O primeiro inciso do art. 5º da Constituição Federal é bem claro: homens e mulheres são iguais em direitos e deveres. Assim, a Constituição de 1988 procura estabelecer na vida de cada mulher brasileira o ideal de uma vida digna e plena de direitos. Ocorre que a concretização desse ideal permanece um grande desafio.
Em 2018 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instituiu, por meio da Resolução nº 255, de 4 de setembro de 2018, a Política Nacional de Incentivo à Participação Feminina no Poder Judiciário, estabelecendo a igualdade de gênero com um objetivo a ser perseguido por órgãos de Justiça. A resolução pretende incentivar a presença feminina no Judiciário e o tratamento igualitário na alta administração dos tribunais.
Apesar disso, de acordo com o conselho, ainda existe um déficit de representatividade feminina na magistratura brasileira. Segundo apontado no relatório “Diagnóstico da Participação Feminina no Poder Judiciário”, elaborado pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) em 2019, as mulheres correspondem a 51,6% da população brasileira, enquanto as juízas representam apenas 38,8% do total de magistrados no país.
Apesar de ainda baixo, houve evolução percentual de magistradas em relação à composição do Poder Judiciário no ano de 1988, quando as mulheres ocupavam somente 24,6% dos cargos de magistrados.
A participação feminina entre os servidores mostra uma situação contrária à observada entre os magistrados, já que as mulheres representam 56,6% do total dos servidores que atuaram no Poder Judiciário nos últimos 10 anos. As mulheres, ainda de acordo com o estudo de 2019, também ocuparam mais funções de confiança e cargos comissionados do que os homens (56,8%), entretanto, o percentual observado é bem próximo ao de servidoras. Além disso, 54,7% dos cargos de chefia foram ocupados por mulheres nesse período.
PARÁ
No Pará o aumento da representatividade feminina no âmbito do poder judiciário caminha na mesma direção da tendência nacional: em 2020 cinco dos maiores Tribunais estaduais e federais com representação no Estado elegeram magistradas para o comando das casas para o biênio 2020/2022.
A única exceção é o foro judiciário federal, cuja direção é exercida pelo juiz federal José Airton de Aguiar Portela. Na seção judiciária do Pará, dos 29 juízes federais em exercício (em varas federais, turmas recursais e subseções judiciárias), apenas 4 (13,8%) são mulheres.
As mulheres que entraram em 2022 no seu segundo e último ano de direção (com possibilidade de reeleição) são: Graziela Leite Colares (Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região – TRT8); Luzia Nadja Guimarães Nascimento (Tribunal Regional Eleitoral do Pará – TRE do PA); e Célia Regina de Lima Pinheiro (presidente do Tribunal de Justiça do Pará – TJPA).
Os dois Tribunais de Contas também têm líderes femininas
O Tribunal de Contas do Estado (TCE-PA) e o Tribunal de Contas dos Municípios do Pará (TCM-PA) têm a função de auxiliar o Legislativo (tanto estadual quanto municipal) a fiscalizar a execução orçamentária e financeira do Estado e dos municípios, respectivamente.
Esses órgãos de controle externo também têm mulheres em seus comandos. São elas: Maria de Lourdes Lima de Oliveira (TCE-PA); e Mara Lúcia Barbalho da Cruz (TCM-PA).
Conheça as mulheres que estão à frente dos tribunais do Estado
Célia Regina de Lima Pinheiro (presidente do Tribunal de Justiça do Pará – TJPA)
Com 30 anos de magistratura sendo 15 apenas como desembargadora, Célia Regina Pinheiro,58, também recebeu a gestão do poder Judiciário do Estado do Pará em meio a uma pandemia que assolou o mundo. “Nosso maior desafio era continuar fazendo a prestação jurisdicional sem colocar em risco a vida de nossos magistrados, servidores e colaboradores. Tínhamos mais de 600.000 processos tramitando em meio físico e acesso precário à internet. Enfrentamos o desafio de trabalhar de casa sem deixar de cumprir com nosso dever com a sociedade. Não fechamos as portas do Poder Judiciário”, relembra.
O TJPA trabalhou ao longo de todo o ano, em estado de pandemia, para digitalizar e migrar todo o acervo processual do poder. “Não foi fácil. O Pará tem extensão territorial continental com comarcas que só acessadas após muitas horas de avião, carro e barco. Foi preciso investimento. Digitalizamos quase todo o acervo processual, contratamos internet para todas as comarcas e atualizamos todo o parque tecnológico. Nossa meta agora é avançar e elevar o poder judiciário do Pará para entre os Tribunais do Brasil de maior produtividade”.
