De um lado, 236 paraenses estão na fila para adotar. Do outro, 52 crianças ocupam abrigos e estão à espera de uma família. Promover o encontro entre esses dois mundos exige muito mais que uma simples equação matemática.

Na maioria das vezes, as crianças disponíveis para adoção não atendem à idealização das famílias. Mudar essa realidade é um dos desafios do juiz Alessandro Ozanan, 39 anos. Há dois anos ele responde pela 1ª Vara da Infância e Juventude da capital, responsável por receber as demandas e acompanhar os processos de quem deseja adotar.

Nesta entrevista ao DIÁRIO, Ozanan fala do processo, defende a adoção por casais homoafetivos e condena a prática de doações de crianças sem intermediação da Justiça.

P: Há muitos casais à espera para adotar e há excesso de crianças nos abrigos. Por que essa conta ainda não fecha?

R: Na verdade, as crianças que permanecem mais tempo no acolhimento são aquelas que não estão no perfil preferencial de pretendentes à adoção. Ou seja, que não estão inseridos no perfil procurado, que é bem restrito.

P: Que perfil é esse?

R:Crianças de zero a 3 anos, especialmente menina. Esse perfil encontra uma família mais rápido. Mas assim que a criança chega a 4 , 5 anos começa a haver dificuldade para que a gente consiga a adoção.

P: O senhor acha que é possível mudar isso?

R: É possível, desde que a gente desmistifique algumas coisas ruins. Por exemplo, a ideia de que a criança mais velha, quando adotada, já traz uma carga de coisas boas, mas também de coisas ruins. Então, as famílias têm um pouco de medo.

P: Casais que estão na fila da adoção reclamam do excesso de burocracia. Porque que isso ocorre?

R: O procedimento de adoção é dividido em 2 fases. A primeira fase é a chamada de habilitação para adoção. Esse é um processo autônomo e corre em separado do processo.

Uma vez habilitado, o interessado é cadastrado na fila do cadastro nacional e, ai, tem uma espera que vai variar de acordo com o perfil de criança que ele está pretendendo.

Quanto mais novinha a criança pretendida, maior o tempo de espera. Quanto maior a idade, menor o tempo de espera.

P: Quais os requisitos que as pessoas precisam preencher para se candidatar a adoção?

R: O principal requisito para a adoção é o amor. A capacidade de amar uma pessoa acima de tudo e de todos. A criança adotada vai ser um filho, como se tivesse nascido dele próprio.

P: Há exigências de renda e idade, por exemplo?

R: Não. Há uma exigência de comprovação de renda, mas a pessoa que têm uma renda menor pode adotar.

Nesse nosso tempo aqui, nunca vi uma pessoa que tenha sido impedida de adotar porque não tinha renda. Com relação à idade, o que está previsto em lei é que, quem adote tenha o mínimo de 16 anos a mais que o adotando.

P: Muitos casais homoafetivos estão buscando adoção. Como o senhor avalia isso?

R:Avalio de modo muito positivo. A maior parte de nós ainda está atrelada ao modelo de família tradicional, patriarcal. Hoje, nós vamos percebendo vários tipos de núcleos familiares.

Ao lado dessa tradicional família há também a família homoafetiva que merece todo respeito e o reconhecimento.

Eu posso assegurar que esses pretendentes homoafetivos vêm com o principal, que é o amor, a disponibilidade de dar afeto para uma criança. Eles preenchem de modo fantástico esses requisitos legais.

P: Homens e mulheres solteiros podem adotar?

R: Sim

P: Quanto tempo mais ou menos leva o processo?

R: Aqui em Belém, está levando cerca de um ano.

P: Porque esse tempo?

R:Aadoção é um procedimento que, apesar de poucas etapas, precisa ser muito bem instruído.

Quando chega aqui a família biológica que está disponibilizando a criança para adoção, esta tem de ser bem avaliada para ver se realmente deseja aquilo.

P: Como o senhor acha que um indivíduo que queira adotar deva se preparar do ponto de vista emocional?

R:A primeira coisa é se auto responder por que quer adotar? Para mostrar isso para a sociedade apenas? Para atender às exigências daquilo que se espera de um adulto? Que ele seja pai, tenha uma família, seja uma mãe?. Ou ele quer alguém para ampará-lo na velhice? Existem motivações que não são saudáveis para o processo de adoção. Então, a principal motivação deve ser o amor, a vontade de ser pai, de ser mãe.

P: O número de casais ou de pessoas interessadas em adoção tem aumentado?

R:Tem aumentado, mas aqui no Pará, a gente ainda tem dificuldade de tirar a cultura, nociva para a adoção, que são aquelas que se iniciam sem intervenção da Vara da Infância e juventude. Isso ocorre não só da capital, mas com muita frequência no interior. São aqueles casos de entrega da criança para outra família.

Isso é muito perigoso, porque quem chega aqui (na Varada Infância) dizendo que quer adotar é avaliado por assistente social, por psicólogos. Quando uma família entrega diretamente uma criança, de certa forma aposta em uma loteria. A lei permite esse tipo de adoção em apenas 3 casos.

P: Quais?

R: Quando é adoção intrafamiliar, quando a criança tem mais de 3 anos e já estava sobre guarda judiciada daquele pretendente e quando a adoção é unilateral, ou seja, um dos cônjuges já tinha um filho e adota o enteado, com a concordância do pai ou mãe biológicos.

P: Existem casos de pais adotivos que se arrependem e devolvem a criança?

R: Esses casos existem. Felizmente, são muito excepcionais. São casos raros. As pessoas usam o trabalho que às vezes aquele filho está dando na adolescência para justificar.

P: Devolvem já na adolescência?

R: Às vezes. Eu já vi na verdade dois casos apenas. Para você vê como é pouco no universo total. Nos dois casos, eram adolescentes. Ou seja, passaram uma vida inteira com os pais adotivos e depois foram rejeitados. Mas o que a gente pode garantir é que há consequências para essa imaturidade de quem adotou.

A rejeição configura, a princípio, crime de abandono de incapaz e é passível de indenização por danos morais.

P: Que recomendações o senhor daria para quem hoje está com a intenção adotar uma criança?

R: A principal recomendação é que não aceite ajudas de terceiros às vezes mal intencionados ou mal informados. Terceiros que chegam e dizem: “Olha conheço ali a dona menina que acabou de ter um bebê e quer disponibilizar o bebê”. Não aceite isso. Esse não é um procedimento regulamentado pela lei.

Quer adotar? Procure a Primeira Vara da Infância e Juventude, Comarca da capital ou então um Fórum da sua cidade, no caso de interior. Lá vai ter um juiz e um promotor que receberão essa demanda.

(Rita Soares / Diário do Pará)

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