Quando as notícias acerca da Independência do Brasil, proclamada em 07 de setembro de 1822, chegam à então Província do Grão-Pará, a elite portuguesa que estava no poder no Estado não aceita bem a novidade.
Recusando-se submeter ao comando de Dom Pedro I, que já se encontrava no poder no Rio de Janeiro, o Governo do Pará à época decide manter-se colônia de Portugal e ignorar o resto do Brasil, situação que se estendeu por mais de um ano, até que fossem forçados a assinar o documento que rompeu as relações do Pará com a coroa portuguesa. O episódio resultou no que, hoje, é o feriado da Adesão do Pará à Independência, lembrado todo dia 15 de agosto.
Ainda que a elite no poder não aceitasse a ideia de independência de Portugal, outra elite da época almejava a adesão do Pará ao resto do Brasil independente. O historiador e professor da Universidade do Estado do Pará (Uepa), Leopoldo Nogueira Jr., explica que, à época, quem estava no poder no Estado era a elite portuguesa, porém, também havia uma outra tinha o interesse de assumir o poder do Estado no lugar dos portugueses.
“Essa outra elite existente na época, uma elite paraense liderada pelo cônego Batista Campos, setores da Maçonaria, médicos e comerciantes, almejava a adesão do Pará à Independência como uma forma de retirar os portugueses do poder”, explica. “Eles defendiam a adesão por acreditar que, se o Pará aderisse ao Rio de Janeiro e rompesse com Portugal, quem passaria a assumir o poder seriam as elites paraenses e não mais as portuguesas”.
POPULAÇÃO
Enquanto a disputa ocorria, para a população pobre do Pará, que era a maioria, esse impasse não importava muito, até porque tal debate sequer chegava à grande parte do povo que não lia os jornais, já que era, em sua maioria, analfabeta. Sem que a realidade social da população sofresse qualquer melhoria, se mantinha a tensão entre a elite paraense que defendia a adesão e a elite portuguesa que desejava manter o vínculo direto com Portugal, ao mesmo tempo em que havia uma pressão do próprio Brasil para que o Pará aderisse.
Esse cenário se arrastou por mais de um ano, entre setembro de 1822 e agosto de 1823. Diante do impasse, Dom Pedro, interessado na adesão do Pará à Independência, contrata um almirante inglês e o envia para o Grão-Pará com a missão de obrigar a província a aderir à independência.
“Grenfell chega ao Grão-Pará e ancora seus navios próximo à região de Mosqueiro e, em nome de Dom Pedro, envia mensagem ao Governo do Pará para que assinassem a carta de adesão à independência. Inicialmente, os portugueses negam-se a aderir e, então, Grenfell faz o que se chama de um blefe, uma mentira”.
O almirante inglês decide dizer às autoridades locais que Belém estava cercada por fragatas inglesas e que ele iria bombardear e invadir a cidade se as autoridades civis, militares e eclesiásticas não assinarem a independência.
Diante dessa ameaça, o governo local cede. “Grenfell, representando Dom Pedro I, vai ao gabinete no dia 15 de agosto de 1823 e chama também a elite paraense, inclusive os que estavam brigando contra a elite portuguesa no poder, e fazem um acordo que resulta na assinatura da Adesão do Pará à Independência”, explica o professor Leopoldo. “Dessa forma, o Pará rompe com Portugal e adere ao Rio de Janeiro. Então, a adesão do Pará, assim como a Independência do Brasil, foi um acordo de cavalheiros”.
O professor reforça que a Adesão do Pará não significou, em nenhum momento, mudanças na vida social no Estado. Assinado o acordo, Grenfell pega a carta e se prepara para voltar ao Rio de Janeiro. Porém, neste momento, uma parte dos líderes paraenses se revoltam por não aceitarem as condições impostas para que ocorresse a adesão.
“Na hora que Grenfell assinou o acordo da adesão, ele garantiu que os portugueses permaneceriam no poder. Então, a elite paraense não aceita essa situação e vai para a massa, convoca a população e vai para as ruas. Começa-se, então, uma grande hostilidade aos portugueses em Belém, com invasões de casas, de comércios, cria-se um sentimento antilusitano e uma certa xenofobia, então, cria-se um caos em Belém”.
Manifestantes são presos e mortos
Ainda em território paraense, Grenfell não concorda com as manifestações e, por conta própria, assume o policiamento da cidade de Belém. É quando ele começa a prender, fuzilar e matar os paraenses revoltosos, tudo isso já depois da assinatura da Ata de Adesão à Independência.
“Ele simplesmente começa a prender pessoas em diversos quartéis e inclusive em navios. Tinha um navio ancorado na Baía do Guajará chamado Brigue Palhaço e dentro desse navio coloca alguns presos. Certa madrugada os presos começam a se revoltar e o Grenfell manda assassiná-los”, lembra Leopoldo.
Então, 256 paraenses morreram asfixiados dentro de um navio em um episódio na história do Pará chamado de a Tragédia do Brigue Palhaço”, aponta o historiador. Doze anos mais tarde, o mesmo sentimento identitário que tomou os revoltosos mortos no episódio do Brigue Palhaço também encorajaria os Cabanos a lutar pela tomada de Belém, já em outro importante capítulo da história do Pará.
DOCUMENTOS
ATA
A ata de assinatura que registra oficialmente a Adesão do Pará à Independência do Brasil faz parte do acervo do Arquivo Público do Estado do Pará. O documento, assinado em 1823, no palácio que hoje abriga o Museu do Estado do Pará (MEP), traz a lista de autoridades que assinaram a ata, incluindo o Cônego Batista Campos, que mais tarde vai se desapontar com Dom Pedro I e passar a lutar contra o Governo Imperial do Brasil, adotando uma participação fundamental no movimento da Cabanagem.
CORRESPONDÊNCIAS
Outros documentos que também integram o acervo do Arquivo Público mostram a disputa existente durante o período de mais de um ano em que o Pará continuou ligado a Portugal, enquanto o restante do Brasil já havia se declarado independente. Parte deles são correspondências enviadas para a Província do Grão-Pará tanto pelas autoridades portuguesas, quanto pelas autoridades do Rio de Janeiro a fim de convencer as elites locais a apoiar um ou outro.
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