Donald Trump se tornou o primeiro ex-presidente considerado culpado pela Justiça em uma ação criminal na história dos Estados Unidos. O veredicto, divulgado nesta quinta-feira (30), acrescenta mais uma camada de singularidade à disputa pela Casa Branca neste ano, na qual é praticamente certo que o republicano será o candidato do seu partido.
A decisão foi tomada por um júri formado por 12 pessoas. O grupo avaliou se o empresário é culpado em 34 acusações de falsificação de registros empresariais para encobrir pagamentos à atriz pornô Stormy Daniels e, assim, evitar que ela divulgasse supostamente ter mantido relações sexuais com Trump às vésperas da eleição de 2016.
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Trump foi declarado culpado nas 34 acusações contra ele. Cada uma trata da fraude de um documento diferente. O empresário deve recorrer da decisão.
Cabe ao juiz Juan Merchan definir a sentença. A pena pode ser branda, como serviço comunitário, até reclusão por até quatro anos. Como Trump é réu primário e os crimes não são considerados graves, a aposta é que o juiz não seja duro.
Legalmente, a condenação não tem nenhum impacto sobre a campanha do republicano pela Presidência neste ano. Não há nenhuma previsão na Constituição americana que impeça alguém declarado culpado por um crime de concorrer —mesmo que esteja preso.
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Já os efeitos políticos são menos claros, uma vez que uma parte do eleitorado de Trump afirma que ao menos reconsideraria seu voto em caso de condenação. O percentual é pequeno, mas pode ser fundamental em uma eleição extremamente apertada. O republicano está apenas 1,1 ponto percentual a frente de Joe Biden na média das pesquisas eleitorais, segundo o agregador Real Clear Politics.
Há ainda outros três processos criminais contra Trump, mas nenhum deles deve ser concluído antes da eleição, em 5 de novembro, graças a uma estratégia bem-sucedida da defesa de protelar o andamento. Neste momento, não há nem sequer data prevista de início nos casos em que ele é acusado de tentativa de reverter a eleição de 2020, interferência eleitoral na Geórgia em 2020, e posse ilegal de documentos sigilosos.
ENTENDA O JULGAMENTO
O julgamento concluído nesta quarta se desenrolou ao longo das últimas seis semanas na Corte Criminal de Manhattan, em Nova York. Foram ouvidas 22 testemunhas, entre elas Daniels e o advogado Michael Cohen, antigo aliado fiel de Trump que se virou contra o ex-presidente.
Segundo a Promotoria, Cohen foi responsável por pagar US$ 130 mil a Daniels para que ela não revelasse ter supostamente feito sexo com Trump em um hotel em Lake Tahoe (Nevada) em 2006, após os dois se conhecerem em um torneio de golfe.
Em um testemunho relatado como desconcertante pelos presentes na corte, a atriz afirmou que aceitou um convite feito por meio de um guarda-costas do empresário para jantar com ele. Os dois teriam conversado durante cerca de duas horas na suíte em que o empresário estava hospedado —Trump teria questionado sobre doenças sexualmente transmissíveis, feito um convite para ela participar do reality show "O Aprendiz", e dito que ela o lembrada de sua filha.
Em certo momento, ela diz que foi ao banheiro e, quando retornou, ele estava na cama apenas de cueca e camiseta. Daniels foi detalhista ao ponto de narrar a posição sexual e que o empresário não teria usado camisinha. Trump nega que tenha se relacionado com ela.
A defesa de Trump, liderada pelo advogado Todd Blanche, argumentou que o testemunho buscaba constranger o réu e inflamar o júri e que, por isso, o julgamento deveria ser anulado. "Eu realmente acho que houve algumas coisas que teriam sido melhor deixadas não ditas. Dito isso, não acredito que estamos no ponto em que a anulação do julgamento seja justificada", respondeu Merchan.
A testemunha principal da acusação, no entanto, era Cohen. Descrito como "faz tudo" de Trump, o advogado afirmou que foi incumbido pelo ex-presidente de pagar Daniels para que não revelasse a história durante a campanha eleitoral de 2016, temendo o impacto nas urnas.
Durante o julgamento, a promotoria afirmou que esta não foi a única vez que isso aconteceu: Trump, Cohen e o então publisher do tabloide National Enquirer, David Pecker, teriam conspirado juntos para identificar notícias potencialmente danosas ao republicano e "matá-las", ou seja, comprar a história e não publicá-la.
Após a eleição, vencida por Trump, e quando ele já havia tomado posse, Cohen teria tido uma reunião com o então presidente no Salão Oval da Casa Branca para discutir como seria reembolsado pelos pagamentos feitos a Daniels. É aqui que está o crime: segundo a promotoria, os dois planejaram mascarar esses pagamentos nos registros empresariais de Organização Trump e como uma espécie de honorário de reserva para Cohen.
Da sua parte, a defesa negou que esse tenha sido o intuito dos pagamentos, afirmando ora que foram remunerações habituais ao advogado, ora que Trump não sabia qual seria a finalidade do dinheiro. A credibilidade de Cohen também foi um dos principais alvos da defesa --o advogado já se declarou culpado por nove acusações criminais em 2018, incluindo mentir ao Congresso, e já admitiu ter mentido à Justiça.
IMPACTO NA ELEIÇÃO
Uma pesquisa de opinião Reuters/Ipsos divulgada há um mês mostra que Joe Biden amplia a vantagem de 1 para 3 pontos percentuais se ele for condenado pela Justiça. A margem sobe para 7 pontos se ele estiver cumprindo pena de prisão (uma sentença considerada pouco provável neste caso).
Outra pesquisa Ipsos, esta em parceria com a rede ABC, divulgada no início de maio, tratou especificamente do julgamento em Nova York. Entre eleitores do ex-presidente, apenas 4% afirmam que deixariam de votar nele em caso de condenação. Outros 16% dizem que reconsiderariam sua decisão. Os números podem ser pequenos, mas se tornam relevantes considerando que, neste momento, Trump está apenas 1,1 ponto percentual à frente de Biden na média das pesquisas eleitorais, segundo o agregador Real Clear Politics.
A campanha democrata debate a melhor forma de explorar uma eventual condenação. Até agora, para não reforçar as acusações de Trump de perseguição política, Biden praticamente não se manifestou sobre os processos criminais. Parte de seus aliados defende que ele siga mantendo distância, deixando para imprensa e redes sociais a repercussão do fato histórico da possível condenação criminal de um ex-presidente e candidato à Casa Branca.
Já outros membros do partido defendem tirar proveito da situação —a equipe de redes sociais de Biden, por exemplo, debateu recentemente começar a se referir ao republicano como "criminoso condenado" em caso de decisão nesse sentido, segundo a imprensa americana.
Um sinal de que o julgamento não será ignorado foi dado nesta terça. Enquanto defesa e procuradoria faziam os argumentos finais dentro da corte, Robert De Niro apareceu do lado de fora, acompanhado por assessores da campanha de Biden e de dois policiais que estavam no Capitólio no 6 de Janeiro. O ator recentemente fez a narração de uma propaganda democrata com ataques a Trump.
"Donald Trump quer destruir não apenas esta cidade, mas também este país e, eventualmente, ele poderia destruir o mundo", disse.
Outros grupos contrários a Trump também se preparam para agir em caso de condenação. O Lincoln Project, por exemplo, uma organização que se define centrista, já está com propagandas políticas sobre a sentença engatilhadas para irem ao ar nos estados-pêndulo Arizona e Wisconsin, segundo o jornal The New York Times.
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