Há 403 anos, quando os portugueses fundaram Santa Maria de Belém do Grão Pará, em 12 de janeiro de 1616, o café da manhã do povo nativo era bem diferente do tradicional café com leite e pão com manteiga de hoje, assim como as demais refeições ao longo do dia. Quem gosta de imaginar como era o desjejum daquela época é o historiador Aldrin Figueiredo.

“Eu sempre faço com meus alunos esse exercício de como seria o café da manhã dos indígenas. Eles comiam beiju, peixe, carne, tomavam vinho de cupuaçu, vinho de taperebá; o vinho é aquele suco mais grosso. Não existia o leite, era um tabu alimentar. O leite foi introduzido pelo português”, destaca Aldrin, deixando claro que desde o início a culinária local de base indígena foi absorvendo elementos de outras culturas. “A maniva, a macaxeira, o tucupi... isso foi se mesclando com as formas portuguesas de cozinhar - o cozido, o vinha d’alho. Essa coisa de temperar a carne, assar de forno, colocar as verduras. Ao largo disso tem a presença africana”.

MANDIOCA

O historiador explica que essa base indígena da alimentação, que se mantém até hoje, tem como carro-chefe a mandioca, chamada pelos lusos da época de “pão da terra”. “Os indígenas faziam a farinha e o beiju, que eles logo identificaram com o pão”, conta. Nesse contato entre índios e portugueses até o intercâmbio com cozinhas como a africana, de acordo com o processo de colonização da região, a boa mesa de Belém só fez enriquecer. Por sinal, a contribuição africana é bem forte.

“Nós também temos e é tão antigo quanto na Bahia, o vatapá, o caruru, a maniçoba, que tem no Recôncavo Baiano. O gergelim que também entrou na nossa culinária; o quiabo, tudo isso veio da África, além das coisas que os portugueses trouxeram da Índia. Lá no Ver-o-Peso tem a pimenta do reino, o cominho...”, pontua Aldrin. 

EVOLUÇÃO

Essa conversa sobre a evolução da cozinha paraense pode chegar até os dias atuais, se o leitor levar em consideração que a capital paraense recebe até hoje gente de todos os lugares do mundo, disposta a fazer esse intercâmbio alimentar. Uma delas é a chef Cássia Faria, natural de Resende (RJ), mas moradora de Belém há 18 anos.

Cássia sempre gostou de cozinhar, mas só passou a trabalhar com isso quando se estabeleceu no Pará. Como não poderia deixar de ser, foi tendo contato aos poucos com ingredientes paraenses que acabaram integrados em receitas novas, que fazem a alegria dos clientes, como o risoto de maniçoba e a patola de caranguejo.

“A culinária daqui não tem igual. Quando vou a Resende é com o isopor lotado de coisa, porque os temperos não têm em outro local. Às vezes eu vou para o Rio de Janeiro, onde dou um curso em que falo do baião paraense feito com feijão fradinho, tucupi, jambu, calabresa, bacon e queijo coalho”, descreve a chef. “Eu misturo um pouco de lá com um pouco daqui”, observa.

Como a maioria dos culinaristas, Cássia Faria é frequentadora do Ver-o-Peso e avalia que a gastronomia paraense está consolidadaQuestionada sobre o que mais gosta entre os ingredientes regionais, a fluminense é categórica. “O jambu, o camarão e a maniçoba eu aprendi a gostar bastante”.

(Luiz Octávio Lucas/Diário do Pará)

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