A explosão de um carro nos arredores de Moscou na noite deste sábado (20) matou a filha do controverso filósofo Aleksandr Dugin, um dos principais arquitetos da expansão territorial russa.
Daria Dugina, 30, estava em um SUV preto, um Toyota Land Cruiser Prado, que pertencia ao próprio Dugin —especula-se que era ele o alvo original da bomba. O filósofo esteve na cena do crime logo após o incidente, visivelmente em choque, de acordo com vídeos que circulam nas redes sociais.
O Comitê de Investigação da Rússia, que abriu uma apuração do ataque, tratado como um "crime premeditado", disse que um explosivo foi plantado no veículo, do lado do motorista. O poder investigativo implementado pelo comitê, segundo o site oficial do órgão, é "a continuação do poder presidencial" russo.
Reportagem da RT, rede de TV estatal russa, afirma que Dugina dirigia o veículo numa rua a cerca de 30 quilômetros de Moscou quando ele explodiu. O SUV foi engolido pelo fogo e bateu em uma cerca.
Os socorristas que a atenderam dizem que ela morreu na hora e que seu corpo foi desfigurado pelas chamas. Segundo a RT, relatórios preliminares indicam que uma bomba caseira provocou a explosão.
O caso ainda está sendo investigado, mas o Ministério de Relações Exteriores da Rússia especulou que a Ucrânia estaria por trás da explosão, e Maria Zakharova, porta-voz da chancelaria, afirmou que um possível envolvimento ucraniano apontaria para uma política de "terrorismo de Estado" instituída por Kiev.
Mikhailo Podoliak, conselheiro da Presidência ucraniana, negou a participação da Ucrânia na morte de Dugina e atribuiu a culpa a conflitos internos entre "diversas facções políticas" da Rússia. Ele ainda sugeriu que o incidente teria sido uma resposta "cármica" aos apoiadores das ações russas.
Um ex-membro do Parlamento russo, porém, disse na rede de TV que fundou na Ucrânia que o NRA (exército republicano nacional, na sigla em inglês), grupo ao qual pertence, foi o responsável pelo ataque.
Ilia Ponomarev foi impedido pelo governo de Putin de voltar à Rússia em 2019, após uma viagem aos EUA, acusado de corrupção —ele afirma que as alegações têm motivações políticas. Desde então, vive em Kiev.
"O ataque inaugura uma nova página da resistência russa a Putin, mas não a última", disse Ponomarev. Ele acrescentou que os membros do grupo estão prontos para novos ataques, visando autoridades, oligarcas e membros das agências de espionagem russas, entre outros alvos ligados ao Kremlin.
No sábado (20), Dugin deu uma palestra em um festival chamado "Tradições", na região da capital russa, e sua filha esteve no evento. Alguns dos presentes disseram que o filósofo a princípio planejava sair do local junto com Daria, mas depois decidiu partir em um carro diferente.
Os EUA impuseram sanções contra Dugin por apoiar militantes na Ucrânia oriental, assim como contra Dugina, que compartilhava das opiniões do pai e as promovia como apresentadora de rádio e TV —o motivo da decisão americana foi sugerir que Kiev "pereceria" se admitida na Otan. O Reino Unido foi outro país a puni-la, por "espalhar desinformação" sobre a Ucrânia.
Dugina, que também atendia pelo apelido de Dasha, era ainda comentarista da TV nacionalista Tsargrad e do site Movimento Eurasiano Internacional, além de editora-chefe do site United World International. Neste domingo, segundo a rede alemã Deutsche Welle, a Tsargrad declarou que "Dasha, como o pai, sempre esteve no front da confrontação com o Ocidente".
Chamado por muitos de "ideólogo de Putin" e comparado em influência ao brasileiro Olavo de Carvalho, Dugin é criador da Quarta Teoria Política, em que defende uma alternativa às três ideologias que dominaram o século 20: liberalismo, comunismo e fascismo.
Segundo sua proposta, formulada em um livro de 2009, o sujeito principal da história seria o povo, não o indivíduo ou o Estado. No contexto europeu, ela se reflete no "eurasianismo", a expansão da presença de Moscou para todas as regiões de influência histórica do povo russo —não importa se pertencentes a outros países soberanos, como a Ucrânia.
Nos anos 1990, Dugin era um saudosista aberto da União Soviética, tendo sido um dos fundadores do Partido Nacional Bolchevique. Sua posição mudou para a defesa do "espaço eurasiano" no começo deste século, período que coincidiu com a chegada de Vladimir Putin ao poder.
A década seguinte foi a de maior proximidade entre os dois. O filósofo trabalhou nesse período o conceito do "espaço pós-soviético", que foi absorvido pelo líder do Kremlin. Analistas afirmam que isso não significa, porém, a conquista de países —nem mesmo da Ucrânia, apesar do avanço rumo a Kiev.
De acordo com a estatal RT, a mídia ocidental retrata Dugin como a força por trás da política externa de Putin durante a última década. Recentemente, o jornal americano The Washington Post o chamou de "escritor místico de extrema direita que ajudou a formar a visão de Putin sobre a Rússia".
Na Rússia, porém, ainda segundo a rede de TV russa, ele é considerado uma figura marginal. Por mais que tenha sido conselheiro de diversos políticos, Dugin nunca teve o endosso oficial do Kremlin. Em 2014, ele foi demitido da Universidade Estatal de Moscou após críticos interpretarem suas falas como uma convocação para um genocídio contra o povo ucraniano.
A Rand Corporation, centro de estudos militares dos EUA, escreveu em 2017 que, por mais que a mídia ocidental aponte supostas conexões do filósofo com a liderança russa, ele é "mais um provocador extremista com impacto limitado e periférico do que um analista influente com impacto direto na política".
Imagens do carro após a explosão circularam na Internet. Veja:
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