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MEMÓRIA DE BELÉM

Hotel Farol é testemunha das mudanças em Mosqueiro

Tudo começou com uma casinha há mais de 90 anos. Mas do sonho de um visionário, o Hotel Farol foi ganhando forma e hoje é referência na Bucólica, com uma arquitetura que chama atenção de quem visita a ilha.

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Imagem ilustrativa da notícia Hotel Farol é testemunha das mudanças em Mosqueiro camera História do Hotel Farol remonta aos primórdios da ocupação da ilha. | FOTOS: CELSO RODRIGUES

Na ponta de praia marcada pela interseção de três baías que banham a ilha de Mosqueiro – a Baía de Santo Antônio, a Baía do Marajó e a Baía do Sol -, a história construída há mais de 90 anos permanece de pé até hoje. Com uma arquitetura diferente de qualquer outra construção vista na região, com a frente arredondada e voltada para o rio, o Hotel Farol é testemunha das muitas transformações vivenciadas pela bucólica ilha ao longo dos anos.

A história do Hotel Farol está intimamente ligada à da família Mártyres, até hoje proprietária da hospedaria. Décima filha do casal responsável pela construção, Múcia Graça Mártyres, 75 anos, conta que já em meados de 1924, quando a região da Praia do Farol e do Chapéu Virado era ocupada apenas pela vegetação nativa, o seu pai já mantinha uma pequena casinha no local. “O meu pai era um caboclo de Bragança, com muito orgulho, que chegou a empaneirar farinha para poder estudar na capital, onde ele chegou a estabelecer uma república de estudantes para que o pessoal do interior que fosse para a cidade estudar tivesse onde ficar”, conta a filha. “Em 1929 ele casou-se com a minha mãe e eles ainda passaram dois anos em Belém, mas depois vieram para Mosqueiro, onde ele já tinha essa casinha desde 1924”.

Múcia Mártyres conta as dificuldades enfrentadas para se erguer o prédio
📷 Múcia Mártyres conta as dificuldades enfrentadas para se erguer o prédio |FOTOS: CELSO RODRIGUES

Na casinha instalada na ponta da Praia do Farol, o dr. Zacharias Mártyres e sua esposa, Adelaide de Almeida, construíram a própria família. No local, nasceram os 15 filhos, todos pelas mãos de parteiras da região. Três deles, infelizmente, faleceram antes de completar um ano de idade e os outros 12 foram criados soltos na praia, curtindo a natureza. Enquanto a família crescia, Zacharias Mártyres também ia alimentando um ousado sonho. “Ao redor da casinha dele, ele foi construindo uma casa de hóspedes. Ele pensava em explorar aqui o jogo, seria como um cassino, mas acabou sendo uma hospedaria”.

A dedicação dispensada à construção fica evidente no belo desenho formado no piso do salão nobre do hotel, composto por cortes de três tipos de madeira de lei, o acapu, o pau-amarelo e a sucupira.
📷 A dedicação dispensada à construção fica evidente no belo desenho formado no piso do salão nobre do hotel, composto por cortes de três tipos de madeira de lei, o acapu, o pau-amarelo e a sucupira. |FOTOS: CELSO RODRIGUES

A dedicação dispensada à construção fica evidente no belo desenho formado no piso do salão nobre do hotel, composto por cortes de três tipos de madeira de lei, o acapu, o pau-amarelo e a sucupira. Múcia conta que o próprio pai foi responsável pelo desenho preservado no piso até hoje. “Ele montava esse desenho, com muito esmero, à luz de lamparina, à noite, quando vinha de Belém. Como ele era advogado, todos os dias ia a Belém trabalhar, no Navio Almirante Alexandrino, e voltava a Mosqueiro à tarde”, conta. “Quando ele chegava, tomava banho, jantava, e vinha para cá montar os desenhos do piso, que foram todos criados por ele. Para assentar, tinha a pessoa especializada para fazer”.

CHARRETE

Na época em que o advogado deu início à empreitada, o acesso à Ilha de Mosqueiro era muito diferente do realizado hoje, com trânsito facilitado por via rodoviária. À época, para chegar à ilha, o rio era o único caminho e mesmo dentro de Mosqueiro o transporte era escasso. Para que Zacharias conseguisse chegar ao trapiche de onde partia o navio Almirante Alexandrino, na Vila, dona Adelaide o levava de charrete. “Essa parte do Farol e Chapéu Virado era só mato. Para o meu pai poder ir trabalhar, como não passava transporte aqui, eles bosquearam a mata e fizeram uma rua. Eles tinham uma charrete que a minha mãe dirigia os cavalos para ir deixá-lo para pegar o navio para ir trabalhar e depois ela buscava”.