Ela diz que o Brasil e o mundo vivem um momento onde não cabe mais preconceito contra as mulheres. “Nós já conseguimos provar que somos capazes de assumir cargos de alta gestão. Não podemos nos permitir não tentar. Ocupei todos os cargos de direção que minha carreira me permitiu. Sou de um Tribunal que teve a primeira mulher presidente de Tribunal de Justiça no Brasil e que atualmente é composto por maioria de mulheres. Competência já mostramos que temos.
Hoje o TJPA possui 383 magistrados espalhados entre todas as comarcas do Estado, sendo 240 do sexo masculino (62,7%) e 143 do sexo feminino (37,3%). Já entre os trabalhadores do judiciário estadual as mulheres são maioria: dos 5.087 servidores, 2.614 (51,4%) são mulheres e 2.473 (48,6%) são homens.
Luzia Nadja Guimarães Nascimento (Tribunal Regional Eleitoral do Pará –TRE do PA)
A desembargadora Luzia Nadja Guimarães Nascimento, 64, assumiu a presidência do TRE do Pará em 22 de janeiro de 2021. Já no discurso de posse reafirmou a consciência do seu papel como servidora pública e o incentivo à participação das mulheres na política, com o olhar voltado às minorias, “no sentido de capacitá-las para que conheçam os seus direitos e possam participar da vida política da nação”.
Foi presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Pará (2013/2015); diretora da Escola Superior da Magistratura do Estado do Pará (2015-2017) e juíza substituta do TRE do Pará entre 2015 e 2019
Ela estará à frente das eleições majoritárias de outubro próximo. “É um desafio para quem se propõe a assumir a presidência de um tribunal. A eleitora e o eleitor podem ficar tranquilos em relação à condução de todo o processo eleitoral, porque vamos trabalhar para garantir não só a liberdade, mas também os espaços necessários para que as candidatas e os candidatos possam expor as suas ideias e todos possam escolher, com liberdade, quem deverá representá-los”.
“Nós mulheres galgamos espaços com competência, dedicação, dinamismo e com vontade de fazer diferente. Os desafios devem vir para que estejamos sempre prontas para enfrentá-los e entregar à sociedade. Ao final da minha gestão quero poder dizer o quanto pude contribuir com a minha atividade para uma Justiça Eleitoral ainda mais forte”
A composição do Tribunal conta com 15 membros (7 efetivos e 8 substitutos), incluindo os representantes do Ministério Público. Desse total, 4 são mulheres: a desembargadora-presidente, Luzia Nadja Nascimento (membro efetivo), a juíza federal Carina Cátia Bastos de Senna (membro efetivo), a desembargadora Maria Filomena de Almeida Albuquerque (substituta), e a juíza Rosa de Fátima Navegantes (substituta).
No Judiciário, segundo relatório do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) em 2019, as juízas representam 38,8% do total de magistrados no país. Em 1988, esse número chegava a quase 25%.
Graziela Leite Colares (Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região – TRT8)
A desembargadora Graziela Leite Colares, 59, ingressou na Justiça do Trabalho em 1990 como juíza substituta e chegou ao desembargo trabalhista por merecimento em 2002, chegando à presidência da corte em 2020. Ela destaca como um dos principais avanços da sua gestão a abertura para restabelecer a Política de Gestão Por Competências, voltada para uma efetiva avaliação
da produtividade e da qualidade dos servidores”.
“Após os piores momentos da pandemia de Covid-19, conseguimos retomar gradualmente o atendimento presencial da população, conforme foram avançando as etapas de vacinação, e fizemos isso de forma segura, ordenada e sem exposição de nosso público interno”, destaca.
A magistrada ressalta que hoje cada vez mais mulheres estão à frente de cargos de chefia no judiciário. “Atualmente no TRT8 nossa composição é praticamente paritária, com quase 50% de nosso quadro formado por mulheres, que também são maioria
na magistratura trabalhista em geral”, contabiliza.
Com o avanço das discussões e das ações voltadas para uma ampliação de políticas de gênero, a presidente do TRT8 diz que “é visível o aumento de participação da mulher em todos os segmentos, e quem ganha com isso é toda a sociedade, porque vista a partir
da sua pluralidade de talentos e necessidades”.
