O sol atravessa a janela e ilumina parte da sala. A meia luz ressalta os contornos do corpo de uma mulher, que traja apenas um biquíni. Com o rosto escondido nas sombras, o vulto da misteriosa jovem parece assombrar o local. É uma aparição.
A foto que integra “Entreato da Luz” - nova exposição de Luiz Braga que será aberta no próximo sábado, é, na verdade, uma recriação de um de seus trabalhos mais consagrados: “Banhista”, de 1996. A imagem original, que retrata uma garota em uma praia na ilha de Outeiro, distrito de Belém, foi transposta nesta versão para os cômodos vazios do Museu de Arte Contemporânea da Casa das Onze Janelas.
“A exposição surgiu do seguinte conceito: que as obras de arte são almas que persistem no espaço, como se estivessem vagando. Mesmo estando desprendidas das paredes da galeria, elas sobrevivem como espectros no inconsciente das pessoas”, define o fotógrafo paraense com 39 anos de carreira.
Ele conta que a ideia veio após uma visita ao bicentenário casarão colonial que abriga o museu, localizado no bairro da Cidade Velha, centro histórico da capital paraense. “Foi muito estranho ver as salas vazias, com as paredes nuas. Nos meus pensamentos, eu podia ver todas as exposições que acompanhei ali, via os quadros pendurados nos mesmos lugares de antes. Era como assistir um filme. Daí eu bolei o meu próprio roteiro, que era reencenar ‘Banhista’ como se ela vivesse naquele espaço, percorrendo para sempre o museu em que ela foi exposta”, conta.
Composta por 34 fotografias inéditas, “Entreato da Luz” marca o retorno do artista após três anos sem expor na cidade. Em vez do tom monocromático e desolador que vem marcando seus trabalhos recentes, como a série “Verde-noite, 11 raios na estrada nova, fotografia, nigthvision”, na qual experimentava com a tecnologia da visão noturna, a nova mostra retoma o colorido do início da carreira do artista, em meio ao reencontro com os personagens.
Um reencontro mediado pela cor
Como explica Luiz Braga, a releitura de “Banhista”, uma sequência de oito imagens da modelo Dauana Parente, integra a primeira parte da exposição. O tom de vazio habita as imagens de paisagem que compõem a segunda parte do mostra, com fotografias que remetem ao silêncio da noite. Já na terceira parte, o clima soturno é quebrado com retratos de comunidades ribeirinhas da Ilha do Marajó, localizado a cerca de 87 quilômetros de Belém.
“Nessa exposição dá pra perceber uma mudança gradual na minha fotografia. Aos poucos eu venho curando as feridas expostas nas minhas séries de nigthvision. Eu havia me tornado um fotógrafo distante, frio, assustado com a violência de Belém. No Marajó, eu tive uma reconciliação com as pessoas. Meu trabalho voltou a ter leveza, voltei a flanar, conversar, me envolver”, afirma.
A visita ao arquipélago ocorreu no ano passado, com o intuito de documentar a festa de São Sebastião, no município de Cachoeira do Arari. Em uma comunidade quilombola localizada próximo a Salvaterra, Luiz percebeu uma espécie de reencontro com a alegria e o colorido que outrora habitaram sua fotografia. “Foi no Marajó, mas poderia ter sido em qualquer lugar. Latitude e longitude são interiores. Essa comunidade reacendeu algo em mim, inúmeras possibilidades estéticas e afetivas.
É um retorno àquela velha cumplicidade. Agora eu quero retribuir o que eles fizeram. Os moradores virão visitar a exposição aqui em Belém, depois quero montar uma versão reduzida na vila deles. Não quero ganhar um centavo com essa mostra, as fotos e a renda serão todos revertidos para as pessoas de lá. Acho que é o mínimo que posso fazer para manter um pouco da inocência que eu redescobri ali”, conclui.
(Diário do Pará)
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