É uma queda de braço que se estende há quase 8 anos no Ministério Público do Pará (MP-PA): nesta segunda-feira, 14 de março, o Conselho Superior da instituição vai examinar, mais uma vez, o “Escândalo do Dinheirinho”, que envolve Izabela Jatene, filha do ex-governador Simão Jatene.
Será a sexta tentativa de encerrar a investigação. Só que, desta vez, a atual relatora do caso no Conselho, a procuradora de Justiça Maria do Socorro Mendo, já emitiu um parecer favorável à homologação do arquivamento, realizado pela 4ª Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa. Segundo o parecer, não foram encontrados indícios ou provas de improbidade administrativa.
É um fato estranho, como outros que cercam essa investigação. O diálogo do “dinheirinho” começou a ser investigado em 2014, mas cinco anos depois tudo continuava praticamente na estaca zero. Em 2019, como denunciou o procurador de Justiça Hamilton Salame, o ex-relator do caso no Conselho, nem mesmo haviam sido chamados a depor os dois protagonistas do escândalo: além de Izabela, o ex-secretário da Fazenda, Nilo Noronha. E não bastasse o tempo perdido, que pode ter levado ao desaparecimento de vários indícios, os pedidos de arquivamento teimam em ignorar uma importante lacuna. Izabela sempre alegou que queria o “dinheirinho” das empresas para um fundo do antigo Propaz, que ela coordenava. Só que esse fundo não existia e jamais foi criado. Então, permanece a pergunta: para que, afinal, seria o “dinheirinho”?
O CASO
Tudo começou, entre abril e maio de 2011, logo no início do governo de Jatene, quando a polícia civil grampeou um estranho diálogo. Nele, Izabela, coordenadora do Propaz, pedia a Nilo Noronha, subsecretário de Administração Tributária da Secretaria de Estado da Fazenda (Sefa), que ele enviasse, para o e-mail pessoal dela, a lista das 300 maiores empresas paraenses, porque ela queria “começar a buscar esse dinheirinho deles”. Mas a polícia ainda não fazia nem ideia de quem eram os dois naquele diálogo. Na verdade, o que se investigava era o sequestro de um empresário, do Nordeste do Pará. Só que o gerente de uma fazenda de Nilo, no município de Castanhal, era suspeito de integrar a quadrilha e teve o telefone grampeado, por ordem judicial. E aí, o telefone de Nilo acabou também grampeado, depois de receber uma ligação desse gerente.
Quando a polícia descobriu quem era a dupla naquele pitoresco diálogo, “baratas avoaram” no Sistema de Segurança Pública do Pará: teria havido até ordem para que a gravação fosse destruída. Mas pelo menos uma cópia escapou. E, em 2014, acabou entregue ao DIÁRIO. Após a publicação da reportagem, o então deputado federal e hoje prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, protocolou um pedido de investigação no MP-PA. Em outubro de 2014, o promotor Firmino Matos instaurou um inquérito civil e parecia decidido a investigar o caso: pediu informações à Sefa e esclarecimentos à Izabela; enviou ofícios à Justiça e acabou até obtendo uma cópia dos grampos, nos quais estaria o diálogo. Mas, nove meses depois, Firmino foi removido da 4ª Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa, onde ocorria a investigação.
Quem assumiu o caso depois foi a promotora Elaine Castelo Branco, que também ficou pouco tempo.