A composição do pleno do TRT8 é de 23 desembargadores, sendo que no momento conta com apenas 22, sendo um é juiz convocado. Desse total, 10 são mulheres (45,45%). Na última lista tríplice que foi encaminhada para o TST há duas semanas, constam os nomes de duas mulheres e um homem. “O TRT8 tem uma peculiaridade interessante: desde 2018 sua composição de presidência, vice-presidência e corregedoria tem tido à frente mulheres. Esse ciclo deve se encerrar no final de 2022”, destaca a desembargadora do trabalho.
Maria de Lourdes Lima de Oliveira (Tribunal de Contas do Estado do Pará – TCEPA)
Maria de Lourdes Lima de Oliveira, 69, é natural de Irituia, onde já foi prefeita. Pedagoga e Bacharel em Direito, foi funcionária pública e deputada estadual por dois mandatos consecutivos.
Na Assembleia Legislativa exerceu o cargo de 2ª Vice-Presidente, foi líder de partido, titular de importantes comissões e autora de vários Projetos de Lei de proteção à fauna e flora do Estado. Pela destacada atuação parlamentar, tornou-se conhecida como “Mulher de Fibra”.
Em 2002, foi empossada como Conselheira do Tribunal de Contas do Estado, onde assumiu diversos cargos: relatora de contas de governo; coordenadora de processos por dois mandatos; vice-presidente por dois mandatos, coordenadora de tecnologia da informação e atualmente exerce pela terceira vez a Presidência da Corte de Contas.
A conselheira ressalta que as minorias dos cargos ocupados por mulheres se dão em todas as esferas de governo e na iniciativa privada, não sendo uma realidade apenas nos Tribunais. “Ainda prevalece em nossa sociedade questões culturais que geram preconceito e falta de reconhecimento na capacidade da mulher em ocupar postos de comando. Somos inteligentes e capazes de construir não só nossa história, como a da sociedade.
Ela lembra que pela primeira vez todos os Tribunais do Estado são liderados por mulheres. “É um marco de muita representatividade que ratifica a competência feminina e que também traz uma grande responsabilidade, porque somos inspiração para muitas outras mulheres que, assim como nós, empenham-se em fazer o melhor nos seus segmentos profissionais e merecem reconhecimento e respeito”, analisa.
O TCE-PA possui hoje 7 conselheiros no total, sendo duas conselheiras (28,6%). Dos 4 conselheiros substitutos, há uma conselheira substituta, o que representa um percentual de 25%.
Mara Lúcia Barbalho da Cruz (Tribunal de Contas dos Municípios do Pará – TCMPA)
Mara Lúcia Barbalho da Cruz, 60, é Bacharel em Direito, Psicóloga e conselheira da corte Municipal de Contas desde 2008, onde já exerceu a função de ouvidora (2 vezes). Desde janeiro de 2021 preside pela primeira vez a instituição.
“O mandato é curto quando se fala de uma instituição que fiscaliza a aplicação de recursos públicos em 144 municípios num Estado com dimensões tão grandes como o Pará. O desafio é estar sempre próximo ao
jurisdicionado”, aponta.
A pequena participação de mulheres em cargos de chefia, diz a conselheira, é uma questão é histórica e não se limita ao judiciário. “A maioria dos cargos de comando e direção no país é de homens, inclusive daqueles eletivos, quando analisamos a questão dentro dos parlamentos federal,
estadual e municipal”.
Segundo ela o modelo de sociedade patriarcal ainda é uma realidade no Brasil, onde os espaços das mulheres têm que ser conquistados com resiliência, independente da capacidade que demostram em diversas áreas de atuação ou até mesmo dentro
de sua própria família.
“Exigimos respeito! Acima de tudo como cidadãs e maioria no país. Há que se fazer cumprir o que dispõe nossa Lei Maior, que afirma, que todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza”.
Antes de ser nomeada conselheira do TCM, trabalhou no Banco do Estado do Pará, Câmara de Vereadores de Belém e foi por 21 anos procuradora do então Ministério Público de Contas junto ao TCM, hoje Ministério Público de Contas dos Municípios do Pará (MPCM-PA), chegando à procuradora-chefe daquela instituição.
Atualmente, o Tribunal de Contas dos Municípios do Pará possui sete conselheiros, sendo uma mulher e a atual presidente (conselheira Mara Lúcia Barbalho da Cruz), e quatro conselheiros substitutos, tendo duas conselheiras (conselheiras substitutas Adriana Oliveira e Márcia Costa).
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