Logo após o assassinato de 10 agricultores, executados por policiais militares, em Pau D’Arco, há cerca de 2 meses, o comando da Polícia Militar (PM) no Pará divulgou nota declarando que não sabia daquela operação. Era mentira. Nota da própria PM deixa claro que o comando da Corporação foi, sim, informado sobre a ação que causou a chacina. Mesmo assim, a cúpula da PM tem se mantido em silêncio sobre se sabia da decisão do tenente-coronel Daniel Dias em atender ao pedido do delegado de crimes agrários, Valdivino da Silva, protocolado 14 horas antes da operação.
Apesar de precisar deslocar policiais do Grupamento Tático Operacional (GTO) de diferentes locais, eles já estavam a postos na mesma noite da solicitação para a missão na madrugada. Depois que uma nota interna andou circulando entre os grupos militares em apoio a Daniel Dias, inclusive registrando no texto que o Comando Geral da PM havia sido informado da operação, o DIÁRIO encaminhou a íntegra da nota ao Comando que, em outra nota, respondeu em duas linhas que não reconhecia oficialmente a nota dos policiais.
Uma fonte jurídica ouvida pelo DIÁRIO garante que, caso o comandante da PM, coronel Hilton Benigno, tenha sido comunicado e ainda assim tenha deixado a operação ocorrer da forma como foi feita, isso abre mais uma frente de investigação dos possíveis crimes militares ocorridos em Pau D’Arco. As evidências indicariam, ainda, outro crime militar. “Essa operação nunca poderia ter sido solicitada, tramitada e autorizada sem passar pela área de inteligência, que identificaria quem são os ocupantes”, destaca o especialista. “Eles deveriam, inclusive, saber se os ocupantes estavam armados, para, que o efetivo soubesse com quem iria lidar”.
A solicitação do delegado Valdivino foi protocolada às 15 horas do dia 23 de maio. O planejamento da operação, necessário por se tratar de expor efetivos da tropa, só começou a ser informado um dia depois da chacina, mas com data retroativa ao mesmo dia 23 de maio, conforme registro do Sistema Integrado de Gestão Policial (Sigpol), das 9h40 do dia 25 de maio, assinado por Valdivino Junior. O planejamento inserido com data posterior fere o artigo 312 do Código Penal Militar e foi assinado pelo tenente-coronel Artur Dias, com uma observação de “ordem” do coronel Marco Antonio Cidon, mas sem a sua assinatura. Na ocasião, segundo os autos, o coronel Cidom estava ausente do comando justamente para o evento de posse, em Belém, do coronel Hilton Benigno, que havia acabado de assumir o comando da PM.
PARA ENTENDER
A situação dos acusados
- No último dia 9 de julho foram presos 11 policiais militares envolvidos na operação, acusados de ameaçar e coagir testemunhas. São eles o Tenente Coronel Carlos Kened Gonçalves de Souza, 2º Tenente Rômulo Neves de Azevedo, o 2º Sargento Adivone Vitorino da Silva, os Terceiros Sargentos Orlando Cunha de Sousa e Ronaldo Silva Lima, os cabos Weliton da Silva Lira, Ricardo Moreira da Costa Dutra e Cristiano Fernando da Silva, e os soldados Rodrigo Matias de Sousa, Jonatas Pereira e Silva, Neuily Sousa da Silva.
- Esses mesmos policiais também entraram de licença-médica por 60 dias, licença concedida com data retroativa ao dia 29 de maio, 5 dias após os assassinatos na fazenda Santa Lúcia.
- Um delegado e um investigador da Polícia Civil que participaram da operação em Pau d’Arco fizeram delação premiada ao Ministério Público do Estado do Pará e estão colaborando para esclarecer as ocorrências da operação
O promotor militar Armando Brasil investiga a denúncia (Foto: Fernando Araújo) |
Oficial da PM que comandou ação responde a outros processos
Um dos responsáveis pela operação militar que resultou na morte de 10 trabalhadores rurais em Pau D’Arco é alvo de denúncia em outra Ação Civil Pública, por Improbidade Administrativa. O tenente-coronel Arthur Daniel Dias da Silva, que respondia pelo V Comando Regional da Polícia Militar, em Redenção, é acusado de, ainda na condição de major, comandar um esquema de desvio de finalidade da missão da PM, realizando segurança privada para a empresa Reinarda, no município de Rio Maria, por um valor mensal de R$ de 25 mil.
Além disso, ele também seria o gerente de um cursinho vestibular que funcionava de forma ilegal nas instalações do quartel do 22º BPM, em Redenção. As provas para a ação foram obtidas através de diálogos telefônicos de escuta autorizada judicialmente. Mesmo sendo acusado nesse processo, Daniel Dias foi promovido, em abril deste ano, pelo Governo do Estado, passando da patente de major para tenente-coronel. Ele teria uma estreita relação com o coronel Cláudio Ricardo Lima Junior, que é acusado no mesmo processo, e sempre manteve suas bases no Sudeste e Sul do Pará. Atualmente, Cláudio é o chefe do gabinete militar do vice governador, Zequinha Marinho.
AUDIÊNCIAS
A ação, impetrada pelo 2º Promotor de Justiça Militar, Armando Brasil, deve entrar na fase de audiências no 2º semestre, para apurar os atos de improbidade administrativa e ainda as provas anexadas por meio do processo investigatório criminal. A empresa Reinarda também é ré no processo, por ter contratado os serviços dos militares. A contratação ocorreu após um roubo de grandes proporções ocorrido na sede da empresa em 2010, conforme Boletim de Ocorrência juntado aos autos do processo.
RÉUS
Os demais réus no processo são Lázaro Saraiva de Brito Junior, Lúcio Clóvis Barros da Silva, Wendell Rodrigues Barros, George Silva dos Santos, Francisco Antonio Paiva Ribas, Pétala Pereira de Souza e Samuel dos Santos Tavares. Além do desvio de função, a promotoria diz que os réus tinham plena consciência de que as atividades de cursinho no quartel eram um crime grave, por se tratar de instalações militares onde se concentram armas de grosso calibre, coletes balísticos, munições e viaturas que são utilizadas na atividade operacional da PM. Por isso a circulação de civis é proibida no local. A sociedade espera que o caso seja resolvido e os culpados, punidos.
(Diário do Pará)
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