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Aplicativo ensina língua indígena Nheengatu

O sistema é tido como o primeiro a prática de aprendizado tradicional no Brasil e foi resultado de pesquisa e de edital de incentivo, estando disponível gratuitamente e sendo usado em salas de aula

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Imagem ilustrativa da notícia Aplicativo ensina língua indígena Nheengatu camera Suellen Tobler (dir.), desenvolveu o Nheengatu a partir de edital | foto: reprodução

A utilização de aplicativos para o ensino e aprendizagem de línguas não é exatamente algo novo para quem busca aprender um novo idioma, mas quando se trata do uso dessas ferramentas para o aprendizado de línguas indígenas de povos do Brasil essa estratégia era algo praticamente inédito até o ano de 2021, quando foi criado o Nheengatu App, que é tido como o primeiro aplicativo criado para ensinar uma língua indígena no Brasil.

Foi quando morava acampada em uma barraca na beira de um igarapé, durante a pandemia da Covid-19, que a pesquisadora e desenvolvedora de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), Suellen Tobler, viu nascer o embrião do que lhe levaria a criar o Nheengatu App. “Eu estava muito envolvida com as comunidades e eu fui buscar aplicativos de ensino e aprendizagem da língua Nheengatu como usuária mesmo e foi quando eu percebi que não tinha nem de Nheengatu e nem de nenhuma língua indígena de povos do Brasil. Ao mesmo tempo eu vi que tinham aplicativos da Bíblia judaico cristã em muitas línguas e isso me causou uma inquietação, mas naquele momento, em 2020, eu jamais imaginei que eu iria desenvolver aquele aplicativo”.

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“Em 2022, quando eu vi o edital de cultura digital da Secretaria de Cultura do Pará, que contemplava desenvolvimento de sistemas, o projeto foi se estruturando em alguma gaveta do meu cérebro sem eu nem perceber. Eu sou desenvolvedora de sistemas há 17 anos e eu nunca tinha visto um edital cultural que contemplasse desenvolvimento de sistemas. Em fiz o projeto do aplicativo em uma tarde”.

Naquela altura, Suellen já vinha de uma aproximação natural com um processo conhecido como ‘retomada linguística’, conceito que se refere à recuperação de línguas tidas como ‘perdidas’. Ainda em 2019, ela deu início a uma viagem que percorreria quase toda extensão do Rio Amazonas, iniciando em Iquitos, no Peru, e seguindo o percurso do rio até onde ele deságua no Oceano Atlântico, no Arquipélago do Marajó. Fazendo todo o trajeto em embarcações locais, ela costumava descer em algumas comunidades para passar alguns dias, incluindo uma temporada na vila de Alter do Chão, em Santarém.

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“Assim que eu terminei a viagem, eu já tinha voo comprado de Belém para Olinda e lá eu fiquei pensando que na Amazônia tem muita coisa para aprender, então, eu fiquei com essa ânsia de voltar e imediatamente comprei passagem para Santarém”, lembra. “Lá eu comecei a trabalhar em ONGs ministrando oficinas de produção de conteúdo digital através de aplicativos gratuitos para celular. Então, nas comunidades eu me conectei com muitas lideranças indígenas e muitas lideranças jovens indígenas também. Normalmente as oficinas eram em escolas nas comunidades e foi assim que eu tomei conhecimento sobre a retomada linguística”.

O contato mais próximo com o Nheengatu – que no passado já foi a língua mais falada na da Amazônia, por isso mesmo conhecida como língua geral amazônica – se deu através de um presente recebido pela professora Dailza Araujo, o livro “Nheengatu Tapajowara”, fruto de um projeto de extensão da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). Na época, Suellen ficou hospedada por uma semana na casa da professora, enquanto fazia um trabalho na escola Suraraitá Tupinambá. Foi neste livro, inclusive, que Suellen se baseou para fazer os exercícios iniciais do aplicativo que foi lançado em 2021, com apoio da Lei Aldir Blanc e da Secretaria de Cultura do Pará.

Hoje, o Nheengatu App já vem sendo utilizado dentro de salas de aulas em algumas escolas no Baixo Tapajós, mas também em um curso de formação de professores. O que emociona Suellen, que considera que o uso de tecnologias da informação e da comunicação dentro de sala de aula pode ser algo poderoso.

