A aquisição da fazenda Benção Divinal pelo deputado federal Éder Mauro está ficando cada vez mais “sinistra”, para não dizer “fantasmagórica”. Não bastasse os indícios de fraude fiscal - uma vez que o deputado do PSD a comprou pela bagatela de R$ 330 mil, quando ela vale hoje, de acordo com análise técnica contratada pelo DIÁRIO, R$ 2,8 milhões; o DIÁRIO teve acesso a novos documentos que revelam a suspeita de uma nova fraude na cadeia de venda da fazenda: a Benção Divinal foi comprada por Cleber Eduardo de Lima Ferreira, em 2018, de Francisca Zulmira Melo de Lima por R$ 50 mil. No entanto, esta negociação nunca poderia ter acontecido: Francisca Zulmira morreu em 22 de setembro de 2003, ou seja, 15 anos antes de Cleber adquirir a fazenda.

A negociação irregular está registrada no Livro 2-AZ, com matrícula 14.320, do Cartório de Registro de Imóveis – 1º Ofício de São Miguel do Guamá. No documento consta que Zulmira recebeu a fazenda por herança de seu pai, Antônio Aprígio de Melo, e não consta nenhum documento no cartório de que ela a tenha passado para alguém e muito menos delegado procuração para venda. Logo, a compra por Cleber Eduardo de Lima Ferreira em 2018 não poderia ter ocorrido em hipótese alguma, já que Zulmira estava morta desde 2003, como comprova a análise de situação cadastral de CPF da Secretaria de Receita Federal registrado sob o número 9F5C.7937.FDD7.648F, emitido no dia 27 denovembro de 2020.

A forma como aconteceu o repasse da propriedade para Éder Mauro está cheia de suspeitas de fraudes e fez com que a propriedade, localizada no município de Bujaru (a 196 Km de Belém), passasse em tempo recorde de Cleber Eduardo de Lima Ferreira - indiciado por participar de uma quadrilha que desviou R$ 400 milhões créditos florestais no Sistema de Comercialização e Transporte de Produtos Florestais (Sisflora) - para as mãos de Éder Mauro no dia 29 de julho de 2020.

PREÇO

O DIÁRIO teve acesso a um documento que reforça a suspeita de que Éder Mauro comprou a Benção Divinal por um preço 8 vezes abaixo do valor real de mercado. Um contrato de promessa de compra e venda da fazenda foi assinado e protocolado no cartório Kós Miranda no dia 8 de fevereiro de 2018 entre Cleber Eduardo de Lima Ferreira e Thales Câncio de Carvalho. Nele consta o valor da fazenda à época: R$ 1,4 milhão. Fica claro que a fazenda vale muito mais do que Éder Mauro pagou por ela.

Registro do cartório da negociação suspeita
📷 Registro do cartório da negociação suspeita |

Cadeia de revenda levanta suspeitas

A cadeia de revenda da fazenda até chegar nas mãos do deputado Éder Mauro está cheia de procedimentos, no mínimo, suspeitos devido a agilidade que se deu. A fazenda comprada em 2018 de uma pessoa falecida há 15 anos foi registrada pela empresa Açaí 812 Indústria e Comércio Ltda, de propriedade de Cleber Eduardo de Lima Ferreira, envolvido e preso na operação Crashwood, que em 2015 desbaratou uma quadrilha que esquentava documentos ambientais no Sisflora e que deu prejuízo de R$ 400 milhões ao Estado.

Menos de um ano depois e já investigado pela Polícia, numa operação suspeita de fraude, Cleber revende a fazenda para sua própria esposa, por apenas R$ 100 mil. Sete meses depois de ter adquirido a fazenda, em junho de 2020, a esposa de Cleber revende o imóvel para a contadora Maria Eliana Araújo Gonçalves, desta feita pelovalor de R$ 290 mil.

Maria Eliana Araújo Gonçalves possui um pequeno escritório no bairro do Jurunas, em Belém. Nos últimos 20 dias, a reportagem do DIÁRIO tentou contato telefônico e foi duas vezes no endereço comercial da contadora, mas não encontrou ninguém. A reportagem queria ouvi-la para saber o motivo pelo qual a contadora revendeu a fazenda ao deputado federal Éder Mauro por R$ 330 mil, valor oito vezes menor que o preço de mercado da fazenda, apenas um mês depois de comprá-la.

VENDA

Há a suspeita de que a cadeia de venda da fazenda foi simplesmente uma armação jurídica para que ela saísse das mãos de uma pessoa acusada de pertencer a uma quadrilha organizada especializada em fraudar os órgãos ambientais para as mãos do ex-delegado Éder Mauro sem chamar muito a atenção.

Cleber Eduardo de Lima Ferreira, que vendeu a Benção Divinal para Éder Mauro, gosta de ostentar luxo e riqueza nas redes sociais. Ele pode ser visto em viagens a Paris e Itália, cercado de pessoas da alta sociedade de Belém e mostrando carros de alto valor e muitos relógios Rolex.

Toda essa ostentação contradiz o seu depoimento sobre a operação Cashwood. No processo que tramita no Tribunal de Justiça do Pará sob o número 0003416-48.2015.8.14.0401, Cleber informa à juíza responsável, Heloisa Helena da Silva Gato, que não possui nenhum bem e que como comprovaria sua declaração de renda só recebia um salário de assessor da Secretaria de Estado de Saúde à época. Só que além da fazenda, Cleber é proprietário também da empresa Açaí 812 Indústria e Comércio Ltda. É muito luxo para quem diz ter apenas o salário deservidor público.

CUSTO DE MERCADO

A Benção Divinal de Éder Mauro possui 293 hectares e fica localizada a 22 quilômetros da sede da cidade de Bujaru. O valor da fazenda foi estimado apenas nas áreas de pastagem e do valor da terra nua, já que não foi possível verificar in loco as benfeitorias realizadas pelos antigos proprietários.

No entanto, a fazenda milionária de Éder Mauro possui várias construções compatíveis com o tipo de atividade de destinação econômica para exploração da pecuária, o que pode elevar o valor da fazenda para mais de R$ 3 milhões.

O “Laudo de Avaliação de imóvel Rural da Fazenda Benção Divinal” foi elaborado, a pedido da Redação do Diário do Pará, pelo engenheiro agrônomo Cleber de Souza Oliveira (CREA 14211 D/PA e CRECI 10479). Ele revela que a Benção Divinal de Éder Mauro tem uma área de 203,5325 hectares só com plantações de capim. A área foi medida baseando-se na imagem do satélite Sentinel2, utilizado no mundo todo para este tipo de avaliação.

Para avaliar o verdadeiro preço da Benção Divinal de Éder Mauro, o estudo levou em consideração o preço médio do valor do hectare de fazendas a vendas na região de Bujaru. Na região pesquisada, segundo o laudo técnico, o preço do hectare varia entre R$ 3.719 a R$ 17.333, o que dá uma média de R$ 9.788.15 por hectare. Se multiplicarmos este valor médio pelo tamanho da fazenda de Éder Mauro (293,5730 hectares), se chega ao valor milionário de R$ 2.873,536,55.

Éder Mauro comprou a fazenda por R$ 330 mil, quando ela vale hoje, de acordo com análise técnica contratada pelo DIÁRIO, R$ 2,8 milhões Foto: Celso Rodrigues

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