Uma pesquisa realizada em outubro passado pela LinkedIn e pela consultoria de inovação social Think Eva terminou com quase metade das entrevistadas confirmando já ter sofrido algum tipo de assédio sexual no ambiente de trabalho. Na região Norte, essa realidade é ainda mais preocupante, porque os relatos confirmam que mais de 60% das ouvidas passaram por algum tipo de violência nesse sentido.
A frequência do crime é tão alta quanto diversa, a ponto de acontecer tanto nos ambientes mais discretos como também nos mais visados e visualizados - vide a situação enfrentada pela funcionária da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) que denunciou formalmente o presidente da entidade, Rogério Caboclo, em seguida afastado do cargo.
Segundo dados do Ministério Público do Trabalho (PA/AP), em 2019 houve um total de 13 procedimentos autuados, entre notícias de fato, procedimentos de acompanhamento judicial e inquéritos civis, com o tema “assédio sexual”, contra nove no ano passado. Pelo Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT8), a queda de processos relacionados à temática caiu mais do que pela metade para o mesmo período: de 55 para 26.
“E ainda foi muito, né? Se considerarmos que 2020 foi o primeiro ano da pandemia e muita gente trabalhou de casa. Era para esse número ter ficado perto de zero”, lamenta o vice-procurador chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da 8ª Região (PRT8), Sandoval Silva.
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A presidente da Comissão da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Pará (OAB-PA), Natasha Vasconcelos, ao delimitar os dados da pesquisa feita pelo LinkedIn e pela Think Eva para a região Norte, destaca um quantitativo maior de relatos sobre assédio, em torno de 63%. “Indica ainda que 95,3% dizem saber o que é assédio sexual no ambiente de trabalho, e 51,4% admitiram conversar de forma frequente sobre o tema. Metade das entrevistadas já sofreu assédio, uma em cada seis delas pede demissão. Isto implica dizer que, apesar de ser um tema bastante debatido, não há mudança cultural ou corporativa significativa, a ponto de tornar esses espaços ambientes mais seguros ou menos violentos para mulheres”, atesta a advogada.
O vice-procurador chefe da PRT8 afirma que a realidade da mulher assediada é a de enfrentar um enorme tabu e fenomenal violência psicológica. “Há o medo da pecha, do machismo, e isso impede a pessoa de ter coragem de seguir [adiante com a denúncia], de contar que alguém passou do limite, que ofereceu vantagem em troca de uma situação sexual”, detalha.
O meio de prova também é algo que dificulta a vítima a tomar coragem de falar, já que dificilmente o agressor se expõe, e o ato quase sempre ocorre quando não há ninguém para testemunhar, ou em locais reservados. Embora o sigilo e/ou o anonimato sejam possíveis em todos os canais de denúncia relacionados a esse tipo de crime, Sandoval entende como necessária a materialização do ocorrido - o que não significa expor quem sofreu o assédio.
“É possível denunciar anonimamente, mas eu não tenho como combater sem saber quem são os envolvidos. Claro que isso não significa abrir espaço para o escárnio, a funcionária tem de ser protegida, e o MPT é enérgico nisso”, explica.
Natasha lembra ainda que, além da dificuldade da denúncia, muitas ainda seguem sendo violentadas institucionalmente ao longo do processo judicial. “O patriarcado opera como essa grande rede de comunicação que trata de acabar com a reputação das mulheres que rompem os silenciamentos impostos. O estigma é real. Vai desde o silenciamento à desqualificação moral daquelas que se insurgem. Não à toa, todos os crimes de assédio sexual noticiados recentemente na mídia só conseguiram ir adiante por conta de inúmeras denúncias, e mesmo assim, a sociedade seguia desconfiando das mulheres e pormenorizando o assédio em detrimento de serem homens poderosos e que construíram grandes impérios”, reconhece a presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB-PA.
É importante denunciar
Natasha entende que a ausência de uma política corporativa de enfrentamento, aliada à naturalização, e até mesmo conivência social, da violência de gênero, torna o processo da denúncia doloroso, solitário e vitimizador para as mulheres. “Tem as que pedem demissão por não suportá-lo, as que denunciam e sofrem retaliações, e ainda, as que silenciam e acabam se submetendo a perpetuação dessa situação”.
A pesquisa revelou ainda que 60% não denunciam por receio da demissão; 35% sentem constante medo e dificuldade; 32% desânimo e cansaço; 30% diminuição da autoconfiança; 28% sintomas de ansiedade e/ou depressão; 23% afastamento dos colegas de trabalho; e 22% diminuição da autoestima. “Impunidade, medo e ineficácia das políticas corporativas são os maiores obstáculos”, denuncia a advogada.
Natasha faz questão de reforçar que assédio sexual dirigido sobretudo às mulheres, está para além de hierarquias funcionais. Compõe o imaginário social de subalternização e objetificação de corpos femininos. “Sendo assim, qualquer tipo de consultoria, assessoria, recomendação que não tenha perspectiva de gênero, étnico-racial, de classe e de sexualidade na sua base, não conseguirá fazer os enfrentamentos necessários para diminuir ou cessar essas ocorrências”, relaciona.
Sandoval atenta para o fato de que o assédio não se caracteriza necessariamente entre chefe e subordinado, embora seja a situação mais frequente. Se um (a) funcionário é assediado (a) no exercício de sua função por um cliente da empresa, por exemplo, e a empresa nada faz a respeito, é possível enquadrar o ocorrido como uma infração organizacional. Outros exemplos incluem inclusive o assédio moral em razão do sexo, o que, segundo o procurador, já é tema de discussão no meio jurídico.
“Estamos falando de situações que, de um modo geral, adoecem o ambiente laboral. No site do MPT há formulários on-line para a realização de denúncias, contatos 0800, temos cartilhas que orientam, contamos com o apoio da imprensa, mas é sempre muito importante que o fato seja comunicado. Não para que seja um número ou estatística, mas para que possamos agir”, estimula o procurador. “O Ministério Público do Trabalho é o órgão do Direito com independência funcional para combater o poderio econômico do capitalismo, e garantir que o trabalho, a função social seja feita sem depreciar, diminuir ou mitigar a personalidade de qualquer”.
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