O calor característico da região amazônica já é um velho conhecido da população, mas o atual momento de transição para o possível desenvolvimento de um Fenômeno El Niño pode significar o aumento acima do normal das temperaturas na região já no próximo período chuvoso.
Bastante comentado entre especialistas, os possíveis efeitos causados pelo fenômeno já foram destacados, inclusive, em um relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM) que alerta que o mundo deverá enfrentar calor recorde nos próximos cinco anos, com queda no volume de chuvas na Amazônia. Mas, afinal, o que é o fenômeno El Niño e que impactos ele pode causar para além do aumento da temperatura?
Antes de compreender mais especificamente o que significa o El Niño, o meteorologista e coordenador do Núcleo de Monitoramento Hidrometeorológico (NMH) da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), Antônio Sousa, aponta que é preciso entender o contexto da circulação geral da atmosfera como um todo.
Ele explica que a circulação geral da atmosfera, que envolve todo o globo, é composta por sistemas de alta pressão e de baixa pressão, por áreas de confluências de ventos, áreas de favorecimento à formação de nuvens, do posicionamento de sistemas produtores de chuva, como frentes frias e a Zona de Convergência Intertropical, que atua muito fortemente na região amazônica.
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Todos esses sistemas fazem parte da circulação geral da atmosfera que está diretamente relacionada com a configuração e características dos oceanos. Nesse sentido, os efeitos sofridos pelos oceanos impactam nesses sistemas. “Os oceanos são a principal fonte de umidade para os continentes. Somente o Oceano Pacífico ocupa quase 30% do planeta e esse fenômeno El Niño ou La Niña acontecem justamente no Oceano Pacífico”, relaciona.
Quando acontece o fenômeno El Niño, o que se tem é uma alteração na configuração da temperatura das águas superficiais do Oceano Pacífico, fazendo com que elas fiquem mais quentes do que o normal. Já quando se tem o fenômeno La Niña, que possui o efeito contrário, há um resfriamento das águas do oceano.
Naturalmente, essas mudanças nessa área da região do Pacífico Equatorial alteram o posicionamento dos sistemas que compõem a circulação geral da atmosfera, mudando também a circulação dos ventos em todo o planeta.
ALTERAÇÃO
Segundo Antônio, em algumas áreas, essa alteração acaba resultando na diminuição das chuvas e em outras áreas no aumento de chuvas. “No Sul do Brasil, por exemplo, quando acontece um El Niño as chuvas tendem a intensificar. Já na Região Amazônica, as chuvas diminuem, algumas vezes até bruscamente, dependendo da intensidade do fenômeno”, explica. “Esse fenômeno varia entre a intensidade fraca, moderada e forte. Os El Niños fortes são menos comuns de acontecer, mas mesmo ele fraco a moderado já altera a circulação dos ventos e altera também o posicionamento dos sistemas produtores de chuvas”.
Nesse sentido, quando o fenômeno acontece, as chuvas na região amazônica diminuem, assim como diminui também a cobertura de nuvens. Tais efeitos, combinados, levam a uma tendência de que as temperaturas da superfície aumentem. O meteorologista aponta que, em anos de atuação do El Niño, o normal é que as temperaturas máximas fiquem em 2°C a até 3°C acima do normal, dependendo da intensidade do fenômeno.
ÁGUAS
“Nos últimos três anos nós tivemos um La Niña atuando, quando as águas lá no Pacífico se resfriam, e se intensifica a formação de nuvens e das chuvas aqui na nossa região. Porém, neste momento a gente está atravessando de uma fase de La Niña para El Niño, então, o normal é que o impacto desse fenômeno ocorra justamente no próximo período chuvoso, que é o período chuvoso de 2023/2024”, diz.
“Geralmente, no Sul do Pará o período chuvoso vai de outubro até março, passando de um ano para o outro. Já na Região Metropolitana de Belém, o período chuvoso inicia em dezembro e vai até maio”.
A previsão de que os impactos decorrentes de um possível El Niño ocorram apenas no próximo período chuvoso está relacionada à demora natural para que o fenômeno se desenvolva. Segundo Antônio Sousa, a fase que o planeta passa, atualmente, é a de transição e, portanto, a efetiva atuação do El Niño e, consequentemente dos seus impactos, ainda deverá ser confirmada no segundo semestre deste ano.
“É preciso lembrar que a mudança nas características do oceano está começando agora. O normal é que o El Niño se desenvolva, mas a gente só vai poder afirmar que ele está mesmo atuando daqui a três a quatro meses, porque é um processo lento. A partir de setembro a gente já terá como afirmar se ele realmente vai estar atuando”, explica.
“A variação da temperatura dos oceanos tende a ser lenta e gradual, então, a partir do momento que a mudança ocorre, o acompanhamento é feito de forma que passe três meses, no mínimo, com uma característica realmente de aquecimento. A partir daí pode-se confirmar a atuação realmente do El Niño. Caso contrário, se não entrar nas características, as águas tendem a ficar com um comportamento de neutralidade e, aí, as variações acabam sendo pontuais por região”.
CALOR
Justamente por esse tempo que leva para que o fenômeno se consolide ou não, o meteorologista aponta que não é possível relacionar o calor observado em alguns dias deste mês de maio, em Belém, à transição para o El Niño.
“Como a transição acontece justamente agora neste mês, ainda é muito inicial. A partir do momento que as características no Oceano Pacífico começam a mudar, a gente demora mais de dois meses para sentir realmente a mudança aqui na América do Sul. Esse é um fenômeno que atua no globo todo, então, ele altera a circulação de grande escala e isso demora um pouco”, esclarece.
“Essas situações que nós tivemos agora no mês de maio, foram dois eventos de dias bem quentes, com temperaturas acima de 34°C, foram decorrentes mesmo de variações do período chuvoso normal. O mês de maio, aqui na Região Metropolitana, serve de transição entre o período chuvoso e o período menos chuvoso, então, nessas situações é possível que ocorra alguns dias com falta de chuva e a elevação das temperaturas”.
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