Dois traficantes apontados pela Polícia Federal como chefes de organizações criminosas no Pará ganharam o direito de explorar uma área de mais de 810 hectares de garimpos de ouro na Amazônia (o equivalente a cerca de 800 campos de futebol).
Principal alvo da Operação Narcos Gold, deflagrada no início do mês, Heverton Soares, o “compadre Grota”, aparece nos registros do governo federal como detentor de 18 permissões de lavras garimpeiras, as chamadas PLGs, que abrangem um terreno de 762 hectares. Nos registros da polícia, Grota é acusado de ser um dos principais representantes do que a PF chama de narcogarimpo. Heverton responde a processos na Justiça do Maranhão, Rondônia e São Paulo por tráfico de drogas, organização criminosa, lavagem de dinheiro e homicídio e é suspeito de ter ligações com duas facções criminosas do Sudeste.
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Alvo da Operação Enterprise, no fim de 2020, Silvio Berri Júnior consta como detentor de uma PLG de 48 hectares. Berri ficou conhecido nos anos 2000 por ser o principal piloto de avião do traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, que transportava cargas de cocaína da Colômbia ao Brasil. O piloto voltou ao radar da PF no ano passado por operar um esquema de tráfico chefiado por um ex-major da Polícia Militar de São Paulo.
Todas as 19 permissões foram outorgadas e efetivadas aos dois traficantes pela Agência Nacional de Mineração (ANM) entre 2020 e 2021 e são válidas para Itaituba, na região do Médio Tapajós, no Pará. O município é conhecido como “Cidade Pepita” pela grande quantidade de jazidas de ouro encontradas a poucos metros da superfície do solo.
Vinculada ao Ministério de Minas e Energia, a agência informou em nota que não é de competência da autarquia “pesquisar a vida pregressa, judicial ou afins” de pessoas que pedem o direito de explorar o subsolo da Amazônia. Segundo o comunicado da ANM, a tarefa é de “orgãos específicos judiciais e de polícia”.
O PLG é um instrumento criado na Constituição de 1988 para regularizar o trabalho de pequenos garimpeiros artesanais - por isso, ao contrário do alvará de mineração, a outorga dispensa estudos de impacto ambiental. A permissão restringe a exploração mineral a uma área máxima de 50 hectares e é destinada a pessoas físicas ou cooperativas de garimpeiros.
CONTROVÉRSIA
Grota, no entanto, está longe de ser um garimpeiro artesanal. A Polícia Federal atribui a Heverton a propriedade de fazendas, haras, pistas de pouso, empresas de maquinário de extração mineral e peças de carro, além dos garimpos de ouro. Os empreendimentos, segundo os investigadores, movimentavam mais de R$ 30 milhões e se prestavam especialmente à ocultação da atividade mais lucrativa do empresário: o tráfico de drogas. Quando cumpriu os mandados de busca e apreensão deferidos pelo juiz Alexandre Rizzi na Narcos Gold, a PF encontrou em seus endereços duas aeronaves e joias de ouro.
Grota ainda está foragido. As defesas do empresário e de Berri não foram localizadas para comentar as acusações e as autorizações obtidas na ANM para o garimpo artesanal.
Permissões crescem sob Bolsonaro
Heverton protocolou todos os 18 requerimentos de lavra em setembro de 2019, no mesmo mês em que um grupo de garimpeiros de Itaituba bloqueava a BR-163 em protesto contra ações de fiscalização ambiental.
Dois meses depois, o presidente Jair Bolsonaro discursou a integrantes desse mesmo grupo no cercadinho do Palácio da Alvorada. Na ocasião, Bolsonaro disse que pretendia tirar da alçada da ANM a concessão das “lavras garimpeiras” e entregá-la diretamente ao Ministério de Minas e Energia.
- Pegaram a legislação e jogaram para a agência mineral, mas dá para voltar para o ministério. Conversei com o ministro Bento (Albuquerque) hoje para voltar, para nós decidirmos, se deixar para o lado de lá complica a situação aí para vocês - disse Bolsonaro, aplaudido pelos garimpeiros.
A promessa do presidente nunca se cumpriu. Mas especialistas ambientais viram na retórica do presidente uma forma de pressionar a agência a liberar com mais facilidade as outorgas.
- Cresceu muito a quantidade de PLGs no governo Bolsonaro. Essa legislação foi feita para dar errado. Diversas investigações já mostraram que se usa esse instrumento para esquentar o ouro extraído em terras indígenas e áreas de conservação - afirmou o advogado Rodrigo Oliveira, assessor jurídico do Instituto Socio Ambiental, que já atuou em operações do Ministério Público Federal para combater o garimpo ilegal.
PERMISSÕES
A maior quantidade de lavras garimpeiras concedidas pelo governo federal em 2020 ocorreu justamente em Itaituba: foram mais de 120 PLGs. Tantas permissões que, em julho, o Ministério Público Federal do Pará entrou com uma ação na Justiça pedindo para “suspender os efeitos das permissões”. O pedido ainda não foi atendido.
Agentes do Ibama e da ANM confirmam o uso de PLGs para dar uma “origem legal” ao ouro retirado de áreas protegidas na floresta amazônica. Como a outorga não exige pesquisa mineral - ou seja, quanto de metal será extraído de determinada área - criminosos podem atribuir o quanto eles quiserem de ouro ao local. Para os agentes do instituto e da agência, a permissão é uma brecha na legislação que facilita lavar dinheiro de esquemas ilícitos, como tráfico e contrabando, e colocar os montantes em circulação no sistema financeiro convencional.
- É a sociedade da ilegalidade. É por isso que ao invés de atrair investidores do bem, que sejam responsáveis com o meio ambiente, estamos trazendo as facções criminosas para cá. A Amazônia hoje está entregue a essas organizações - afirmou Caetano Scannavino, coordenador da ONG Saúde e Alegria, que presta atendimento médico a populações ribeirinhas na Região do Tapajós.
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