RELEMBRE COMO TUDO COMEÇOU
l Entre abril e maio de 2011, logo no início do governo de Jatene, a polícia civil grampeou um estranho diálogo. Nele, Izabela, coordenadora do Propaz, pedia a Nilo Noronha, subsecretário de Administração Tributária da Secretaria de Estado da Fazenda (Sefa), que enviasse, para o e-mail pessoal dela, a lista das 300 maiores empresas paraenses, porque ela queria “começar a buscar esse dinheirinho deles”.
l A polícia, até então, não fazia ideia de quem eram os dois naquele diálogo. Na verdade, o que se investigava era o sequestro de um empresário, do Nordeste do Pará. Só que o gerente de uma fazenda de Nilo, no município de Castanhal, era suspeito de integrar a quadrilha e teve o telefone grampeado, por ordem judicial. E aí, o telefone de Nilo acabou também grampeado, depois de receber uma ligação desse gerente.
l Quando a polícia descobriu quem era a dupla naquele pitoresco diálogo, “baratas avoaram” no Sistema de Segurança Pública do Pará: teria havido até ordem para que a gravação fosse destruída. Mas pelo menos uma cópia escapou. E, em 2014, acabou entregue ao DIÁRIO, que denunciou o caso.
Diligências básicas não foram realizadas
Finalmente, em 5 de dezembro de 2016, a apuração acabou nas mãos do promotor Rodier Barata de Ataíde, o titular da 4ª Promotoria. E aí o inquérito praticamente parou, segundo afirmou o procurador Hamilton Salame, durante uma reunião do Conselho Superior, em novembro de 2019.
Segundo Salame, passados 5 anos da instauração do inquérito, dois deles nas mãos de Rodier, não haviam sido realizadas diligências básicas de uma investigação, como a perícia da gravação do “dinheirinho”, que o promotor Firmino Matos tanto se esforçara para obter. Também não haviam sido solicitadas as movimentações bancárias e declarações de Imposto de Renda de Nilo e Izabela.
Mesmo assim, Rodier determinara o arquivamento do inquérito, sob a alegação de não ter encontrado indícios de improbidade. Mas, devido ao parecer de Salame, o Conselho não homologou o arquivamento e mandou que o promotor realizasse as diligências que deveria ter realizado.
NOMEAÇÃO
Rodier foi nomeado assessor e diretor geral do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf) do MP-PA, pelo então Procurador Geral de Justiça (PGJ), Gilberto Martins . Por duas vezes seguidas, Gilberto foi nomeado para o cargo de PGJ pelo então governador Simão Jatene, pai de Izabela.
Em 12 de junho do ano passado, dois meses depois do término do mandato de PGJ de Gilberto, o promotor deixou os cargos comissionados e reassumiu a 4ª Promotoria.
Pouco depois, em 30 de junho, ele enviou um documento ao Conselho “encerrando” a sua participação nas investigações e pedindo que o órgão homologasse ou não o arquivamento, de uma vez por todas.
O documento pode ser visto como favorável à defesa de Izabela, já que reafirma que não foram encontrados indícios de irregularidades no “dinheirinho” e chega a invocar a Convenção Americana de Direitos Humanos, porque o inquérito teria ultrapassado o “prazo razoável” para a sua conclusão.
PATRIMÔNIO
No entanto, mais uma vez o Conselho se recusou a homologar o arquivamento, porque a nova relatora do caso, Socorro Mendo, entendeu que isso seria prematuro, uma vez que o Grupo de Apoio Técnico Interdisciplinar (Gati) do MP-PA, ainda não conseguira analisar a evolução patrimonial de Izabela, no período entre 2011 e 2014. É que os bens, direitos e obrigações de Izabela estariam nas declarações de Imposto de Renda de seu ex-marido, Ricardo Souza, ao qual ela alegou não ter mais “acesso”. Além disso, também não fora analisada a evolução patrimonial de Nilo Noronha.
E isso apesar de tais análises terem sido determinadas pelo Conselho mais de um ano antes. Em agosto do ano passado, foi nomeada uma nova promotora para o caso: Érika Menezes de Oliveira. Mas ela resolveu ratificar a decisão da 4ª Promotoria, devido à insuficiência de provas. Segundo Socorro Mendo, a promotora considerou a questão “suficientemente resolvida”, mas também pediu que fosse designado outro promotor para continuar a investigação.
