A compra de ventiladores pulmonares pela Prefeitura de Belém junto à GM Serviços Comércio e Representação pode ter sido ilegal. A afirmação é do advogado e ex-auditor geral do Estado, Giussepp Mendes. A pedido do DIÁRIO, ele examinou o Termo de Reconhecimento de Dívida (TRD) que a Prefeitura usou, em substituição a um contrato.

Segundo ele, os dois artigos citados no TRD como a sua base legal não têm qualquer relação com a compra desses equipamentos. O primeiro, o artigo 63 da Lei 8666/93, trata apenas do acesso aos documentos de uma licitação. O segundo, o artigo 37 da Lei 4.320/64, refere-se ao pagamento de despesas realizadas pelo Poder Público em anos anteriores e que não foram quitadas, o que não é o caso desses ventiladores, adquiridos em 31 de março deste ano.

Na Ação Civil Pública (ACP) de improbidade administrativa que ajuizou, no último 28 de julho, contra o prefeito de Belém, Zenaldo Coutinho, o promotor de Justiça Alexandre Marcus Fonseca Tourinho, da 1ª Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa do Ministério Público Estadual (MP-PA), também aponta a falta de conexão entre a compra desses ventiladores e alegislação citada no TRD.

Há também outras supostas irregularidades. A mais problemática é a possibilidade de que a aquisição desses equipamentos tenha ocorrido antes de ser empenhada, uma infração legal grave mesmo em se tratando de compras emergenciais, como as destinadas ao combate à Covid-19.

Como você leu nas reportagens do DIÁRIO (21, 22 e 23 de junho; 05, 07 e 19 de julho e 2 de agosto), Zenaldo comprou esses ventiladores sem licitação e nem mesmo um contrato, que foi substituído por um TRD. As Notas de Empenho originais que estavam no portal da Transparência diziam que dois deles custaram R$ 260 mil cada, ou mais que o dobro do que pagaram governos e prefeiturasde vários estados.

No entanto, a Prefeitura alterou as Notas de Empenho, inserindo nelas mais equipamentos, o que reduziu o preço dos ventiladores para R$ 65 mil. Mas em ofício enviado à Diretoria de Combate à Corrupção (Decor) da Polícia Civil, em 2 de julho, a Secretaria de Estado da Fazenda (Sefa) faz uma revelação ainda mais grave: segundo ela, não há registro da entrada desses equipamentos na GM Serviços e não há como informar se eles ao menos entraram no Pará.

NOTAS

Além disso, como descobriu o DIÁRIO, a GM Serviços usou informações inverídicas nas Notas Fiscais: códigos que a colocam como a fabricante desses produtos, que, na verdade, são produzidos na China pela Mindray, uma das maiores fabricantes mundiais de equipamentos hospitalares. Tais fatos levantam a possibilidade de que esses ventiladores não existam, ou estejam em situação tão irregular que nem poderiam ter sido comercializados.

Além disso, as Notas de Empenho, as Notas Fiscais e o próprio TRD não trazem qualquer informação sobre as características e o número de série desses produtos, o que impossibilita até que a Prefeitura comprove quais os equipamentos que adquiriu e utilize a Garantia deles.

Giussepp questiona o porquê de a Prefeitura não ter feito um contrato e acredita que nem caberia um TRD nesse caso. Segundo ele, a Legislação permite o uso de TRDs, mas só em situações excepcionais: normalmente, para o pagamento de DEAs (Despesas de Exercícios Anteriores), ou para indenizações decorrentes de irregularidades, como no caso de uma empresa que executou um serviço sem cobertura contratual, porque foi determinado que o fizesse, mas o aditivo não foi ou não pôde ser assinado. “O que deveria ter sido feito (pela prefeitura) era uma compra com base na Lei 8666/93, ou seja, com um contrato. Poderiam até ter feito uma dispensa de licitação, mas com um processo ordinário de aquisição”.

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