira, Estivador e devoto de Nossa Senhora de Nazaré
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Consciência

Mesmo com as lamentações pela tradição que foi interrompida, os estivadores possuem a consciência de que atualmente existem outras maneiras de homenagear a passagem da Santa, sem desrespeitar a lei que proíbe o uso de fogos de artifício com estampido ou estouro.

"Não acredito que os fogos irão voltar a ser soltos na praça, porque o local ficou menor em comparação à população. A cada ano que passa, o Círio atrai mais fiéis. Temos que buscar homenageá-la de outras formas. Hoje, os fogos possuem restrições, pois existe a proteção aos animais, às pessoas com transtorno de espectro autista, então, ficou mais difícil", finalizou.

Ligação dos estivadores com a padroeira é antiga e está expressa também em presentes: um dos vitrais da Basílica Santuário foi doado pela categoria.
📷 Ligação dos estivadores com a padroeira é antiga e está expressa também em presentes: um dos vitrais da Basílica Santuário foi doado pela categoria. |( Reprodução)

Círio de Nazaré

Segundo o site oficial do evento, o Círio é uma manifestação de fé e devoção à Nossa Senhora de Nazaré, realizada há mais de 200 anos em Belém. Atualmente, a festa católica foi reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial pelo Iphan e declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO.

“A história do Círio começa em 1700 com o achado da Imagem de Nossa Senhora de Nazaré pelo Caboclo Plácido, às margens de um riacho localizado próximo de onde hoje se ergue a Basílica Santuário de Nossa Senhora de Nazaré”, diz o site.

A devoção à Nazaré cresceu e, em 1793, aconteceu a primeira procissão em homenagem à Padroeira dos paraenses. Desde então, o Círio é realizado todos os anos, reunindo sempre um número maior de fiéis, hoje estimado entre 2 milhões e 2,5 milhões de pessoas pelas ruas da capital paraense.

A Festividade ocorre em outubro com a realização do Círio e de outras 12 procissões, como a Trasladação, a Romaria Rodoviária, a Romaria Fluvial, o Círio das Crianças e o Recírio, dentre outras. Durante toda a quinzena festiva, também há extensa programação de eventos: missas, vigílias de oração, o Arraial de Nazaré, o Círio Musical e a descida da Imagem do Achado, do Glória para o Altar da Basílica Santuário, onde fica durante os quinze dias de festa para visitação.

Equipe Dol Especiais:

  • Kaio Rodrigues Pereira, 29 anos, é repórter do portal DOL desde 2021. É formado em Comunicação Social - Jornalismo em 2017, pós-graduado em jornalismo esportivo e especializado em reportagem e comentários no futebol.
  • Anderson Araújo é editor e coordenador dos conteúdos especiais do Dol. Formado pela Universidade Federal do Pará (UFPA), em 2004, e mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto (Portugal), em 2022. É também autor de dois livros de contos e crônicas publicados em 2013 e 2023, respectivamente.
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