No dia 29 de agosto, uma mulher estava em um ônibus, que transitava na Avenida Paulista, na cidade de São Paulo. Um homem, que estava em pé próximo à ela, dentro do veículo lotado, que colocou o pênis para fora da calça e ejaculou no ombro da moça. O homem foi preso em flagrante e encaminhado para audiência de custódia, na qual, apesar dos diversos antecedentes, teve a prisão relaxada.

Ele foi solto porque sua conduta foi avaliada como contravenção penal, enquadrada no artigo 61 da Lei das Contravenções Penais (Decreto 3688/41), que é a importunação ofensiva ao pudor. A vítima se sentiu duplamente violentada e uma grande corrente nas redes sociais saiu em sua defesa, porque, infelizmente, esse não é um caso isolado e acontece todos os dias com mulheres usuárias do transporte público.

Em Belém, a psicopedagoga Márcia Santos, de 46 anos, já passou por constrangimentos mais de uma vez dentro do ônibus coletivo. “Essa prática desrespeitosa é muito antiga. Uma vez inclusive eu estava grávida, tinha 24 anos, estava em pé no coletivo e atrás de mim o sujeito se encostando com força, pressionando em mim o órgão sexual dele”, lembra. “O ônibus estava lotado e eu fiquei sem reação. Me senti muito mal, até que comecei a empurrá-lo com os cotovelos e consegui me livrar”, conta.

Defesa

Ela lembra que outras vezes viveu situações parecidas. “Infelizmente nunca denunciei porque eu não sabia nem o que dizer numa delegacia diante de uma situação dessas”, admite Márcia, que foi aprendendo a se prevenir dessa violência. “Hoje sou muito atenta, evito ônibus lotado, evito sentar sozinha atrás ou no corredor do ônibus”, diz ela, que tem uma filha de 22 anos e recomenda para ela as orientações de prevenção para não viver a mesma situação. “Ensino ela a se defender”, conta a pedagoga, que mora no conjunto Satélite e, tanto ela quanto a filha, fazem todas as suas atividades usando transporte coletivo.

A ajudante de serviços gerais Jane Dias, de 43 anos, conta que já sofreu esse tipo de violência por diversas vezes, especialmente nas situações em que costuma usar o coletivo. O problema é que a linha que ela usa geralmente está lotada. “Eu me defendo sempre na base da cotovelada. Acontece muito nos ônibus lotados e com a gente em pé. O sujeito tirar proveito da situação para cometer esse abuso”, conta. “Não aceito esse tipo de situação. Dou cotovelada e se o abusado não parar, eu grito e faço um escândalo”.

Para especialistas, lei antiga precisa ser revista

Segundo o artigo 61 da Lei das Contravenções Penais quem importuna alguém em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor, pode receber pena de multa. E é só. Na avaliação da delegada Janice Aguiar, diretora da Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAM), a interpretação do juiz José Eugenio do Amaral Souza Neto, que atuou na audiência do custódia do caso ocorrido em São Paulo, foi exatamente do que prevê a Lei.

O problema, segundo a delegada, é que a lei é muito antiga, de 1941, e precisa ser modificada o quanto antes. “Eu entendo que o que ocorreu com a vítima de São Paulo e acontece a muitas mulheres no dia a dia é uma violência. É grave e precisa ter resposta e punição à altura. Por isso é preciso que haja com urgência uma forte pressão sobre o legislativo para que essa lei seja modificada”, reiterou Janice Aguiar. 

Ela explica que a situação da mulher ainda é de constrangimento, choque e desamparo, por isso também há pouquíssimos registros dessa violência. A advogada Luanna Tomaz, coordenadora do Centro de Atendimento à Violência (CAV) da Universidade Federal do Pará (UFPA), diz que o CAV atende a diversos tipos de abuso, mas que ocorrências nos transportes também não são registradas por medo ou vergonha. Ela também considera violência o que a lei ainda chama de contravenção. 

“Nós atendemos casos de violência contra a mulher, violência racial, de gênero e policial, entre outros casos, e sabemos o quanto essa questão do constrangimento público é subnotificada”, ressalta. “Porém, é uma violência quando uma situação constrangedora, como essa limita o ir e vir das mulheres”. Entre as limitações sociais, está a restrição aos horários para sair de casa e até a sua forma de utilizar esse transporte. “Não tem cabimento uma questão séria como essa ainda ser tratada pelo olhar de uma lei tão antiga”, ressalta.

5 dicas para se proteger melhor no ônibus

Evite embarcar em ônibus com superlotação

Olhe sempre em volta e mantenha-se atenta durante a viagem

Evite sentar sozinha em companhia de estranhos nas últimas fileiras dos coletivos

Se estiver na fileira de bancos do corredor do ônibus, ficar atento a quem estiver em pé ao lado do seu banco no corredor, e ao perceber tentativas seguidas de contato suspeito, trocar de lugar ou acionar o condutor e/ou fiscal da linha

Redobrar a atenção durante a viagem e, ao primeiro sinal de tentativa de violência ou abuso, pedir socorro aos passageiros ou ao cobrador do coletivo.

(Cléo Soares/Diário do Pará)

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