“Os jovens estão muito conectados, eu senti isso enquanto eu trabalhava com eles nas comunidades. Muitos não tinham dispositivos móveis, apesar de eu estar fazendo oficinas de aplicativos móveis, mas os poucos que tinham compartilhavam com os outros e os jovens tinham muita habilidade técnica para manipular os dispositivos, então, eles aprenderam muito rápido a manipular os aplicativos e eu percebi que eles têm muito talento”, recorda.

Línguas indígenas guardam conhecimentos ancestrais

A ameaça ao desaparecimento não se restringe ao caso da língua Nuke Tsãy. Infelizmente, essa é uma realidade que está presente em diferentes territórios indígenas ao longo não só da Amazônia, mas de todo o Brasil. O risco é de uma perda inestimável, se considerado que uma língua guarda muito mais do que os códigos através dos quais uma comunidade consegue se comunicar, mas também uma variedade de conhecimentos que se perdem quando uma língua deixa de ser falada.

Doutor em Linguística e pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), Hein van der Voort aponta que no Brasil inteiro existem, hoje, cerca de 160 línguas indígenas, se considerado o critério linguístico da inteligibilidade e mútua, que se refere à situação em que uma língua que é entendida mutuamente, mesmo que possua variações entre as populações falantes. É o caso, por exemplo, do português de Portugal e o português do Brasil que, a partir desse critério, é entendida como a mesma língua porque, mesmo que tenha diferenças, um falante consegue entender o outro.

O pesquisador destaca que as línguas também guardam muito conhecimento. “Uma língua não é só para passar informação entre pessoas. Uma língua também tem uma função para marcar identidade, identidade da pessoa e identidade do grupo”, ressalta Hein van der Voort. “As línguas se desenvolvem ao longo da história, são milhares de anos, e durante esse tempo vários tipos de informação ficaram embutidos na língua”.

O pesquisador explica que, por exemplo, muitas línguas indígenas possuem terminologias específicas para certos fenômenos da natureza, para determinadas espécies e que têm relação com o conhecimento daquela população sobre essas espécies. “Certas plantas medicinais, por exemplo, às vezes já dá para ver na língua qual é o uso possível de uma planta, então, é conhecimento. Uma língua não é só um código para transmitir informações, mas é também um repositório cultural, espiritual de milhares de anos”.

Em muitos casos, Hein van der Voort considera que o desaparecimento de línguas indígenas estão muito ligadas à própria perda do território por esses povos originários. “O que se vê, por exemplo, quando o povo fica desintegrado por problemas econômicos, problemas de terra, as línguas também vão embora. No final, a sociedade indígena desaparece, as pessoas mudam para a cidade, somem e depois de algumas décadas já não existe mais a língua, as crianças já não aprendem mais a língua na cidade, então, desaparece. Então, o desaparecimento das línguas aqui na Amazônia tem a ver com a destruição ecológica da região”.

Na contramão desse processo, o trabalho de pesquisa científica contribui não apenas para a preservação dessas línguas, como também pode auxiliar o processo de retomada linguística pelas próprias comunidades. No caso do Museu Paraense Emílio Goeldi, o acervo linguístico alimentado desde os anos 80 já abriga materiais de mais de 80 línguas. “É para resgate, para salvamento, para guardar algum documento, mas também esses materiais são procurados pelos próprios indígenas para tentar revitalizar a língua, trazer de volta da morte. Está começando, é um desenvolvimento relativamente recente essa ideia de revitalizar as línguas e dos povos se preocuparem e quererem resgatar a língua, quererem salvar a cultura”.

Além de palavras, o acervo do museu também inclui gravações de histórias, cantos e músicas nas línguas indígenas registradas.

EXPOSIÇÃO

A exposição “Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação” aborda o tema das línguas indígenas do Brasil e é realizada pelo Museu da Língua Portuguesa. Belém é a primeira cidade brasileira a receber a itinerância da exposição que segue em cartaz no Centro de Exposições Eduardo Galvão, no Parque Zoobotânico do Museu Paraense Emílio Goeldi, na avenida Magalhães Barata, até 28 de julho de 2024. A visitação está aberta de quarta-feira a domingo, de 9h às 13h.

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