Em maio deste ano, a Brasil Rent a Car Ltda foi inabilitada do Pregão 013/2017, para a locação de veículos ao Ministério Público Estadual (MPE). Um dos motivos foram os fortes indícios de que ela e outra empresa, a M.E.T. da Rosa – EPP, tentavam fraudar a licitação do MP. As duas foram representadas no Pregão pela mesmíssima pessoa, com possível quebra de sigilo, e até de ajuste das propostas de preços que apresentaram. 

As duas até disputaram os mesmos lotes, em aparente “conluio”. Pouco depois, a M.E.T. da Rosa mudou de nome e, junto com a Brasil, participou da milionária licitação do governador Simão Jatene para a locação de viaturas aos órgãos de Segurança. Com os lotes que ganhou na licitação de Jatene, a Brasil poderá faturar até R$ 7,3 milhões por ano. 

E, através de um esquema conhecido como “coelho” (termo que designa a empresa que oferece propostas de preços cada vez mais baixas, apenas para tirar os concorrentes do páreo), são suspeitas de terem ajudado a CS Brasil Transportes de Passageiros e Serviços Ambientais Ltda a conquistar lotes de até R$ 87 milhões anuais. A CS Brasil e outras empresas do grupo Júlio Simões são processadas pelo MP em pelo menos 3 Estados, sob acusações de fraude licitatória e superfaturamento.

O caso da Brasil Rent a Car é um dos mais graves detectados pelo DIÁRIO, em termos de indícios de fraude no Pregão 11/2017, que permitirá que Jatene torre até R$ 1 milhão por dia com o aluguel de veículos para os órgãos de Segurança Pública do Pará. O limite de gastos da Ata de Registro de Preços, para a locação de 7.666 carros e motos, é de quase R$ 32,5 milhões por mês, ou até R$ 389,3 milhões por ano. 

E, como você leu nas edições do DIÁRIO, são muitos os indícios de que pelo menos 5 das 9 vencedoras dessa licitação pertencem aos mesmos grupos econômicos de outras participantes do certame. São empresas de pais e filhos, maridos e esposas que, por vezes, têm os mesmos endereços, telefones, empregados e representantes. E olhe que todas tiveram de assinar um documento afirmando que a proposta de preço que apresentaram não era do conhecimento de qualquer concorrente. 

REPRESENTAÇÃO

Segundo a Receita Federal e a Junta Comercial do Pará (Jucepa), a Brasil Rent a Car Ltda-EPP pertence ao casal Lucinerges Teles da Rosa e Josianny do Socorro Rusef Rosa. Eles são os pais de Igor Rusef Rosa, sócio da Igor Rusef Rosa &Cia Ltda -EPP, que é o novo nome da M.E.T. da Rosa - EPP. Outra sócia da empresa, Maria Edileusa Teles da Rosa (que era a única dona da M.E.T. da Rosa), é irmã de Lucinerges. A terceira sócia, Luanny Rusef Pinheiro, seria filha do primeiro casamento de Josianny, além de assessora do prefeito tucano Zenaldo Coutinho, na Belemtur. 

Na licitação do MPE, quem representou as duas empresas foi Julianny Rusef Pinheiro, que também seria filha de Josianny. Em 20 de novembro, à tarde, o DIÁRIO esteve na sede da Igor Rusef Rosa & Cia, que fica na travessa José Pio, 709, no bairro do Umarizal. Uma funcionária disse que Igor não se encontrava, mas que ia ver se “a dona, a Josianny”, estava. Pouco depois, Josianny deixava a empresa, na qual, aparentemente, trabalha. Ela confirmou que Igor é seu filho e disse: “A legislação permite que filho seja empresário”. Mas, como estava quase sem voz, pediu que a reportagem lhe telefonasse depois. Pouco antes, na Brasil Rent a Car (Oliveira Belo, 122), a gerente dissera nem mesmo conhecer Igor. 

