
Quando se fala em ansiedade e depressão, logo vem à mente a qualidade de vida e as repercussões disso na vida moderna. A pressão do dia a dia, a falta de tempo para cuidar do corpo e da mente e o “escape” com os olhos grudados na tela do smartphone e nas redes sociais é uma combinação explosiva que, frequentemente, tem adoecido cada vez mais pessoas.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a depressão atinge mais de 320 milhões de pessoas no mundo, sendo 11,5 milhões somente no Brasil. A situação tem sido abordada pelo médico e escritor Drauzio Varella, 76 anos, que ministrou uma palestra sobre o assunto na última quinta-feira (19), na Assembleia Paraense, em Belém.
Conhecido por suas participações em quadros de saúde no programa Fantástico, da Rede Globo, o médico cancerologista formado pela USP conversou com os jornalistas sobre o transtorno depressivo, suas causas, consequências e formas de prevenção e tratamento. Confira a seguir as principais questões abordadas no bate-papo.
Depressão e ansiedade são temas muito atuais que têm atingido muitos jovens. Qual o motivo para isso?
R: Eu acho que isso é o resultado das pressões da vida moderna. Nos últimos 20, 30 anos, isso só aumentou muito com a tecnologia e o isolamento. Geralmente é a pressão do trabalho, das relações sociais, de tudo pelas redes sociais, WhatsApp, e-mail... O tempo todo você está sendo solicitado. Acho que chega um ponto que o cérebro humano não consegue organizar toda essa informação a mais e isso acaba gerando problemas. Problemas de interações entre os neurotransmissores, o que facilita o aparecimento desses quadros.
Como identificar uma pessoa que está com depressão, ansiedade. Como buscar ajuda?
R: A gente confunde depressão com tristeza. Se eu estou deprimido porque briguei com a minha mulher, fui mal na escola, perdi o emprego, isso não é depressão. A tristeza faz parte da vida, você fica chateado com isso. A gente desconfia de depressão quando essa tristeza não tem fim. Quando você tem uma tristeza de luto, perdeu um amigo, mas consegue se animar em alguns momentos. Na depressão você não tem prazer de fazer nada, acaba o prazer da vida e ela vem acompanhada de alguns sintomas gerais - cansaço físico, alterações do sono, você dorme rápido, mas acorda no meio da noite, não consegue mais dormir. Outras vezes dorme demais. Não levanta da cama num horário que está habituado. Fica com sono, cansaço e o rendimento no trabalho e na escola cai. E cai nitidamente. Você percebe e os outros ao seu redor. A ansiedade, no geral, se manifesta com uma inquietação, você está sempre preocupado com o que vem.
Dentro das instituições de ensino, como é que pode ser realizado essa prevenção, visto que hoje em dia a gente tem um alto índice de estudantes tendo crises?
R: Primeiro, é preciso identificar. Nem sempre os professores reconhecem. O bom aluno que começa a ir mal pode ser um indicativo. Não quer dizer que esteja deprimido obrigatoriamente, mas é um fator de risco e tentar entender por que que isso está acontecendo. A psicoterapia costuma ter resultados muito bons, sem necessidade de tomar medicamento, quando se identifica na fase inicial. Tem gente que diz “Ah, o cara fica trancado no quarto, é normal”. É normal, mas na depressão é diferente. Você se afasta de tudo e de todos.
É possível curar e prevenir?
R: É possível curar e é possível prevenir. Especialmente possível prevenir. Tentar evitar esse estresse emocional causado pela quantidade absurda de atividades que nós temos hoje. Eu acredito muito na atividade física como antiestressante. Existem vários trabalhos demonstrando que, na atividade física, a contração muscular atinge moléculas que agem no cérebro. Por isso que o exercício te faz sentir bem. Você termina de fazer o exercícioe isso te acalma.
As redes sociais contribuem para esse quadro?
R: As redes sociais têm sido um agravante para desencadear quadros assim entre jovens adultos. Eu acho que sim. Você está o tempo inteiro ligado no celular. Eu passo o dia inteirinho vendo o que o outro falou, o que o outro disse. São todas pessoas maravilhosas. Ninguém é como a gente. Você não acorda hoje “eu não estou disposto”, “briguei com a namorada”. Todo mundo é maravilhoso. Nas fotografias mulheres lindas, o melhor ângulo possível. Os homens que fazem as coisas mais sensacionais. Você fala ‘pô, eu sou o certinho. Eu não faço nada. Para mim é tudo difícil’. Cria uma expectativa que você não consegue atingir, uma sensação de frustração. É um peso o tempo inteiro em cima da gente. O tempo todo estabelecendo padrões que não são atingíveisna vida cotidiana.
Bom mesmo eram os tempos antigos?
R: A gente caminha para frente. A memória é traiçoeira. Você só lembra das coisas boas que você viveu. Você não lembra das coisas que eram horríveis naquele tempo. Quando eu comparo a infância que eu tive com a infância das minhas netas, eu acho que elas são melhores em tudo, com uma quantidade e qualidade de informação que eu não tive acesso. A única coisa que eu acho um prejuízo é criança fechada hoje num quarto de apartamento, no celular, com joguinhos, que talvez desenvolvam um pouco a parte motora, mas do ponto de vista cognitivo intelectual é zero, né? Perda de tempo total e não tem o convívio com outras crianças. Criança gosta de brincar com outra criança. Aí você tem uma infância triste, solitária.
Qual alerta que o senhor faz nessa busca do brasileiro por qualidade de vida?
R: A gente fala qualidade de vida sem saber direito o que é. Eu quero viver bem, estar bem. Primeiro, você tem que estar bem fisicamente. Se tiver doente, sua vida fica mais complicada. Nós temos essa ideia de investir na qualidade de vida, mas a gente quer investir sem esforço, comer tudo que te oferece, beber todo dia da semana e passar o dia inteiro sentado. Aí você quer tomar uma pílula mágica, vitaminas. Isso vai te garantir uma qualidade de vida muito boa? Não é verdade. O corpo humano não tem segredo, precisa de movimento, porque ele foi desenhado para o movimento. Não pode ficar parado de jeito nenhum. Isso é o primeiro ponto. O segundo ponto, você tem que se alimentar de acordo com as suas necessidades, porque o organismo humano não desperdiça calorias. Se transforma em gordura. Isso não depende tanto da sua vontade pessoal. Do ponto de vista psicológico, ter uma vida mais equilibrada, ter um pouco mais de tranquilidade para organizar o dia a dia, o que não é fácil.
E o uso do WhatsApp?
R: É o tempo inteiro de bombardeio. Isso vai gerando uma ansiedade. Acorda de manhã, a primeira coisa é olhar o WhatsApp. Antes você acordava, dava uns cinco minutos na cama, aí você ia pro banheiro, escovava os dentes e tomava um café. A vida tinha um compasso. Agora é imediato e a última coisa que você faz a noite, o que é? É o celular outra vez quando você vai dormir. Recomeça tudo outra vez. Isso não existe experiência na história da humanidade. Nunca foi assim. É a primeira geração. É essa aqui que está vivendo essa realidade. O que vai acontecer com essas crianças de hoje, a gente não tem ideia.
Que mensagem o senhor deixa sobre tudo isso que a gente conversou para os leitores?
R: Você não pode comer mais do que a necessidade do seu organismo e, segundo, tem que fazer exercício, não pode ficar parado de jeito nenhum e tentar controlar ao máximo o uso do celular. Eu odeio natação, quase me afoguei quando era moleque. Eu gosto de correr. Você tem que fazer o que gosta, porque isso que dá prazer.
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