Repercute negativamente, entre especialistas e estudiosos paraenses, a fala da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, que declarou que um dos motivos para os abusos sexuais sofridos por meninas do Arquipélago do Marajó é o fato de elas não usarem calcinhas. O vídeo gerou polêmica e foi amplamente compartilhado nas redes sociais. 

Para a professora da faculdade de Psicologia da Universidade Federal do Pará (UFPA) e integrante do Núcleo de Estudos sobre Violência na Amazônia, Milene Veloso, um dos principais problemas da fala de Damares Alves é a simplificação de um tema é que “sério, complexo e delicado”.

“Para compreender um fenômeno desses, jamais podemos ter um olhar restrito. Temos que ter muito cuidado ao afirmar as coisas. A fala dela, infelizmente, direciona o público para interpretações muito sérias, como culpabilizar as crianças pelos abusos. É um desserviço”, diz Milene Veloso. 

A pesquisadora elucida que, durante os diversos anos de pesquisa na universidade, nunca houve nenhum tipo de registro ou notificação, em casos de abuso sexual de crianças ou adolescentes, que levasse a essa conclusão expressada por Damares. 

“Acompanho casos e pesquiso sobre notificação de violência no Marajó, há muitos anos, e nunca ouvi menção ao fato de a vítima estar vestida ou não. Não é isso que define um abuso sexual. A situação de vulnerabilidade as coloca mais expostas à violação sexual, mas não é apenas isso. São diversas as violações sofridas”, explica a pesquisadora. 

Milene ressalta, ainda, que a fala da ministra dos Direitos Humanos tem um potencial negativo porque “isso diminui o problema a ponto de as pessoas acreditam que isso [vestir apropriadamente as crianças] pode resolver o problema”.

“As questões que cercam o abuso sexual não são apenas socioeconômicas. Qualquer criança pode sofrer essa violência, porque há, no País, infelizmente, uma cultura do estupro. Muitos dos abusadores são pais, padrastos, tios, parentes da vítimas. Quem comete a violência acha que a criança é um objeto, que pode ser usada para seu prazer”, diz a estudiosa. 

Por fim, Milene explica que somente com políticas públicas sérias, os crimes de violência sexual podem começar a serem solucionados. “

“O Marajó, por exemplo, tem o município com pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil. Precisamos ter políticas que trabalhem a prevenção na escola, nas comunidades. Isso só pode ser resolvido com muita informação”, conclui Milene Veloso. 

(DOL) 

Foto: EBC

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