Há pouco mais de dez anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecia a união homoafetiva no Brasil, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132. Esse feito histórico muito celebrado foi resultado de muitas lutas e motivo de orgulho para a comunidade LGBTQIA+ e com razão.

A partir daquele momento, a expectativa era a de que casais do mesmo sexo encontrassem um caminho menos nebuloso ou pedregoso, que tivessem a chance de viver exercendo a cidadania plena sem mais questionamentos, pois lá estavam garantidos, além dos mesmos direitos de qualquer família, o princípio da dignidade da pessoa humana, como determina a Constituição.

Não a surpresa quando, nas últimas horas desta terça-feira (26), o trabalho de dois acadêmicos do curso de Direito repercutiu nas redes sociais por conta do seguinte tema: “A Inconstitucionalidade do reconhecimento civil das uniões homossexuais no Brasil: uma crítica à ADI 4277 e à ADPF 132”. O artigo foi submetido para apresentação da XXII Semana Jurídica do Centro Universitário do Estado Pará (Cesupa), tendo sido aprovado pelo Comitê Científico da instituição de ensino e sendo, posteriormente, retirado da programação pela Comissão Jurídica após a repercussão.

O resultado desses acontecimentos - resumidos em manifestos, notas de repúdio e até em ameaças de morte direcionadas aos acadêmicos pela internet - foram comentados por Gabriel Klautau Miléo, de 22 anos, um dos responsáveis pelo artigo.

Em entrevista ao DOL na noite de hoje, o estudante de Direito aproveitou o espaço para se manifestar. Ele falou sobre o que não esperava após a publicidade do artigo, as motivações do estudo atreladas aos seus princípios religiosos e como a própria família ficou dividida com os impactos desse episódio.

Diante da repercussão, você imaginava que tudo isso fosse acontecer? Como estão diante nessas últimas horas?

Não imaginávamos que a repercussão seria tão grande pois defendemos a tese de juristas renomados como Maria Helena Diniz, Ives Gandra, Carlos Roberto Gonçalves e Silvio Venosa, de que o artigo 226 da Constituição excluiu taxativamente do conceito brasileiro de família, as uniões homossexuais, ao definir a união estável e a sociedade conjugal apenas como sendo composta por “homem e mulher”. Estamos perplexos com as ameaças de morte, com a certeza de que, a nível judicial, iremos entrar com todas as medidas cabíveis. Como estamos tendo muito apoio dos padres e da Igreja nisso tudo, nossas consciências estão tranquilas.

Também em relação ao trabalho, o que motivou ser objeto de estudo?

Nossa principal motivação para fazer o trabalho é, enquanto bons católicos, cumprir o dever que foi estabelecido pelo Papa Bento XVI, quando este era prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé: “Todos os fiéis são obrigados a opor-se ao reconhecimento legal das uniões homossexuais,  os políticos católicos são-no de modo especial, na linha da responsabilidade que lhes é própria.” (Considerações sobre os projectos De reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais, 10). Em segundo lugar, para mostrar que mesmo entre os maiores civilistas, ainda há muitos que mantém a posição pela inconstitucionalidade das uniões homossexuais (especialmente Maria Helena Diniz).

Antes de apresentá-lo à XXII Jornada Jurídica, qual foi a orientação ou posicionamento do orientador durante os estudos e a execução do trabalho? Inclusive, ele está ciente da repercussão?

Sim, o orientador nos ajudou com toda a parte técnica do trabalho. Ele foi posteriormente aprovado pelo Comitê Científico do CESUPA, após análise.

Tendo em vista que o projeto passou por uma análise e foi aprovado, como reagem diante a recente decisão do Cesupa em ter optado pela não apresentação do trabalho durante o evento? Vocês esperavam que o centro acadêmico fosse tomar essa atitude?

Eles na realidade tiraram o projeto da Semana Jurídica, mas mantiveram a apresentação fora dela. Então ainda valerá, sob o ponto de vista acadêmico. Afinal, o artigo só reproduz as ideias de juristas como Maria Helena Diniz, Silvio Venosa e Ives Gandra. Não se poderia cancelar o artigo sem impugnar também a obra de todos esses autores. Isso, no caso, foi o que nos garantiu o coordenador do curso de Direito.

E a família? Como está reagindo?

Depende muito. Aqueles que ainda praticam a religião católica, se manifestam favoravelmente, apesar de temerem pela nossa vida ou integridade física. Entre aqueles para quem o catolicismo já tem menos influência em suas vidas (principalmente tios e primos mais distantes), o cenário é bem negativo. Nosso avô Aldebaro, que foi deputado, vereador e vice-prefeito de Belém, sempre defendeu as bandeiras do catolicismo na política estadual, mesmo nas maiores adversidades (já que o país está infelizmente cada vez menos católico) e tomamos ele como um exemplo em tudo isso.

Antes de encerrarmos, há algo que você e até seu irmão queiram falar? Desejam se manifestar?

O artigo trata de matéria técnica, seguindo a parte mais tradicional da doutrina sobre Direito de Família. Em sua dissidência, o ministro Ricardo Lewandowski, ao votar na ADIN 4277, deixou claro, junto de César Peluso e Gilmar Mendes, que não se pode contrariar a vontade inequívoca do legislador no caso das uniões homossexuais para as equiparar às uniões estáveis. Somente uma emenda à constituição poderia permitir um debate nesse sentido, não uma mera decisão judicial. Quanto a nós, nos manteremos sempre fiéis ao Catolicismo e à Doutrina Social da Igreja, sabendo ser a posição pró-família a posição que nos leva à maior glória de Deus.

Estudantes usam teses de juristas para defender o conceito de família, sem reconhecer a união estável homoafetiva Foto: Freepik

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