Interior do imóvel permanece bem preservado
📷 Interior do imóvel permanece bem preservado |FOTOS: CELSO RODRIGUES

Navio gaiola foi inspiração para forma arredondada

Na construção erguida no entorno da antiga casinha, Zacharias Mártyres foi dando a forma arredondada ao hotel. A ideia do advogado era a de imitar um navio gaiola, tipo de embarcação muito utilizada, na época, na região do Baixo Amazonas. “Em cima, por exemplo, os quartos são para dentro, como os camarotes. Ao redor tem o convés, que é o corredor do hotel, onde de qualquer lugar que você passe, você aprecia a natureza. E toda a ventilação é como de um navio mesmo, com venezianas e as janelas basculantes”, explica. “Meu pai dizia que, quem se hospeda aqui, quando a maré enche e bate no cais de arrimo, você tem anítida sensação de estarem um navio”.

Nos corredores, outro detalhe é destacado por Múcia: as escápulas instaladas como no navio gaiola. “Na época que ele acabou a construção e a hospedaria foi aberta para hospedagem, ele alugava também o espaço para as redes. Uma por baixo, uma mais por cima, uma cruzando, como nos navios mesmo. Hoje mantemos as escápulas porque são históricas, mas não se permite mais ninguém hospedado pelos corredores”, explica.

Não apenas as escápulas, mas todas as outras características do hotel foram mantidas pela família ao longo dos anos. No salão nobre que chegou a receber oficiais militares americanos sediados na base aérea de Val-de-Cans na época da Segunda Guerra, muitos mobiliários antigos também ajudam a contar parte da história. “Essa é uma escrivaninha do meu pai. Parece um piano, mas é uma escrivaninha que tem mais de 100 anos, uma madeira que não acaba. Para nós, essa parte aqui do salão nobre é de um hotel quase museu”, brinca Múcia. “Na época da Segunda Guerra, quando os militares americanos faziam a residência no aeroporto, vinham para cá passar ofinal de semana. Aterrizavam na água e curtiam o fim de semana aqui na praia e no hotel”.

A intensa movimentação de hóspedes marcou a rotina do hotel. Com o falecimento de Zacharias Mártyres, em 1958, foi a dona Adelaide e os filhos que assumiram o comando do empreendimento. Ela se manteve à frente da administração até o seu falecimento, em 2007, logo após completar 100 anos de idade. Desde então, osfilhos dão continuidade ao sonho do casal.

CANOA

Múcia explica que todos os filhos desenvolveram suas próprias profissões e muitos até se mudaram do país, mas, depois de aposentados, retornaram à casa. Alguns de mais distante e outros mais de perto, eles administram o lugar que vai muito além de um empreendimento, mas passa também por um espaço de memória da família. “Procuramos manter tudo como eles fizeram. O hotel hoje já é tombado pelo Patrimônio Histórico desde 2004 e eu acredito que só conseguimos manter isso aqui como está, bem conservado, porque nenhum de nós vive disso”, considera. “Tudo que entra é para manter o próprio hotel e continuar tendo essa memória dos nossos pais que, com muita dificuldade, conseguiram trazer esse material de canoa à vela até aqui. Minha mãe contava que, muitas vezes, a canoa com o material virava com a correnteza. O que dissolvia na água, perdia. O que não dissolvia, quando a maré baixava, o pessoal ia até lá para colocar o material para cima. Então, foi uma luta muito grande, realmente”.

TOMBADO

* A pedido do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Pará (CREA), o Hotel Farol foi tombado como patrimônio histórico em 2004, por meio do Departamento de Patrimônio Histórico,Artístico e Cultural (DPHAC) da Secretaria de Estado de Cultura do Pará (Secult).

* Além do hotel, também integra o tombamento a Ilha dos Amores, formação rochosa instalada bem em frente ao hotel. Durante anos, Zacharias Mártyres hasteava as bandeiras do Brasil e de Portugal na pequena ilha, como forma de homenagear a esposa, de origem portuguesa, Adelaidede Almeida.

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