EMPRESAS

O DIÁRIO tentou contato telefônico com as empresas citadas nesta série de reportagens, mas até o momento só quem se dispôs a falar foi Carlos Benedito Adão Teixeira, da Norauto. Ele confirmou que a empresa e a R da Costa Teixeira integram o mesmo grupo, mas garantiu que não fez nada de errado. “Não descumprimos a Lei. Só participamos de itens diferentes (do Pregão). Quando a Norauto participa de um item, a R da Costa não participa, porque a gente sabe que não é correto, é contra a lei. E a gente até impugna quem faz isso”, afirmou. Ele também disse que os galpões onde funcionam as duas empresas pertencem à Cata “e cada um aluga o que quer”. Ainda segundo Carlos Benedito, a R da Costa Teixeira “não está dentro da Norauto, nem a Norauto está dentro dela”.

CONLUIO ENTRE EMPRESAS FICOU CLARO EM LICITAÇÃO DO MPE

Ao contrário de outras vencedoras da licitação de Jatene, cujas sedes mais parecem simples galpões, as duas empresas têm placa na porta e recepção. O problema é a maneira como agiram nos Pregões do MPE e do governador: apesar de pertencerem à mesma família, elas disputaram os mesmos lotes de veículos, o que pode caracterizar conluio, para fraudar esses certames. Além disso, em ambas as licitações a M.E.T da Rosa/Igor Rusef Rosa&Cia pareceu agir como um “coelho”. Aí, quando ganha a disputa, simplesmente desiste: não envia os documentos pedidos pelo pregoeiro, ou até comete algum erro formal, para ser inabilitada, por exemplo (ver box). 

Com isso, quem é declarada vencedora é a “parceira” do “coelho”: a empresa que o seguira de perto e se mantivera em segundo lugar, à espera da desclassificação dele. 

Na licitação do MPE, a M.E.T da Rosa ganhou o lote, mas acabou desclassificada por um problema na planilha de preços. Ao contrário do que as licitantes geralmente fazem em tais casos, observa a pregoeira do MPE, Lays Favacho Bastos, a empresa “não fez nenhum questionamento ou tentativa de reverter a situação (...)”. Com isso, quem deveria ser declarada vencedora era a Brasil Rent a Car, que vinha em segundo lugar. Só que outra empresa pediu a inabilitação da Brasil, porque ela e a M.E.T da Rosa tinham o mesmíssimo representante. E a “coelhagem” das duas teria sido tão gritante que a pregoeira do MPE escreveu, ao inabilitar a Brasil: “Nestes casos, costuma ser difícil obter a ‘prova’ do conluio.

VEJA OS LOTES DA LICITAÇÃO DE SIMÃO JATENE EM QUE A CS BRASIL PODE TER SIDO BENEFICIADA POR UM “COELHO” DA BRASIL E DA IGOR RUSEF

Lote 13, para o aluguel de 497 Station Wagon:A Igor ganhou, mas não enviou os documentos pedidos. A Brasil Rent a Car também não enviou o lance de desempate a que tinha direito, por ser uma EPP. Ganhou a CS Brasil, ao preço de até R$ 1.535.730,00 por mês (mais de R$ 18,4 milhões por ano). 

Lote 14, para locação de 460 Station Wagon:A Brasil Rent a Car, CS Brasil e Igor deram, novamente, os cinco últimos lances, antes da batida do pregoeiro. Mas, na hora do desempate, as duas EPPs (Brasil Rent a Car e Igor) não enviaram novos lances. Ganhou a CS Brasil, ao preço de até R$ 1.854.720,00 por mês (ou mais de R$ 22,2 milhões anuais).

Lote 17, para o aluguel de 450 pick-ups :A CS Brasil e a Igor deram os últimos 18 lances, antes da batida do pregoeiro. Mas, novamente, a Igor não enviou o lance de desempate a que tinha direito, como EPP. Ganhou a CS Brasil, ao preço de até R$ 1.642.500,00 por mês (mais de R$ 19,7 milhões por ano).

Lote 18, para a locação de 461 pick-ups:Mais uma vez, a Igor e a CS Brasil deram os últimos cinco lances, antes da batida, mas a Igor desistiu de enviar o lance de desempate. Ganhou a CS Brasil, ao preço de até R$ 2.248.758,00 por mês (ou mais de R$ 26,9 milhões por ano).

O Coelho:Em licitação, “coelho” é a empresa que oferece lances cada vez mais baixos, para desestimular a concorrência. Mas no fim desiste, para favorecer a “parceira” que a seguia de perto, em segundo lugar.

(Ana Célia Pinheiro/Diário do Pará)

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