Gati acha valor de origem desconhecida
Há, no entanto, alguns fatos curiosos nessa decisão. Em fevereiro do ano passado, uma análise do Gati, detectou quase R$ 470 mil em depósitos bancários de origem desconhecida em uma conta corrente de Izabela, no período entre 2011 e 2014, em valores atualizados pelo DIÁRIO. Ela recebeu R$ 498 mil em salários, mas os créditos em sua conta atingiram R$ 966 mil. A maior diferença (45% desses R$ 470 mil) ocorreu em 2011, quando os seus rendimentos ficaram em R$ 124 mil, e os depósitos, em quase R$ 334 mil.
No entanto, não há qualquer referência a esse fato nem no parecer de Socorro Mendo, nem na tramitação on-line da investigação. Assim, não se sabe se e como isso foi esclarecido. Vale salientar, também, que não houve a quebra do sigilo bancário da filha do ex-governador: os depósitos de origem desconhecida foram detectados nos extratos de uma conta no Banco do Brasil que ela mesma entregou.
SIGILO
Outro fato desconcertante é que não foi pedida a quebra de sigilo de Ricardo Souza, o ex-marido de Izabela. Entre 2011 e 2014, ela não possuía remuneração do Governo do Estado: coordenava o Propaz como representante da Universidade Federal do Pará (UFPA), onde trabalha como professora. Os ganhos dela só melhoraram entre 2015 e 2018, quando Jatene a nomeou secretária especial, com salários acima de R$ 20 mil.
Já Ricardo foi nomeado chefe de Gabinete no Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), em 2011, e passou a receber quase R$ 24 mil líquidos por mês. Mesmo assim, ainda em 2011, o casal já possuía um apartamento no luxuoso edifício Wing, em Belém, onde os apartamentos (1 por andar) valiam, na época, R$ 1 milhão. Meses depois, eles se mudaram para um prédio ainda mais luxuoso: o Neon, entregue em 2012, onde os apartamentos, com 225 metros quadrados, valiam cerca de R$ 1,5 milhão. Além disso, Ricardo foi sócio de Beto Jatene, irmão de Izabela, em pelo menos três postos de combustíveis.
INVESTIGADO
Nilo Noronha, o outro protagonista do escândalo do “dinheirinho”, foi nomeado secretário da Fazenda por Jatene, em 2015. Hoje, Nilo é investigado pela polícia e pelo Ministério Público devido à impressionante fortuna que acumulou: quase R$ 22 milhões, segundo estimativa dele mesmo, no processo de divórcio que ajuizou, no início de 2019.
Os bens incluem fazenda, imóveis de luxo, cavalos e cabeças de gado. Se considerarmos apenas os salários que ele recebeu na Sefa, onde começou a trabalhar em 1993, fica difícil justificar o patrimônio. É que a sua melhor remuneração ocorreu entre 2002 e 2018, quando passou a exercer cargos comissionados e recebeu, em média, R$ 17 mil líquidos mensais. Mas mesmo com essa média salarial já melhorada de R$ 17 mil, ele teria de trabalhar 98 anos, sem gastar nem mesmo 1 centavo, para acumular esses quase R$ 22 milhões.
Números: R$ 470 mil
O Gati detectou, em fevereiro de 2021, quase R$ 470 mil em depósitos bancários de origem desconhecida em uma conta corrente de Izabela, no período entre 2011 e 2014, em valores atualizados pelo DIÁRIO.
Vale salientar que esses depósitos de origem desconhecida foram detectados nos extratos de uma conta no Banco do Brasil que ela mesma entregou.
Fato estranho: 5 anos e nenhum procedimento básico
* Durante reunião do Conselho Superior do MP, em novembro de 2019, o procurador Hamilton Salame disse que, passados 5 anos da instauração do inquérito, não haviam sido realizadas diligências básicas de uma investigação.
* Mesmo assim, o promotor Rodier Barata de Ataíde determinara o arquivamento do inquérito, sob a alegação de não ter encontrado indícios de improbidade.
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