Voltando de diligência em dois bairros periféricos de Belém, capital do Pará, um delegado da Divisão de Homicídios pega um celular que acabara de sinalizar a chegada de uma mensagem de um investigador no WhatsApp: “Quando este aqui toca, é só desgraça”, disse, pessimista, sem entrar em detalhes da ocorrência. Era fim da manhã de quarta-feira (16 de maio último).

O delegado, que não quis se identificar por motivos de segurança, voltava dos bairros periféricos de Guamá e Terra Firme, controlados por uma facção criminosa ligada ao Comando Vermelho, do Rio, que paga para receber segurança de milicianos locais, segundo investigações da Polícia Civil e do Ministério Público.

Dez minutos depois, um promotor militar, que está ameaçado de morte, alertou a reportagem sobre o que havia acontecido: “Morreu um homem dentro de um supermercado no Umarizal”. O bairro é um dos mais nobres da desigual Belém. “Tem característica de execução. De grupo de extermínio”, complementou. Até a publicação desta reportagem, a motivação do crime continuava sendo investigada.

A situação exemplifica o dia a dia da segurança em Belém e na região metropolitana neste ano. Há, em média, seis mortes violentas por dia, contando homicídios, latrocínios (roubos seguidos de morte) e suspeitos mortos pela polícia. No ano passado, a média estava em 5,6 mortes.

Os motivos para tanto sangue? Segundo as investigações, o estado enfrenta uma disputa entre facções por Belém, além da atuação de grupos de extermínio e de milícias ligadas a policiais. Os próprios agentes de segurança, que tentam combater o crime durante o serviço, ficam vulneráveis e se tornam alvos na folga. No meio disso, está a população.

Com o sexto pior índice de desenvolvimento humano entre as capitais do Brasil, segundo do IBGE de 2010, Belém tem a área central com apartamentos que podem custar até R$ 1,5 milhão. Em menos de dez minutos de carro a partir dali, é possível chegar a bairros da periferia, onde há ruas de barro, palafitas e o domínio do crime organizado, que ameaça trabalhadores e trabalhadoras caso colaborem com as forças de segurança.

Segundo a Polícia Civil, há cinco facções criminosas em Belém e que atuam justamente nos bairros mais pobres: o Comando Vermelho (que se aliou a pequenas facções existentes há anos no Pará), a FDN (Família do Norte), a PGN (Primeira Guerrilha do Norte), o PCC (Primeiro Comando da Capital), de São Paulo, e o CCA (Comando Classe A).

ROTA DE TRÁFICO

Na última década, Belém passou a ter um contexto fundamental e estratégico para o tráfico nacional e internacional de drogas, porque a cocaína que entra no Brasil a partir dos povos Andinos, pela chamada “Rota dos Solimões”, atravessa a Amazônia, passando pelo rio de mesmo nome, até chegar à capital paraense e ser distribuída para Sul e Sudeste do país, além de África e Europa, segundo o pesquisador Aiala Colares, da UEPA (Universidade Estadual do Pará), que estuda o contexto.

Em paralelo, as investigações concluíram que existe no estado a presença de grupos de extermínio, que agem exclusivamente para vingar mortes de policiais.

Milícias da segurança e do tráfico são as mais perigosas

Segundo o delegado Carlos André Viana da Costa, diretor da Divisão de Homicídios, as milícias mais perigosas são a da segurança e a do tráfico.

“A milícia do tráfico de drogas, por uma razão óbvia: de ter um concorrente ligado ao Comando Vermelho. E a milícia da segurança armada porque, nas áreas onde eles atuam, eles não permitem tráfico, roubos e furtos. E a pena para esse tipo de casos, quando identificados os criminosos, é a morte”, afirmou.

De janeiro a abril de 2017, houve 520 homicídios em Belém e região metropolitana, contra 535 no mesmo período de 2018: um aumento de 3%.

Em paralelo, houve 71 latrocínios (roubos seguidos de morte) nos primeiros meses deste ano, ante 85 ano passado: redução de 18%.

O caso que chamou a atenção do Brasil para a violência do Pará este ano, porém, não entra nas estatísticas acima.

Em abril, 22 detentos do presídio semiaberto de Americano morreram numa suposta tentativa de resgate de presos. O incidente está contabilizado como morte em decorrência de intervenção policial. Esse tipo de caso subiu 51% este ano (foram 107 mortos pela polícia nos quatro primeiros meses de 2018 contra 71 no ano passado).

(Luís Adorno e Kleyton Amorim/FolhaPress)

MAIS ACESSADAS